O legado existe
- 29 de agosto de 2016
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Irrefutavelmente, o Rio de Janeiro é uma cidade bem melhor após sediar os Jogos Olímpicos de 2016
Thiago Basílio
As olimpíadas sempre despertaram em mim um fascínio hollywoodiano. Difícil de explicar. Sou daquele tipo que realmente fica aguardando anos, acompanhando os preparativos, pesquisando sobre o país-sede, conhecendo os detalhes do evento. Nessas pouco mais de duas décadas de vida, presenciei seis jogos olímpicos. Dois deles não me lembro de nada, por, na época, ser muito pequeno. Minhas memórias recordam mais fortemente dos jogos a partir de 2000, quando Sydney foi anfitriã das competições, seguida por Atenas, Pequim e Londres. Lembro que sempre me vinha uma inquietação à mente: por que nunca o Brasil recebe o evento? Em 2009 finalmente pude comemorar a escolha do Rio como cidade-sede da edição de 2016.
Foram sete anos de preparo, muitos desafios e problemas, mas finalmente o tão esperado 5 de agosto chegou. Uma pena que coicidiu com um momento difícil do país, enfrentando uma crise política e econômica no ápice de seu desfecho, aguardando o desenrolar do controverso processo de impedimento da presidente do país. Tudo isso gerou uma desconfiança nos brasileiros e no mundo. Sem falar do descumprimento da promessa de despoluir a baía de Guanabara (onde haveria competições de vela), das frequentes notícias de violência, preocupações com o surto do zika e o decreto de calamidade pública assinado pelo governo do estado do Rio de Janeiro a pouco mais de um mês do início dos jogos.
Muitos veículos de comunicação de outros países chegaram a classificar precocemente as Olimpíadas como um fracasso, mas, após a bela cerimônia de abertura (utilizando bem menos verba do que em edições anteriores), o tom ficou menos feroz e o mundo passou a se render aos encantos da Cidade Maravilhosa e do povo brasileiro.
Para realizar esse sonho, muitas interveções foram propostas. Talvez a maior delas – despoluir em 80% a Baía de Guanabara – morreu na praia, já que, após uma série de dificuldades contratuais e de verbas, o governo anunciou que seria impossível cumprir a meta até os jogos, garantindo apenas 50% de melhorias. Mas é a vida. Outras promessas se tornaram reais.
Entre todas, destaco o sistema de transportes. Os trens da rede metroviária e férrea da cidade foram trocados por vagões novos e com ar condicionado. Após duas décadas de promessas, finalmente a linha de metrô que liga a Zona Sul à Barra da Tijuca foi inaugurada (faltando quatro dias para o início dos jogos), novas rotas de BRT (serviço expresso de ônibus) ligando o subúrbio às regiões centrais e turísticas da cidade também foram construídas. Ainda nos transportes, o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), o bonde agora modernizado, voltou a trafegar pelas ruas cariocas. O modelo é um dos melhores do mundo. Só o Rio e Dubai possuem. Tudo isso ficou para a cidade, que tornou os caminhos mais rápidos, curtos e confortáveis.
O transporte público ajudou o Rio a se humanizar, pois possibilitou a reurbanização e integração de áreas antes esquecidas da cidade. A Orla Conde, localizada na agora revitalizada região portuária do centro da cidade, dá uma gama enorme de possibilidades culturais, com o belíssimo e moderno Museu do Amanhã, as importantes obras do MAR (o Museu de Artes do Rio), as intervenções artísticas e culturais frequentes da região, que ainda ganhará até o fim do ano o maior aquário da América Latina.
Talvez, um dos grandes temores que assombra as cidades anfitriãs dos jogos olímpicos seja o destino das arenas esportivas após o evento. Equipamentos ociosos, gastando dinheiro sem retorno figuraram como problemas em diversas sedes. Acho que, nesse aspecto, o Rio também se preparou bem, pois fez diversas instalações com estruturas temporárias (para serem transformadas posteriormente em escolas e centro de treinamento de atletas) e investimento privado. Provavelmente não acontecerá o que ocorreu em Atenas, por exemplo, que hoje tem diversas construções tomadas pelo mato, lodo e pragas urbanas.
Outro beneficiado é o setor de turismo da cidade. Só durante os jogos foram 1,2 milhão de visitantes (sendo 400 mil estrangeiros). Graças à “febre olímpica” a área deve alavancar nos próximos anos. O município está mais preparado com novos quartos de hotel e diversas opções de lazer e foi beneficiado pela exposição ao despertar 4 bilhões de olhares que acompanharam em algum momento as transmissões mostrando as belezas impressionantes da natureza e vibração cariocas. O turismo impulsiona a economia e dá à cidade uma ferramenta permanente de receita em um lugar ímpar e com um potencial enorme. Todas essas transformações fazem com que a estrutura da cidade seja mais favorável a receber investimentos futuros, principalmente de empresários estrangeiros que, querendo ou não, observaram a capital fluminense nas duas semanas de competição.
Podemos elencar também inúmeras mudanças como, por exemplo, a modernização dos aeroportos, porto, vias, pontos turísticos e outros benefícios gerados pelos quase R$ 40 bilhões investidos na cidade para realização dos jogos. Talvez a partir de agora a imprensa passe a olhar para o Brasil como um país moderno e capaz de organizar grandes eventos de forma democrática, dentro da realidade e respeitando contratos. Provavelmente as lentes do mundo não ficarão focadas permanentemente no Rio, mas, ao menos uma boa imagem, sem tantos estereótipos e mais realista, será lembrada pelos jornalistas quando em algum momento falarem sobre o nosso país.
É óbvio que o Rio de Janeiro tem sérios e inaceitáveis problemas, mas acho que também é evidente que a cidade hoje é infinitamente melhor ao Rio de quando foi escolhido como sede, em 2009. O país pode respirar alividado, pois entregamos, em grande estilo e à brasileira, um evento memorável e com legados reais ao povo. Tive o privilégio de realizar o sonho de participar de uma edição dos jogos em meu país e verificar de perto tantas transformações de uma cidade que, olímpica ou não, já ganhou há muito tempo medalha de ouro em ser maravilhosa.