Jornalismo ambiental e suas editorias inconsistentes
- 10 de maio de 2023
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- Theillyson Lima
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Cumprindo sua função pela metade desde a invenção do termo.
Lucas Pazzaglini
O jornalismo oferece diversas possibilidades de aprofundamento em áreas de interesse específico. Investir na produção de conteúdos em nichos especializados é simples, basta escolher uma temática, alguns exemplos são: política, saúde, educação e, para o bem desse texto, meio ambiente. A partir dessa escolha você se dedica a esse estudo integralmente, de forma a trazer conteúdos relevantes e únicos sobre o assunto.
Comecemos pelo básico. Segundo o dicionário, o termo “meio ambiente” se refere a “reunião do que compõe a natureza, o ambiente em que os seres estão inseridos, bem como suas condições ambientais, biológicas, físicas e químicas, tendo em conta a sua relação com os seres, especialmente com o ser humano”.
Após a leitura dessa explicação, o normal é pensar que o jornalismo especializado no assunto vai tratar justamente sobre isso: a relação do ambiente com o ser humano. Eu não estou falando que a editoria de meio ambiente não cumpre esse papel, mas, se existe a preocupação apenas com um nicho específico, por que às vezes os conteúdos sobre o tema continuam evasivos e confusos?
Editoria do Meio Ambiente
Segundo o artigo “Jornalismo Ambiental: explorando além do conceito”, de Wilson Costa Bueno, existem três funções básicas do jornalismo ambiental. São elas: a função informativa, a função pedagógica e a função política. Cada um desses pontos tem como objetivo suprir uma necessidade específica.
Mesmo sendo separadas, as funções formam um caminho: primeiro o cidadão é informado do problema, depois são apresentadas soluções, a partir da função pedagógica, e, por fim, a função política “tem a ver com a mobilização dos cidadãos para fazer frente aos interesses que condicionam o agravamento da questão ambiental”.
Primeira decepção. Nos portais escolhidos para análise, Estadão, Folha de São Paulo e G1, esse processo por muitas vezes não é seguido. Vamos usar um exemplo recente para justificar a minha fala.
Nas últimas semanas o caso da capivara Filó e do influencer Agenor Tupinambá, ocupou diversos portais de notícias e as redes sociais. Acredito que você tenha ficado sabendo do caso mesmo sem querer, porque tudo e todos estavam falando disso, inclusive os portais de notícias analisados.
Mas minha pergunta é: você sabia que nesse mesmo período duas onças-pintadas foram atropeladas em São Paulo? Eu só descobri porque precisei estudar a editoria de meio ambiente para esse texto. Se os portais realmente cumprissem as funções estabelecidas, nós ainda estaríamos falando das onças-pintadas, porque a população teria sido informada, soluções pedagógicas teriam sido apresentadas e haveria uma mobilização geral, por parte da função política.
Mas tudo bem, um influencer está lutando para não devolver uma capivara para seu habitat natural. Isso é mais importante – leia com ironia.
Editoria Política
Agora repare, o intertítulo indica uma editoria política, e não um jornalismo ambiental cumprindo a função política. Tudo esclarecido, então vamos ao problema. A minha teoria é de que a política torna tudo muito distante. Os processos, projetos de lei, políticas públicas e outros, são conceitos não muito democratizados.
Por isso, quando você encontra uma editoria que usa a linguagem política para explicar um conceito ambiental, talvez não desenvolva interesse à primeira vista. Aqui você precisa entender que não é a relevância dos temas a ser colocada em debate, e sim a abordagem. Todos precisam saber das leis que vão reger a relação do ser humano com o meio ambiente, mas se isso não é apresentado de forma democrática, a falha na comunicação irá sobrar para alguém.
Vamos a mais um exemplo, dessa vez bem simples. O Estadão liberou uma matéria com o título “Lula deve homologar primeiras terras indígenas demarcadas do governo nesta sexta-feira”, parece tudo bem, até você parar para pensar no que é homologar, porque você simplesmente nunca ouviu essa palavra, e quando o conteúdo é aberto para melhor entendimento, o termo usado é o mesmo.
