Jornalismo entre quatro paredes
- 7 de maio de 2020
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- Thamires Mattos
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Com a quarentena, jornalistas produzem notícias de casa e fazem entrevistas à distância para dar continuidade ao trabalho. A rotina dos profissionais mudou, assim como os meios tradicionais de notícias
Amanda Januário
Em janeiro de 2020, o novo coronavírus (SARS-CoV-2) ainda era popularmente conhecido como “vírus da China”. Aos poucos, se espalhava por alguns países. Na época, havia infectado pouco mais de 400 pessoas. Entretanto, o mês de maio começou contabilizando a contaminação em todo o mundo, com mais de 3,5 milhões de pessoas contaminadas e 248 mil mortes. Há de se notar também a enorme subnotificação de casos em todo o mundo. Sem tratamentos com eficácia comprovada ou vacinas, ficar em casa – e de lá também trabalhar – é a melhor alternativa para conter a proliferação do vírus.
Palavras antes pouco escutadas passaram a fazer parte diária da vida dos brasileiros. Quarentena, coronavírus, home office e até mesmo alguns termos como a hashtag #FiqueEmCasa estão entre os mais usados. A rotina foi quebrada, e coisas que eram costumeiras passaram por mudanças drásticas. Muitas pessoas acostumadas a acordar cedo a fim de se locomoverem até seus locais de trabalho tiveram seu trajeto reduzido a segundos. Saem de um cômodo ao outro, sentam-se em frente um computador e descobrem na prática o que significa o home office. Dados do Google Trends apontam que o interesse por esse assunto, que seguia em linha reta nos últimos 12 meses no Brasil, teve um pico exponencial entre março e abril de 2020.
As redações também não podem fugir do isolamento social. Para prevenir e colaborar com a prevenção, os trabalhos dos jornais começaram a ser feitos remotamente. Nesse contexto, surgem algumas mudanças positivas e negativas na adaptação de fazer um jornalismo mais distante, que, entretanto, cobra ainda mais qualidade na busca pelas informações.
Segundo Leonardo Saimon, produtor do programa Revista Novo Tempo (TV Novo Tempo), o processo de adaptação no estúdio começou de forma lenta, intensificando com o passar do tempo. A empresa começou a distribuir álcool em gel, e, depois, foi liberando os funcionários para os serviços remotos. A equipe de redação foi a última a aderir ao home office. Segundo ele, a maior dificuldade encontrada com essa onda de coronavírus foi manter a linha editorial do programa. Eles têm como filosofia dar boas notícias, e, em tempos de pandemia, isso era quase impossível.
De fato, esse era o cenário jornalístico do momento. Coronavírus, novo coronavírus, covid-19: esses termos não saíam da boca de repórteres e dos ouvidos (ou olhos) de espectadores. O bombardeio de informações foi tão grande que especialistas recomendaram as pessoas a desligarem suas televisões, pois isso levara muitos a exibirem comportamentos e pensamentos depressivos. Diante disso, se tornou mais urgente uma mesclagem ou nova ótica sobre o tema. Perguntas como “o que existe de ‘bom’ em meio a tudo isso? Que ações positivas são exibidas? norteou a realidade de jornalistas. De acordo com Saimon, foi necessária “mais apuração e muita pesquisa para não chover no molhado”. Alguns jornais dedicaram espaços exclusivos para tratar sobre boas notícias ou pautas alternativas sobre a pandemia em seus canais. Alguns casos são o G1, com o Vida em casa, e o Estadão, com Na quarentena.
Com ou sem boas noticiais, o número de pessoas buscando meios jornalísticos aumentou nos últimos meses. Um levantamento feito pela Kantar em parceria com a Datafolha mostra que o nível de confiança para obtenção de informações sobre o vírus está detido nos meios de comunicação. A TV segue com 61%, o impresso com 56%, o rádio com 50%, sites de noticias com 38%, enquanto WhatsApp e Facebook detém apenas 12% do índice de confiança.
Redação dentro de casa
Chamadas de vídeos, ligações e WhatsApp tem sido o braço direito de jornalistas praticamente impossibilitados de colocar o pé na rua para entrevistar ou apurar fatos. Para o repórter Diego Faria (Portal Nogueirense), “Manter contatos nunca se mostrou tão importante para o repórter como nesse momento, em que o mais seguro é permanecer em casa”. De igual forma, muitos têm apostado nas redes sociais de forma mais intensa. É possível encontrar mais movimentações por parte dos jornalistas e dos veículos de comunicação no Facebook, Instagram, Twitter, LinkedIn e até no TikTok.
O Drops, do Estadão, é um programa que utiliza stories do Instagram para divulgar notícias de maneira interativa. Antes da quarentena, os repórteres produziam notícias durante o dia e a lançavam no Drops de uma só vez à noite. Contudo, segundo o jornalista e produtor do programa, João Abel, o formato mudou por conta da “cobertura massiva que está rolando”. Abel explica que não fazia muito sentido continuar produzindo um programa que subisse só a noite sendo que a gente tem espaço livre durante o dia”. O Drops bateu recorde de audiência desde sua criação: foram 14,5 milhões de visualizações em março.
A internet deixou de ser apenas uma aliada na propagação nas notícias; hoje, protagoniza grandes momentos jornalísticos. Faria lembra que, com o avanço da internet, a prática jornalística evoluiu, e assim continuará. Ele acredita que o “modelo de trabalho irá se reinventar daqui para frente, e o home office deverá se fortalecer”.
Não se sabe ao certo como ficará o trabalho jornalístico daqui para frente, assim como nos outros setores da sociedade. Contudo, essa não é a preocupação dos profissionais no momento, pois, para todos, foi comprovado que o fazer jornalístico se encaixa nos serviços essenciais à comunidade. Em meio à pandemia, também foi possível diminuir a crise de credibilidade que, há alguns anos, o jornalismo enfrenta. “É visível como as pessoas passaram a confiar mais na impressa a partir dessa cobertura, como elas buscaram mais informação em fonte de credibilidade”, frisa João Abel. Depois de toda a adaptação, resta aos jornalistas torcerem por dias melhores.