“New York, New York”
- 27 de outubro de 2015
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- Thamires Mattos
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Em tempos de globalização e abertura cultural à miscigenação a população muçulmana que vive nos Estados Unidos da América é ameaçada, tida como terrorista/extremista e vista com maus olhos por boa parte dos veículos de comunicação
Thamires Mattos
Orgulhoso de suas conquistas ao extremo. Esta seria uma boa definição para os Estados Unidos da América. O país, que nasceu da crença irônica em igualdade entre as pessoas e superioridade da própria religião e cultura, tem um histórico de abrigo a refugiados. Durante os séculos 19 e 20, um intenso fluxo de judeus provenientes da Europa foram acolhidos pelos Estados Unidos. Misturaram-se entre a multidão protestante, apesar de ainda guardarem algumas doutrinas de sua religião. A eles é creditado o nascimento de Nova York, o centro financeiro do mundo e um dos pilares americanos. Desde então, a associação judaico-americana tem crescido em aspectos políticos, econômicos e sociais.
O New York Times é um jornal diário, publicado em Nova York e distribuído no mundo inteiro. Por seu renome internacional, causa grande impacto na opinião da grande mídia. O jornal já “virou fonte”. Se o NYT disse, supõe-se que seja a informação correta. O periódico é conhecido por sua busca pela imparcialidade, mas em conflitos entre os seguidores do Alcorão e da Torá, expressa sua natureza. Em 1896, o filho de um imigrante judeu – Adolph Ochs – adquiriu o controle do Times . Até hoje o grupo comunicacional é gerenciado por sua família, assim como sua linha editorial.
Em notícias referentes aos conflitos na Faixa de Gaza, o periódico adota uma postura timidamente favorável à Israel. Durante o atentado à revista humorística francesa Charlie Hebdo , fez questão de relatar a tensão explícita entre os imigrantes muçulmanos no país e o resto da população. Nas guerras do Iraque e do Afeganistão, os Estados Unidos são pintados como a única esperança dos países. Para o NYT , sem uma cultura e religião “americanizadas”, as pessoas não podem sobreviver.
Por narrativas como esta é que a população muçulmana que vive nos Estados Unidos da América é ameaçada, tida como terrorista/extremista e vista com maus olhos por boa parte da comunicação. É comum andar por lojas do país capitalista e ver famílias felizes com roupas típicas do Islã. O pai com uma barba “suspeita”, a mãe de burca ou lenço, a filha vestindo calça jeans e blusa da mesma cor do lenço na cabeça e o menino espoleta correndo entre uma prateleira e outra. Tudo acontece da maneira em que estamos acostumados: se é uma loja de roupas femininas, o pai e o filho ficam impacientes. Reclamam em inglês ou árabe para a mãe, que dá de ombros e continua suas compras. A filha está reluzente, gastando o dinheiro que ainda não tem em pulseiras, colares e anéis. Lindos lenços, calças compridas, saias da moda e blusas recatadas vão para o carrinho. O protótipo de uma família americana como qualquer outra. A diferença? Um estereótipo “terrorista” que a mídia dissemina. Por isso, somente um muçulmano “desislamizado”, que compra as brigas americanas e deixa as suas de lado, é considerado um “quase-verdadeiro” americano pelo senso comum.
O New York Times expressa o desejo por uma aculturação muçulmana, mas pela inclusão desse grupo em um convívio social saudável – livre de preconceitos. Ao mesmo tempo que oprime, defende. Além disso, influencia outros grupos de comunicação. Como exemplo, temos o tratamento dado aos muçulmanos-americanos pela Cable News Network (CNN), o primeiro canal de notícias 24 horas do mundo. A emissora é propriedade da Time Warner, localizada em Nova York. A CNN Internacional cobre mais de 212 países, e critica os muçulmanos fora dos Estados Unidos. Dentro, eles são apenas americanos “peculiares”. Diversos artigos de opinião e reportagens em vídeo são publicadas no portal da rede em prol dos “muçulmanos não-terroristas”. O que tudo isso dá a entender é que eles são a exceção, e não a regra. Já a Fox News , emissora que apóia fortemente as candidaturas republicanas em seu discurso, não é a favor nem mesmo da participação de muçulmanos-americanos na política. O jornalista Bill O’Reilly, criador e apresentador do talk-show “The O’Reilly Factor”, afirmou que nunca votaria em um muçulmano para presidente. Ele explicou a afirmação dizendo que as leis americanas são baseadas em filosofias judaico-cristãs, e o Islã vai contra isso. Para tentar comprovar a fala de O’Reilly, o repórter John Stossel foi às ruas de Nova York e perguntou às pessoas se elas confiariam a Casa Branca a um muçulmano. Voltou com a inesperada resposta de que a maioria dos entrevistados se sentiria confortável com a situação. A resposta de O’Reilly? “Isso é Nova York. Se você for ao Alabama perguntar isso, a resposta será diferente”.
Contradições e discursos prontos vindos de Nova York. A capital financeira do mundo apresenta diferentes visões sobre o Islã. No entanto, as conclusões sempre são as mesmas: muçulmano bom é muçulmano apostatado – rendido às riquezas novaiorquinas. Uma mudança radical no pensamento estadunidense só pode começar na “cidade que nunca dorme”. Já cantava Frank Sinatra: “Só depende de você, Nova York!”