O jornalismo heroico do Clark Kent sobreviveria ao século XXI?
- 8 de março de 2023
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- Theillyson Lima
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O seriado Superman e Lois é aclamado pela crítica como uma das maiores representações das HQs de Superman dos últimos tempos. A trama dá palco para discussões sobre o estereótipo jornalista e como a visão de herói cega o público.
Ana Toyota
O jornalismo é uma profissão bem presente na indústria cinematográfica. Embora muitas vezes sendo apresentada como uma profissão que só pensa em si, seguindo até mesmo a estética de vilão, o jornalista ganha uma nova face quando retratado pelo Superman.
A visão do super-heroísmo dentro do cinema traz a imagem que o público espera e admira. Os telespectadores observam um jornalista que carrega o segredo de salvar o mundo quando ninguém está vendo e, ao se influenciar pela magia do cinema na sociedade, projeta no jornalista a missão de ser herói.
Essa situação é descrita por Geraldinho Vieira no livro Complexo de Clark Kent: São super-homens os jornalistas?, em que ele afirma: “A ficção coloriu uma profissão onde o dia a dia é uma maravilhosa aventura no combate aos males sociais e na procura da verdade, onde as portas parecem abertas a toda sorte de liberdade, da manipulação da realidade ao acesso e divulgação da informação”.
Heroísmo e imperfeição
“Superman e Lois” revela um Clark Kent que, além de super-herói, é marido e pai de família. Ambos jornalistas, o casal que leva o nome da série tem um par de gêmeos, Jordan e Jonathan. Durante toda a trama, a missão do Superman flui de forma distinta entre o heroísmo e o jornalismo. No entanto, a percepção criada para o público é de alguém que possui poderes em tempo integral. Ele é representado como o detentor da verdade e da justiça, independente da ética profissional do personagem.
Lois Lane não possui as qualidades perfeitas do cônjuge, mas ainda é vista como jornalista de opinião confiável, mesmo quando desobedece alguma lei ou questão ética para fazer a notícia acontecer. Sendo que, fora das HQs, a apuração da notícia deveria ser diferente. O profissional deve exercer a imparcialidade, sendo um agente que ouve os outros e que não interfere no trabalho com as próprias opiniões, a escolher a sua verdade como absoluta.
O público quando enxerga o jornalista super-homem espera do jornalista real a mesma ação, e quando não utiliza dos mesmos meios de “solução” isso o torna “menos-super”, assumindo até a identidade de vilão.
Quebra de expectativa
O Superman foi um dos jornalistas pioneiros dentro do mundo cinematográfico. Seu primeiro filme foi lançado em 1948, no entanto, suas HQs já circulavam há 10 anos. Por mais que não seja o primeiro produto do cinema a falar de um jornalista, o Superman foi o primeiro com bilheteria de alcance mundial. De certa forma, pode-se dizer que a visão imaculada de Clark Kent foi a primeira visão do jornalista no cinema, projetando o heroísmo na realidade de muitos profissionais.
A jornalista Nathale Cadaval Kraetzig afirma em seu artigo: “Por ser, paralelamente, um herói, ele é mostrado como um homem virtuoso, sem vícios ou desvios de caráter, qualidades que ele leva também para a sua prática jornalística. Tornando-se, assim, um profissional que, se por um lado foge do estereótipo de jornalista complexo, cheio de problemas e focado apenas na sua profissão, por outro se aproxima daquele profissional considerado ideal, por focar suas ações na conduta ética e na busca pela verdade.”
A problemática de trazer a projeção de um jornalista que está certo o tempo todo quebra a expectativa de quem retorna à realidade e que descobre um jornalista real “imperfeito” se colocado lado a lado com o Superman.
O herói se transforma em vilão
Após o sucesso do jornalista herói, a quebra de expectativa com o profissional real foi tão grande que posteriormente o cinema só se ocupou em mostrar um jornalista vilão. Produtos de Hollywood apresentavam uma pessoa egoísta, profissional que só pensa em si e ultrapassa qualquer princípio de caráter para conseguir o furo jornalístico.
Mas por que o herói virou vilão?
Depois que a comparação entre o Superman e os jornalistas reais mostrou ao mundo que esses profissionais não são oniscientes nem possuem visão raio-x para escrever suas matérias, Hollywood partiu para a caricatura do outro extremo da moeda. O jornalista virou vilão no cinema!
Com isso, o profissional que foi das pautas às ocupações multifacetadas continua sendo muito representado no cinema, no entanto não mais como um herói. Contrário ao que se viu no personagem forte e destemido do Superman, a nova era da sétima arte apresenta um jornalista que se perde dentro das caricaturas. Por fim, falta equilíbrio nas narrativas. Afinal, o jornalismo não precisa ser heroico para ser super.