Luta pelo fim da desigualdade
- 13 de outubro de 2015
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- Thamires Mattos
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A Resposta é um tratado sobre resistência e sobre passos de formiga em direção de uma sociedade mais lúcida, tolerante. A história de três diferentes mulheres em luta pelo fim da desigualdade
Juliana Dorneles
Jackson, capital do Mississipi (EUA), está prestes a passar por uma revolução. É 1962. A discriminação e o racismo são atitudes cada vez mais fortes na comunidade. Brancos e negros estão separados pela cor da pele. É este o contexto em que se passa a história de três personagens criadas por Kathryn Stockett. Personagens que representam a sociedade da época. O best-seller A Resposta é uma crítica social que visa a apoiar movimentos dos direitos civis e combater a desigualdade racial.
Eugênia Skeeter Phelan é uma jovem que volta para casa após se formar no curso de Jornalismo. Por ter nascido de uma família branca e com boas condições financeiras tem direito a muitos privilégios. No entanto, um sentimento de insatisfação com a sociedade preconceituosa e fútil que a rodeia começa a nascer dentro dela.
Apesar de ter duas grandes amigas de infância, Hilly e Elizabeth Leefolt, a jovem não consegue esquecer sua melhor amiga e confidente: Constantine, a empregada negra que a criara. Formada, vai atrás de emprego. Seu sonho é ser uma escritora, mas consegue espaço apenas para escrever na coluna sobre cuidados domésticos do jornal da cidade. Como nunca cuidou de uma casa, sem a ajuda de Constantine para auxiliar o conteúdo de seus textos, seria impossível aceitar o emprego. E aí entra em cena a segunda personagem da história.
Aibileen era uma empregada doméstica negra que trabalhava na casa da família Leefolt. Depois da perda do seu único filho, a vida dela desabou. Seu refúgio era Mae Mobley, a filha dos patrões. A empregada sempre contava à menina o que as duas apelidaram de “histórias secretas”. O objetivo dessas fábulas era mostrar o valor do ser humano e ensiná-la a nunca discriminar alguém pela cor da pele. Aibileen tinha um coração muito bom e sempre fora submissa às suas patroas, diferentemente de sua melhor amiga…
Minny, a terceira figura desta história também era uma empregada negra, porém com fama de ser desbocada e mal criada com suas patroas. Em sua última experiência de trabalho fora demitida acusada de furto, o que não era verdade. Por ter uma má reputação, ela só consegue emprego na casa de uma madame que tinha se mudado recentemente para a cidade e por isso não conhecia sua fama. Diferentemente de suas outras patroas, Célia é uma mulher muito amável e que tenta desenvolver uma amizade com ela.
Além de enfrentar uma grande dificuldade financeira, por ter 5 filhos, Minny não tem um bom relacionamento com o marido, chegando muitas vezes a ser agredida.
A história das três personagens se cruzam quando Skeeter, desesperada por alguém que lhe ajude a escrever para coluna de cuidados domésticos, procura Aibileen. Após certa resistência por parte da empregada, ela decide prestar auxílio. Aibileen conta que seu filho, antes de morrer, tinha o sonho de escrever um livro sobre desigualdade racial. Skeeter acha o assunto interessante e aliando a ideia à sua vontade de ser uma escritora, abraça o projeto do falecido. O plano era que o livro contivesse a história de várias empregadas domésticas, suas dificuldades e o preconceito que elas sofriam.
No entanto, a empreitada não seria nada fácil. As complicações começam pelo fato de que Skeeter e Aibileen não podem ser vistas conversando. Elas decidem se encontrar secretamente na casa de Aibileen. Outra grande dificuldade é achar outras empregadas que estejam dispostas a revelar suas histórias a uma branca. Minny se junta e esse projeto e então as três vão em busca do sonho de ter este livro publicado.
A Resposta retrata a desigualdade absurda que separava as pessoas em duas classes. Uma era inferiorizada para a outra ser enaltecida. O discurso da superioridade racial, herança de uma Europa arrogante e envelhecida, levou o homem a atitudes insanas. Em certa passagem do livro, Minny conta que foi tirada do provador de uma loja com um revólver apontado a cabeça, apenas porque entrou por engano no provador dos brancos. O fato é que o racismo não se dava só em lojas. Acontecua nos ônibus, escolas, bibliotecas, restaurantes, igrejas, enfim, criou-se um mundo paralelo para que uma classe, distinguida pela cor de sua pele, fosse privilegiada.
A obra de Stockett versa sobre uma realidade norte-americana dos anos 1960, mas a temática, nem de longe, causa estranheza. Os tempos são outros, o pais é outro, mas a humanidade continua a mesma. Uma minoria elitizada e alienada que pouco se importa ou intervém em assuntos que colocam em xeque a situação das classes menos favorecidas. Classes que, reconhecidamente, no Brasil são representadas por uma maioria negra. Nosso racismo não é explicito, e por isto mesmo ainda mais cruel. Contra ele, aquele que não está declarado, que não caminha exposto, como é possível erguer armas efetivamente?
