O holocausto é uma falácia?
- 5 de setembro de 2017
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- Thamires Mattos
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Uma professora universitária judia, um historiador que nega o holocausto, um julgamento… como comprovar a veracidade de um fato ou existência de uma pós-verdade diante o argumento de que “ninguém pode ser acusado de mentiroso se ele de fato acredita nisso”?
Luciana Ferreira
Factoides: palavra há tempos conhecida, mas que ganhou nova roupagem com o termo Pós-verdade. Termo este, apontado como a palavra do ano de 2016 pela Universidade Oxford. O conceito do léxico refere-se a um fato apresentado e dado como verdade. São narrativas exibidas em distintas versões, onde se observa a mesclagem de fatos verdadeiros com dados equivocados.
Ao observar a breve identificação do “novo” conceito, é possível notar que nossa vida é permeada por pós-verdades. Os escândalos políticos da Lava Jato, por exemplo, apresentam uma enxurrada de fatos que criam um nó na cabeça das pessoas e em vários momentos fazem das verdades mentiras e dos equívocos sentenças dadas como certas.
O cinema, representante ativo dos diferentes traços que contextualizam a sociedade, não deixou a temática esquecida e, propositalmente ou não, trouxe a discussão à tona. Um dos exemplos cinematográficos relacionados ao tema é o longa A Negação. O filme chegou ao Brasil em 9 de março de 2017. Produzido pelo Mick Jackson, é baseado em fatos reais narrados no livro History on Trial: My Day In Courte With a Holocaust Denier (em tradução livre, História em julgamento: meu dia em tribunal com um contestador do holocausto) de Deborah Lipstadt. No longa, o historiador britânico, David Irving, move um processo contra a professora Deborah Lipstadt, da Universidade Emory, de Atlanta, alegando que a acadêmica distorceu os fatos ocorridos no nazismo. Em trabalhos anteriores, ao discorrer sobre a questão do holocausto, Débora havia mencionado o historiador como um dos defensores da não existência do genocídio, caracterizando-o como um manipulador da história.
A trama se desenrola apresentando a argumentação construída pelo historiador a fim acusar a professora de difamação, entre outras coisas. Ele consegue, inclusive, transferir o processo para a Inglaterra, tendo em vista que nos tribunais britânicos a ré, Deborah, teria a obrigação de apresentar provas que comprovassem sua “inocência”. Neste sentido, ela teria que provar que o holocausto realmente aconteceu e que seus comentários contra ele tinham fundamento. Mas de fato, qual a ligação do caso com a questão da pós-verdade?
A pós-verdade, de acordo com vários estudiosos, não é vista apenas como apresentação de informações falsas. A divulgação de verdades entremeadas com mentiras é um dos fortes indícios que marcam o comportamento assim denominado. No filme, por exemplo, Irving não nega em nenhum momento a existência do nazismo, pelo contrário, ele afirma que essa parte escura da história de fato aconteceu. Todavia, o historiador nega a morte dos judeus nas câmaras de gás de Auschwitz, na Polônia, e ainda afirma que o número de assassinatos é bem menor do que os 6 milhões propagados pela história.
Sua contestação do holocausto é carregada de malícia e sutiliza. Irving mistura a realidade às mentiras de forma impressionante e confesso que, por um momento, no filme, ele consegue levar a mente do espectador em um breve giro de questionamento. O genocídio, de fato, teria acontecido como contam os livros? Mas acalme-se, os argumentos apresentados pelo historiador no filme não são fortes o suficiente para negar aquilo que a história com todos seus dados comprovou ter ocorrido.
As falsas verdades continuam a permear a trama. O historiador prossegue negando a existência das mortes mesmo quando um investigador vai até o local e confirma que pesquisadores encontraram vestígios do cianeto, gás utilizado nas câmaras, nas grades de ventilação nos destroços de Auschwitz. Enquanto isso, a professora prossegue na busca de provar a veracidade do holocausto. Ela inclusive, conta com o apoio do governo israelense que coloca a sua disposição manuscritos de um oficial nazista responsável pela organização do transporte de milhões de judeus para os campos de concentração.
Enquanto a professora está mais interessada em provar a veracidade da terrível experiência que foi o Holocausto – uma pausa para destacar a descendência judia de Deborah, pois isso explica o porquê dela estar mais preocupada em comprovar a verdade dos fatos do que sua inocência propriamente dita – seus defensores, a priori, parecem estar desinteressados pelo o que a história comprovou e mais voltados para demosntrar que Irving é um impostor. Eles não negam a história, todavia se preocupam em provar que o historiador não é digno de confiabilidade.
O impressionante desta experiência cinematográfica está no fato de que a história relatada no filme realmente aconteceu. E após 8 semanas presidindo o caso no tribunal, o juiz Charles Gray decidiu contra Irving e ainda o acusou de ser um “anti-semita e racista”. O magistrado acusou o historiador de conviver com grupos neofascistas e de compartilhar de ideias racistas. Em reportagem divulgada pela Folha de São Paulo, logo após o veredito do caso, o presidente do Conselho de Representantes dos Judeus Britânicos, EldredTabachnik, afirmou que a decisão do tribunal aponta David Irving como um falsificador da história. “Simpatizante nazista cuja meta vem sendo a de minimizar a gravidade do nazismo e absolver Hitler da culpa do Holocausto”, enfatiza.
Creio que a maioria das pessoas acredita na veracidade de um Holocausto judeu. Por outro lado, é inegável a existência de um número cada vez maior de indivíduos que se utilizam da pós-verdade para distorcer as informações. Informações estas que, muitas vezes, são propagadas pela mídia e aceitas por milhares como verdade absoluta. E, para jogar mais lenha na fogueira, como comprovar a veracidade de um fato ou existência de uma pós-verdade diante o argumento de que “ninguém pode ser acusado de mentiroso se ele de fato acredita nisso”?