Noticiário de sala de espera
- 18 de maio de 2022
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O que a redação do LinkedIn considera relevante aos profissionais que acessam a rede?
Mariana Santos
Você está sentado em uma sala climatizada enquanto aguarda a hora da entrevista de emprego. Durante o tempo de espera, você conversa com os outros candidatos, folheia impacientemente uma revista e assiste ao noticiário em uma pequena televisão. Fica analisando a forma como todos se vestem e sobre o que conversam, pensando: “será que estou no mesmo nível?”. Enfim, por mais que seja uma rede social, o LinkedIn é praticamente a versão virtual do que acabei de descrever.
Idealizado na sala de estar de Reid Hoffman, o LinkedIn se apresenta como “a maior rede profissional do mundo”, contudo, apesar da boa aparência, milhares de internautas consideram a plataforma extremamente nociva. Seja pela positividade tóxica, pela competição escancarada ou pelo tom passivo agressivo adotado nas publicações, muitos jovens têm buscado meios alternativos de falar sobre suas conquistas profissionais.
No entanto, existe espaço para o jornalismo dentro desse tipo de ambiente? Bom, podemos dizer que existe, mas é o mesmo espaço destinado àquela pequena televisão que eu citei no início do texto: de entretenimento raso, uma distração diante de um objetivo maior.
LinkedIn Notícias
Antes de falar sobre o jornalismo publicado pelos perfis de agências e jornais, é necessário deixar claro que o LinkedIn possui sua própria redação que produz conteúdo informativo para os usuários. Apesar de um ambiente jornalístico não ser incomum nas redes sociais (o Twitter também possui espaço dedicado), a forma como os acontecimentos em destaque são dispostos na rede levanta discussões a respeito do que pode ser chamado notícia.
Para aqueles que acessam seu perfil pelo computador, a sessão “LinkedIn Notícias” aparece no canto superior direito, em uma posição de destaque. Já no aplicativo, o acesso é confuso e depende de uma busca focada, afinal poucas pessoas imaginariam que basta clicar na ferramenta de busca, representada por uma lupa, para encontrar as notícias do dia em forma de sugestão de conteúdo a ser consumido.
Pensando em tornar o discurso da plataforma padronizado e transparente, uma “?” próxima à seleção de notícias explica: “O LinkedIn News é uma equipe dedicada de mais de 100 jornalistas globais que estão criando, selecionando e cultivando as notícias e insights que os profissionais precisam saber agora, alcançando 135 países e 9 idiomas.”
Há, nesta declaração, pelo menos uma afirmação com a qual concordo e duas que chamaram a minha atenção. De fato, o LinkedIn cultiva e seleciona as notícias que considera relevantes ao público da rede, porém quantos dos 100 “jornalistas globais” estariam dedicados ao Brasil? E quais são os “insights que os profissionais precisam saber agora”?
Como a análise aconteceu
A cada 24 horas, 10 links entram para a lista de notícias selecionadas. A primeira notícia é um quadro fixo, atualizado diariamente, sobre os acontecimentos na Ucrânia e os desdobramentos da guerra com a Rússia, os demais tópicos variam. Para entender melhor o que o LinkedIn considera noticiável ou digno de atenção, foram analisados 20 tópicos com uma semana de intervalo entre eles para que houvesse variabilidade de temas.
Sobre o conteúdo, é preciso destacar que dentre as temáticas de hard news existem publicações assemelhadas ao blog post infiltradas na lista. Em grandes veículos jornalísticos isso também pode ser observado, entretanto, o blog post dificilmente é colocado entre as primeiras notícias já que esse espaço é dedicado aos acontecimentos mais relevantes.
No LinkedIn, depois do quadro fixo da Ucrânia, as duas primeiras notícias do dia nove de maio eram: “Veja 5 maneiras de lidar com a ansiedade no trabalho” e “O que diferencia as pessoas ‘realmente bem-sucedidas”’, seguido de “Propostas para o Fies serão apresentadas aos presidenciáveis” e “Como fazer uma apresentação de trabalho eficaz para reuniões virtuais”. Na semana seguinte, o fenômeno se repetiu: blog post com um destaque desnecessário.
A conclusão da pesquisa
Considerando a instabilidade do mercado, as tendências de comportamento e os crimes/golpes constantemente cometidos, é questionável que uma redação não escolha pelo menos três pautas verdadeiramente jornalísticas para ocupar a segunda, terceira e a quinta posição de notícias mais relevantes. Pelo contrário, títulos como “Aportes em startups na América Latina recuam 35% em abril” e “Empresas adotam iniciativas para contratar profissional neurodiverso”, ficaram com as duas últimas posições.
A equipe empenhada em produzir os textos dos dois dias analisados é formada por cinco profissionais, os quais escrevem leads e disponibilizam uma seleção de posts (tanto de jornalistas quanto de veículos) que tratam do tema descrito no título. No espaço atualizado com os acontecimentos da guerra, por exemplo, são colocados em destaque pelo menos cinco grandes veículos jornalísticos: BBC, CNN, Estadão, Folha de S. Paulo e G1.
Em alguns casos a iniciativa funciona bem, contudo, nem sempre existem posts suficientes para serem selecionados uma vez que blog post não é notícia e, com frequência, apenas um perfil “linkado” estava falando sobre o assunto destacado. Esse é o caso da terceira e da quinta “notícia” citada acima.
O fato dos principais assuntos selecionados serem “fabricados” ou intencionalmente destacados sem que houvesse necessidade sugere inversão de valores, colocando o “click” acima do serviço de informação. Aparentemente, são estes os “insights que os profissionais precisam saber agora”.
A presença de veículos jornalísticos
Como citado anteriormente, alguns dos principais veículos nacionais possuem um perfil no LinkedIn assim como em outras redes sociais. A postura desses veículos é semelhante entre eles: estão lá para dar notícia. Ao contrário do que a maioria dos usuários procura, a Folha de São Paulo e a CNN não apresentam um comportamento de quem quer ampliar as conexões profissionais, os veículos querem apenas mais um “mural” para anunciar os últimos acontecimentos.
É evidente a importância dos veículos jornalísticos no LinkedIn, uma vez que o serviço prestado pela própria plataforma possui déficits. Apesar de aparentar se preocupar com a atualidade, o LinkedIn falha ao oferecer, entre os únicos 10 tópicos noticiosos, conteúdos que poderiam facilmente protagonizar posts no perfil oficial da plataforma.