
Nasce uma Estrela (de novo)
- 23 de abril de 2025
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- Theillyson Lima
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Por que Hollywood não cansa de contar a mesma história de Nasce uma Estrela e o público continua assistindo?
Vefiola Shaka
Quando pensamos em remakes de filmes geralmente imaginamos os clássicos da literatura, histórias de monstros ou herois. Mas então surge Nasce uma Estrela, uma narrativa que foge desses clichês: a história de um artista hollywoodiano que descobre e aposta no talento de uma jovem artista. À primeira vista, não aparenta ser o tipo de história que sustentaria cinco adaptações cinematográficas em quase cem anos. Mesmo assim, a mais nova delas teve sucesso nas bilheteiras do mundo todo e tocou espectadores de várias faixas etárias. O que faz com que essa narrativa perdure ao longo do tempo e se mantenha significativa?
O longa percorreu um caminho notável no cinema e na TV. Desde sua versão inicial em 1937 com Janet Gaynor e Fredric March, a obra foi reproduzida quatro vezes: em 1951 como uma adaptação para a televisão com Kathleen Crowley e Conrad Nagel; em 1954 com Judy Garland e James Mason; em 1976 com Barbra Streisand e Kris Kristofferson; e em 2018 com Lady Gaga e Bradley Cooper.
O mais impressionante é que, ao longo dessas décadas, o roteiro permaneceu notavelmente coerente em sua essência. A ideia principal continua a mesma: um artista conhecido, porém em queda, encontra uma jovem, alavanca a trajetória profissional dela enquanto a sua desmorona por dificuldades pessoais. As modificações são superficiais, mais ao contexto cultural e ao ambiente artístico de cada período do que mudando a narrativa.
A versão original e os remakes
A versão original de 1937 está totalmente conectada ao sistema de estúdios de Hollywood, ilustrando uma indústria que converte uma garota comum em uma estrela fabricada. O longa-metragem teve sete nomeações ao Oscar, incluindo a de Melhor Filme, criando as bases para o que se tornaria um clássico recontado ao longo das gerações.
A versão de 1954 ampliou significativamente a dimensão musical, com Judy Garland levando sua vivência pessoal de dificuldades com estúdios e vícios ao personagem. Garland era vista como forte concorrente ao Oscar, mas foi superada por Grace Kelly em uma das maiores controvérsias da história da premiação.
Em 1976, a versão aproveitou a contracultura rock dos anos 70, apresentando uma estética visual áspera e atuações musicais vibrantes. Barbra Streisand não apenas foi a protagonista, mas também teve um controle criativo significativo como produtora executiva. A trilha sonora comercializou milhões de exemplares nos EUA, e “Evergreen” recebeu o Oscar de Melhor Canção Original.
Uma aposta econômica
A continuidade ao longo de décadas suscita uma dúvida relevante: por que Hollywood continua a recontar essa narrativa específica? Cada edição evidenciou a viabilidade comercial da história, com lucros progressivamente mais significativos. A edição de 1976 converteu um orçamento de U$6 milhões em U$80 milhões de receita global, enquanto a de 2018, com um investimento de U$36 milhões, obteve impressionantes U$436 milhões em todo o mundo.
Com certeza, o segredo da máquina de produção é a repetição da fórmula vencedora. A versão original, lançada em 1937, foi produzida pela Warner Bros. Já o remake de 1954 contou com a produção da tradicional Metro-Goldwyn-Mayer (MGM). Em 1976, a Warner Bros. voltou a assumir a produção. Por fim, a versão de 2018 foi realizada por um consórcio de estúdios e empresas: Warner Bros., Live Nation Productions, Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), Peters Entertainment e Gerber Pictures. Longe de ser apenas um rodízio criativo entre estúdios, essa ação parece claramente uma estratégia para preservar o controle sobre uma narrativa que já se demonstrou lucrativa.
Mais que uma mera aposta econômica, o filme pode ser visto como um espelho das inquietações culturais acerca da fama e da identidade que cada geração vive. Na época das mídias sociais e dos fenômenos instantâneos, o último remake parece ser especialmente relevante, interrogando o que define autenticidade artística em um período de música gerada digitalmente e fama criada por algoritmos.
Quem vai ser a próxima estrela?
Independentemente do destino dessa produção, é improvável que seja o último suspiro de Hollywood. Em uma entrevista, o apresentador da TMC Ben Mankiewicz brincou que o próximo “A Star Is Born” será lançado em 2027 e terá apenas Kardashians no elenco. No final das contas, a sátira acerta em cheio porque o antigo mito da fama ganhou uma nova versão, agora menos relacionada ao talento e mais à presença. A imagem da estrela já não requer canto, atuação, basta ser visível o suficiente.
Ao nos perguntarmos por que Hollywood persiste em refazer “Nasce uma Estrela”, a resposta pode estar no título: cada geração necessita vivenciar o surgimento de sua própria estrela, com as vitórias e desventuras que esse processo inevitavelmente acarretam. É um roteiro que, ironicamente, parece se sustentar tão bem quanto as atuações icônicas que o deram vida repetidamente ao longo de quase um século. Com um elenco 100% Kardashian, talvez a única coisa que nasce mesmo… seja o marketing.