O que aconteceu no caminho?
- 15 de maio de 2018
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- Thamires Mattos
- Posted in Sessão Cultural
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Estruturas de poder não funcionam. O processo de ascensão corrompe. O caminho perverte. E ainda assim, a sociedade não existe sem as estruturas de poder
Karol Aguiar
O filme A Revolução dos Bichos (1999), inspirado na obra literária homônima de George Owell e dirigido por John Stephenson, parece, à primeira vista, uma fábula para crianças. A história se passa na fazenda do senhor Jones, onde os animais são maltratados, explorados e, por isso, resolvem fazer uma revolução. Liderados pelo Porco Major, os animais se unem e expulsam o inimigo que anda sobre duas pernas da propriedade. Porco Major morre e, logo em seguida, os porcos se alfabetizam e assumem o comando da fazenda. Acreditavam ser os mais inteligentes e capacitados. Há então uma divergência de ideias e planos entre dois dos porcos, trazendo a necessidade de uma eleição. Um dos candidatos arma um esquema para o outro, que é taxado de traidor e acaba sendo banido. No final das contas, Napoleão, o porco eleito, começa a liderar o lugar como um ditador. Onde os animais tinham que trabalhar mais e se alimentar ainda menos do que na época em que o senhor Jones estava lá. Aos pouquinhos, os animais que participaram da revolução foram morrendo e os ideais que motivaram a revolta, sendo esquecidos. Os porcos aparecem andando sobre duas patas, contrariando um dos mandamentos feitos lá no início: “quatro patas bom, duas patas ruim”. Até que enfim, eles se unem aos humanos.
É importante levar em consideração o contexto histórico em que o autor se encontrava ao escrever o romance. A primeira edição foi publicada em 1945, final da segunda guerra mundial. Batalhas e revoluções entre grandes e novas potências, com o objetivo de chegar ao topo e obter o poder para si. O que parece ser uma história inocente, é na verdade uma crítica feroz às estruturas de poder que existem em todo e qualquer grupo social.
Brasil, 1964. Uma revolução crescia. Como todo revolucionário, os militares acreditavam que fariam do Brasil um lugar melhor. Um dos slogans pró ditatoriais era “Pra frente Brasil”. No entanto, quando chegaram ao poder, as pessoas que poderiam até acreditar que levariam o Brasil para frente, foram os causadores de muita violência com direito a morte e censura. O que aconteceu no meio caminho?
Cuba, 1959. Uma revolução crescia. Um grupo liderado por idealizadores que sonhavam e propunham a igualdade social ao povo. Contudo, muita violência, morte e censura foram geradas. O que aconteceu no meio do caminho?
Esses são cenários conhecidos e existem muitos outros que também são. Além de vários que não são, mas seguem a mesma linha de pensamento. Para Max Weber, “poder significa toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”. Sempre existirá alguém dominando e sempre existirá a resistência. Ou seja, sempre haverá várias estruturas de poder: uma no controle, e muitas outras coexistindo paralelamente, buscando tomar esse poder.
Pensamentos de discordância ao poder vigente (que se tornou corrupto) se tornam movimentos de protesto que, muitas vezes, têm boas intenções. Eles ganham força e se transformam em uma estrutura de poder paralela à estrutura de poder principal. Que, por sua vez, já está desacreditada para o povo, devido à corrupção, enquanto aquele movimento de protesto ganha força devido ao seu viés revolucionário e toma o poder. Mas ao longo do caminho, aquele que se revoltou se corrompe e se torna tão deteriorado quanto o anterior. Então surgem novos pensamentos de discordância, que seguem o mesmo caminho do precedente e um ciclo foi criado.
No filme ou livro A Revolução dos Bichos, é possível perceber claramente esse ciclo. Todos os animais estavam insatisfeitos com a liderança do senhor Jones, um dominante aproveitador que maltratava a todos os bichos que viviam na fazenda dele. Em virtude disso, se revoltam e o expulsam, liderados pelos autores da revolução. Que no final, tratam os demais com atrocidades piores que as do líder anterior. Ou seja, se tornaram piores do aquilo que lutaram contra.
Estruturas de poder não funcionam. Basta olhar o histórico da humanidade e analisar todas as barbaridades que já aconteceram em consequência disso. O processo de ascensão corrompe. O caminho perverte. E ainda assim, a sociedade não existe sem as estruturas de poder. São coisas concomitantes. Então o que um cidadão pode fazer para mudar tudo isso? Afinal, é possível que ocorra alguma mudança?