O mito do jornalista pobre coitado
- 8 de março de 2023
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- Theillyson Lima
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Como a desvalorização da profissão em obras cinematográficas pode afetar o senso comum.
Helena Cardoso
Acorda atrasado, se enfia na primeira roupa que vê pela frente (que provavelmente foi tirada de uma pilha de roupas no meio do quarto), compra dois cafés (um pra você, um pro chefe) e é ignorado por um táxi. Essa é sua vida se você interpreta um jornalista em alguma comédia romântica dos anos 2000. Embora isso não esteja mais tão presente nas produções atuais, o jornalista ainda possui certos estereótipos, como estar sempre apressado, ser desvalorizado, lutar pelo furo jornalístico e batalhar muito para alcançar o cargo que realmente deseja.
Estereótipos no audiovisual
Na série How I Met Your Mother (Como eu conheci sua mãe), por exemplo, Robin fica anos cobrindo notícias “toscas” – como a do segundo episódio, quando uma criança fica presa em uma máquina de pelúcias – e se envergonhando na rede de televisão local – após uma entrevista, ela se desequilibra e cai em fezes de cavalo. Quando finalmente consegue trocar de emissora, Robin muda até de país, mas sua realidade enquanto profissional continua a mesma: no Japão, seu trabalho consiste em ser âncora de um telejornal – porém, em conjunto com um macaco.
Por consumir séries e filmes que estereotipam essa realidade ou escutar frequentemente que o profissional de jornalismo é pouco valorizado, muitas pessoas acabam levando o “jornalista pobre coitado” como a verdade da maioria. Ajudando a intensificar essa visão, os constantes ataques à imprensa nos últimos anos estabelecem na mente de alguns a desvalorização.
Profissão limitada?
Entretanto, embora o profissional de jornalismo nem sempre tenha o reconhecimento merecido, colocar todos dentro da mesma caixa é um limitante da diversidade de possibilidade de atuação e cargos dentro desse universo. Jornalista não é só aquele que corre atrás de fontes com um caderninho a tiracolo e volta para seu cubículo apertado no escritório que trabalha para ser o primeiro a publicar a matéria – ainda que atuar como esse tipo de jornalista não seja um indicador de fracasso.
A visão do jornalismo como uma área limitada é o que traz para alguns o pensamento de que as mídias digitais estão aproximando a profissão de seu fim, embora seja exatamente o oposto. O jornalista não é apenas jornalista (dentro do senso comum): ele pode ser social media, diagramador, designer, apresentador, produtor e até roteirista.
Jornalistas em todas as áreas
Carol Pires é formada em jornalismo, colabora com o New York Times en Español e escreve colunas na Época. Mas além disso, é roteirista do GregNews, programa da HBO Brasil, e co-roteirista do documentário da Netflix Democracia em Vertigem, representando Brasília no Oscar. Recentemente, também começou seu próprio podcast, o Retrato Narrado, uma série documental da Revista Piauí em parceria com a Netflix.
Assim como Carol, outros jornalistas começaram a aproveitar das plataformas digitais, criando podcasts (Café da Manhã, por exemplo) e canais no YouTube (como Vera Magalhães). Há também os que escrevem textos de copywriting e blogposts, mercados cada vez mais em ascensão e com ainda mais oportunidades de inserção e crescimento dentro do jornalismo.
Além disso, existem os campos que não recebem tantos estereótipos por não serem tão explorados pelo cinema e não receberem tanta visibilidade, como é o caso da assessoria de imprensa. Uma pesquisa divulgada pela ESPM mostrou que essa é a função com maior taxa de empregabilidade de jornalistas em São Paulo, com as mídias sociais em segundo lugar.
Desvalorização x Ficção
Algumas áreas dentro desse universo tão amplo podem realmente ser desvalorizadas, mas não são a maioria. Nessas minorias, embora os salários não sejam absurdos, há sempre a possibilidade de crescimento: Renata Vasconcellos, por exemplo, em conjunto com outros jornalistas da Globo, recebeu um grande aumento salarial em fevereiro.
Não podemos deixar que o senso comum, alinhado a filmes e séries, forme nossa visão acerca de uma profissão – afinal, não acreditamos em todo o resto de uma obra de ficção que, principalmente em comédias, traz exagero para fins cômicos. Antes de instituir um pensamento sobre um tema a partir de comentários de outras pessoas e de obras audiovisuais, devemos nos perguntar: até que ponto isso é verdade?