Em A Resposta , se não bastassem as discriminações já existentes, outro projeto de lei estava em andamento na história: o Projeto de Higiene para Empregadas Domésticas. A ideia era prever que toda casa tivesse um banheiro separado para os empregados de cor, pelo fato deles transmitirem doenças pela urina. Hilly, a criadora do projeto, tenta convencer as próprias empregadas de que as maiores beneficiadas serão elas, por terem mais privacidade e higiene. Grande parte dos brancos, em especial os que tinham cargos políticos, queriam convencer os negros de que os padrões de separação trariam benefícios às duas raças. Valiam-se da manipulação para faze-los acreditar que a cor da pele era indicador de capacidade. E nascidos assim, estavam predestinados a isto.
Hoje não temos leis segregacionistas. No Brasil, sequer, isto existiu. Mas para um povo jamais respaldado por leis tão absurdas nosso comportamento é deveras segracionista. Somos o país das cotas e das piadas de “preto”. Não carecemos de leis para tornar uma maioria invisível. Carente de oportunidades, de crédito, de valor.
Quando Skeeter entrevista Aibileen para colocar sua história no livro, pergunta a ela se já sonhou em ter outra profissão. Ela diz que não, pelo simples fato de que sua família sempre teve este tipo de trabalho:; domésticas ou escravas. Não só Aibileen, mas os negros em geral, haviam se conformado com a situação social em que se encontravam. Aceitavam viver de forma penosa por pertencerem a uma raça considerada inferior. Em sua maioria, nem lutavam por igualdade. Não tinham esperanças de uma melhora. Acreditavam que não adiantaria tentar mudar. Na verdade eles não sabiam nem que mudança queriam. Não conheciam outra realidade a não ser aquela.
O medo também era um fato que os impedia de tentar uma vida melhor. Medo do poder de destruição que os brancos tinham sobre eles. Minny relata como se dava a vingança de um branco. Primeiro tiravam o emprego e difamavam o indivíduo, para que não arranjassem outro. Logo faziam isso com o marido e filhos também. Depois o despejavam e se apropriavam dos bens. E por fim, ou o negro parava na cadeia ou na rua.
As mulheres deste livro poderiam facilmente representar toda uma categoria brasileira. Aquela que agrega todas as mães que já perderam filhos, esposas que foram violentadas, mulheres subestimadas em empregos, mulheres calejadas por anos de ignorância e falta de oportundiades.
Outro ponto que merece destaque no livro é o limite em que os negros se prendiam. Minny é o exemplo claro. Quando dona Célia, lhe recebia com um sorriso no rosto e um animado “bom dia” ela estranhava. Certa vez chegou a comentar com Aibileen: “fico arrepiada de ver uma mulher branca sendo tão gentil”. Célia fazia questão de comer com ela na mesma mesa, usar o mesmo banheiro, contar da sua vida pessoal e pedir conselhos. Ela a considerava uma amiga a tal ponto que em determinada situação arriscou sua vida pela doméstica. Minny, não entendia e também não aceitava. Ainda em desabafo com Aibileen ela revela: “Dona Célia não vê os limites entre eu e ela”.
Aibileen, porém, responde de uma forma surpreendente: “Você está falando de uma coisa que não existe. Eu costumava a acreditar neles [nos limites]. Não acredito mais. Tão é na nossa cabeça (…). Existem posições, só isso, como um tabuleiro de damas”
Treze empregadas toparam revelar suas histórias para serem escritas no livro, com nomes fictícios, para manter a identidade real em sigilo. Skeeter obteve o ódio de suas amigas e foi deixada pelo noivo por admitir ser uma ativista. Por outro lado, Minny se liberta do marido. O livro é lançado. A primeira tiragem durou pouco e a cidade toda já estava lendo as histórias. Aibileen é demitida por suspeita de participar do livro, mas é contratada para escrever na coluna sobre cuidados domésticos que anteriormente Skeeter escrevia. Yule, uma das empregadas participante do livro foi presa.
O final da história pode não ter sido bom para todos, mas o senso de dever cumprido de Skeeter, a libertação de Minny e a oportunidade de expandir os horizontes de Aibileen superaram qualquer prejuízo. E não foram apenas benefícios pessoais. Os olhos de uma sociedade começaram a ser abertos após a atitude de três diferentes mulheres que só queriam o fim da desigualdade.
A Resposta é um tratado sobre resistência e sobre passos de formiga em direção de uma sociedade mais lúcida, tolerante. Quem sabe, por um Brasil livre, enfim, de uma comportamento baseado na política do embranquecimento.