Talvez você saiba o que é homologar, mas eu preciso que você entenda que muita gente não faz a menor ideia do que significa. Democratizar a informação é papel do jornalista em qualquer área, e definitivamente a editoria do meio ambiente não é a que mais sofre com isso, mas ainda assim, vale a pena ressaltar o problema.
Editoria Complexa
Outra problemática quando se trata de democratização é que não existem muitos conteúdos acessíveis de forma simples para quem quer se aprofundar em um tema como o meio ambiente. Isso se dá, porque a maioria das publicações que podem oferecer essa possibilidade são encontrados apenas em formatos de artigos ou em revistas científicas.
Para a comunidade acadêmica isso não é nenhum empecilho, mas do que adianta uma pesquisa importantíssima que somente uma pequena parcela da sociedade terá acesso e entendimento completo. Aqui, o jornalismo deve assumir o papel de mediador, tornando a informação complexa em simples, cumprindo assim seu dever principal.
Editoria Despreocupada
Como já dito, o jornalismo ambiental precisa cumprir três funções, mas o que se tem observado é que essa preocupação não é tão geral. Primeiro porque a atenção dada a essa editoria costuma ser menor do que a outras, o que reflete no conteúdo e no fluxo de publicações.
Entre os veículos analisados, quem mais se destaca nessa área é a Folha de São Paulo, tendo pelo menos duas publicações diárias sobre o assunto. O Estadão também contribui nesse sentido, tendo até duas editorias para o meio ambiente: sustentabilidade e soluções ambientais. Mas do que adianta ter essa segunda categoria se sua última publicação foi em agosto de 2022? Não surgiu nenhuma outra solução ambiental até agora?
Mas entre os portais quem mais chama atenção é o G1. Por ser uma plataforma gratuita, assumo que seu fluxo de acesso é grande e genérico. Sendo assim, é de se esperar que as informações colocadas lá façam diferença para o grande público. Ledo engano. Vamos ao exemplo.
Primeiro que existe um intervalo de dois dias entre a última matéria publicada e o dia que estou escrevendo (04/04/2023) na editoria de meio ambiente, sendo que a última publicação não oferecia nenhum acréscimo de conhecimento, uma vez que falava apenas de uma geleira que foi vista e se tornou famosa por ter um formato fálico.
Tudo bem. Pode ser curioso, divertido, mas contribui no que? Para não dizer que eles foram inconsequentes na produção desse conteúdo, ao final – bem ao final – da matéria foram colocadas algumas falas com relação ao derretimento de geleiras e as mudanças climáticas. Suficiente não é?
Acho difícil. Quantos chegaram ao final da matéria após ver a foto da geleira? Eu particularmente só li até o final para ter conteúdo nesse texto. No jornalismo aprendemos que a informação mais importante vem primeiro e, vamos concordar, a informação mais importante é de que está tudo derretendo por conta das mudanças climáticas. Mas assim, minha opinião.
Editoria Melhorada
Por mais que eu tenha apontado algumas falhas dentro do jornalismo ambiental, ele cumpre sim um papel informativo interessante, esclarecendo sempre temas de fato fundamentais como as mudanças climáticas, lixo nos oceanos e a preservação da Amazônia. Mas, tudo pode, e deve, ser melhorado.
Se foram apontadas falhas, é porque elas existem. Acredito que outras editorias especializadas deixem mais a desejar do que a de meio ambiente, mas isso não significa que ela deva permanecer estática.
Aqui eu volto ao começo do texto, o jornalismo ambiental deve revelar a relação do ser humano com o meio ambiente. Perceba o tamanho da responsabilidade em um momento, em que a cada dia surgem novas catástrofes por culpa desse mesmo ser humano.
Função informativa, função pedagógica e função política, o manual já está pronto, só precisa ser seguido.