O Brasil está queimando, mas vida que segue
- 25 de setembro de 2024
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- Theillyson Lima
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O governo brasileiro escolhe a negação como resposta a uma das maiores tragédias climáticas da história do país.
Victor Bernardo
“Pense no planeta que você quer deixar para os seus filhos.” Essa frase (ou alguma variação dela) é amplamente difundida por governos e ONGs ao redor do mundo, numa tentativa de conscientizar suas populações sobre os riscos do aquecimento global, incentivando a adoção de práticas mais sustentáveis.
Sem entrar no mérito da verdadeira culpa pela situação climática do planeta – que não é da massa da população mundial -, essa frase tem um problema sério com a temporalidade.
Neste ano, o Brasil enfrenta a pior seca já registrada desde que medições deste tipo começaram – em 1950. Mais de 200 cidades no país têm umidade menor ou igual à verificada em desertos. Em agosto, foram registrados quase 70 mil focos de incêndio, um aumento de 144% em relação ao mesmo período do ano passado. O aquecimento global não é um futuro distante, mas uma realidade que o mundo parece coletivamente ignorar, começando pelas autoridades.
O que acontece no Brasil
Apesar de inúmeras promessas de campanha relacionadas ao meio ambiente, o governo Lula não tem conseguido controlar a crise das queimadas. Institucionalmente, no entanto, o planalto age como se tudo estivesse bem.
A agência de notícias oficial do governo – Agência Brasil – traz alguns dados importantes sobre a tragédia climática, e não suaviza as informações, o que é um ponto positivo. No entanto, também faz questão de destacar ações do poder público, especialmente do governo federal, mesmo que elas não sejam suficientes para conter o problema.
O Ministério do Meio Ambiente segue a mesma linha, mas com ainda menos informações. Sem nenhum dado ou noção da gravidade do problema, sua abordagem se resume a destacar a agenda positiva do governo, com direito a celebração pela “menor taxa de desmatamento da Amazônia nos últimos seis anos”, quase ignorando a gigantesca área de floresta perdida para o fogo.
O Ministério da Saúde tem uma abordagem mais positiva. Embora ainda tenham muitas notícias com foco em ações positivas do governo, também prestam um serviço útil à população. A página inicial do site da pasta apresenta vários conteúdos com orientações a respeito das queimadas, inclusive de cuidados com eventuais problemas de saúde que podem surgir nesse contexto.
Por fim, as redes sociais do presidente trazem conteúdos diversos, desde campanha para seus candidatos nas eleições municipais, ações do governo e, claro, destaque para o suposto combate à tragédia climática – que parece não estar sendo efetivo.
Estados e municípios
No último dia 09 de setembro, a cidade de São Paulo amanheceu com a pior qualidade de ar do mundo. Enquanto isso, a prefeitura não tinha nenhuma manifestação sobre o tema em seus canais de comunicação.
Nesse momento, o site oficial da administração municipal ainda exibia um alerta para baixas temperaturas, o que já não era a realidade da cidade há mais de duas semanas. No mesmo dia, a comunicação do governo estadual também ignorou o fato em suas redes sociais, preferindo destacar obras do Metrô e a geração de empregos formais.
O governador Tarcísio de Freitas se esquiva de qualquer responsabilidade, culpando o clima pelas queimadas, além de reforçar as poucas medidas de combate que o governo estadual tem tomado. Tudo isso também sem nenhuma recomendação de saúde à população.
Os estados mais atingidos pela crise – Pará, Amazonas e Mato Grosso do Sul, segundo o INPE – também apresentam problemas graves na abordagem.
No site do governo Amazonense, a página de notícias está fora do ar há pelo menos três semanas. A página da secretaria de estado do meio ambiente também passou por um tempo de instabilidade, mas foi restaurada. No entanto, apresenta apenas informações básicas sobre o órgão e nada sobre a tragédia climática. O portal ainda tem informações sobre a Covid-19, mas nenhuma orientação para a população sobre a crise atual.
Pará e Mato Grosso do Sul têm abordagens semelhantes, com algumas informações sobre desmatamento e queimadas – sempre ressaltando ações de combate – mas também ignorando as orientações sobre cuidados com a saúde.
E agora?
O objetivo deste texto não é sugerir ações de combate às mudanças climáticas, nem argumentar contra o agronegócio, procurar culpados ou criticar lado A ou B. Como ficou claro, a falha na comunicação se faz presente em todas as instâncias do governo, seja da esquerda ou da direita.
Não é mais aceitável seguirmos vivendo como se nada estivesse acontecendo, embora a negação seja uma resposta fácil para problemas que parecem complexos demais. É papel da administração pública alertar a população sobre a gravidade dessa crise (especialmente seus impactos na saúde), admitir seus erros e propor soluções concretas.
A geração que vai sentir os efeitos do aquecimento global não é a próxima, é essa. E o mundo continua agindo como se estivesse tudo bem. Governos hipócritas celebram supostas ações de preservação ambiental e combate à tragédia climática, que a cada ano se provam menos eficazes. Enquanto isso, o planeta queima – literalmente.