JN: O porta-voz da pandemia
- 7 de maio de 2020
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- Thamires Mattos
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Com a cobertura intensa do avanço do novo coronavírus, o principal telejornal brasileiro teve recordes de audiência
Gabriel Buss
11 de março de 2020. A Organização Mundial da Saúde (OMS) decreta como pandemia o novo coronavírus. Neste dia, o Brasil registrava 53 casos da doença, e muitos nem entendiam direito o que estava acontecendo. O Jornal Nacional (JN) dedicou um segmento para explicar o que é uma pandemia. Como o número de casos era baixo no país, o programa mostrava a situação em outras partes do mundo, onde sistemas de saúde começavam a entrar em colapso.
Dois dias depois, o jornal lançava boletins ao longo da programação da tarde e início da noite para atualizar informações da pandemia. Era 13 de março, e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decretara estado de emergência. No Brasil, o Ministério da Saúde confirmava o início da transmissão comunitária da doença nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. À essa altura, as principais pautas do jornal eram dominadas pela covid-19.
17 de março de 2020. São Paulo confirma sua primeira morte vítima da covid-19. Era o primeiro óbito no país. O JN, a partir desse dia, começa a ter uma hora de duração. Algo incomum: em geral, o telejornal dura de 30 a 45 minutos. A partir daí, os assuntos eram a pandemia no Brasil e no mundo; a postura do presidente Jair Bolsonaro, que tinha falas e atitudes contrárias a tudo que as autoridades de saúde aconselhavam; manifestações contra e a favor do governo; além de mostrar a realidade daqueles profissionais que não podiam parar. Através desse último, havia o apelo para as pessoas aderissem ao isolamento social.
23 de março de 2020. Algo nunca antes visto acontecia logo após as manchetes serem anunciadas. William Bonner e Renata Vasconcellos pediam “calma” aos brasileiros. Afirmavam que repetiam diariamente isso um ao outro. Pontuavam alguns cuidados adotados com os jornalistas da TV Globo. “Mas olha o porquê dessa pausa: a gente precisa respirar, precisa entender que essa crise vai ter altos e baixos. Vai exigir sacríficos, mas, no fim, o Brasil e o mundo vão superar, apesar da aflição e dor que muitas famílias estão enfrentando”, ressaltou Bonner. No outro dia, iniciava-se o isolamento social em várias regiões no país, e as ruas estavam quase sem movimento. As reportagens sobre o vírus se tornavam ainda mais afiadas.
Março encerrava com índices recordes para o jornal. A cobertura firme e o isolamento social, que significava mais pessoas em casa e consequentemente mais televisões ligadas, deu ao JN 38 pontos de audiência em março, chegando a picos de 41 pontos. Cada ponto significa mais de 700 mil pessoas alcançadas. Foi a maior audiência em 10 anos. Era a primeira vez em anos, que o telejornal superava a atração mais vista da televisão: a novela das 21h da própria TV Globo.
Sob pressão
Abril inicia com 244 mortes. O JN continua sua intensa cobertura sobre a pandemia no Brasil e no mundo, mas sua audiência começa a cair. No dia 1º de abril, São Paulo entregava seu primeiro hospital de campanha. Os dias passavam, e o jornal começava a ser amplamente criticado por seu foco na covid-19. Havia nas redes sociais incitações de que a emissora seria “alarmista”. Em meio às críticas, surge um novo episódio: a crise entre o presidente Jair Bolsonaro e o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. O jornal começa a falar bastante sobre o assunto, e relembrar as falas do presidente sobre a pandemia. “Gripezinha”, “histeria” e “superdimensionado” foram protagonistas na troca de farpas entre presidente e ministro.
14 de abril de 2020. Estreia um novo quadro dentro do JN, intitulado “Solidariedade S.A.”. Seu objetivo é mostrar as ações solidárias das iniciativas privadas, relatando, inclusive, os nomes das empresas e multinacionais que estavam ajudando. Há alguns dias, o jornal já vinha reservando espaços para mostrar atos solidários de pessoas comuns. Agora, ampliava esse espaço para as grandes empresas também.
16 de abril de 2020. Mandetta é demitido pelo presidente Jair Bolsonaro. O jornal faz uma cobertura extensa da trajetória do ministro e também de como foi a sua liderança no ministério no momento de pandemia. Naquele dia, o jornal fez questão de reforçar que Luiz Henrique Mandetta era demitido no dia que o país chegava a 1924 mortes.
O jornal começa a cobrar posturas de forma indireta e através de questionamentos ao novo ministro da Saúde, Nelson Teich. Faz críticas a falta de entrevistas dele e as suspensões das coletivas de imprensa, as quais já eram rotineiras e detalhavam o avanço da covid-19 no país. O ministro logo começa a aparecer, mas as coletivas não são mais como antes.
Em abril, houve queda de pontos de audiência para o jornal, em parte pois muitas pessoas cansaram de assistir notícias tão fortes. Ao mesmo tempo, os índices de isolamento social diminuíram. De toda forma, a audiência do JN registrou variação de 29 a 33 pontos de audiência, números maiores que os das concorrentes. No dia em que o depoimento do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro à Polícia Federal foi veiculado, houve retorno ao recorde de audiência de março.
A emissora ajustou seu discurso, mas não afrouxou a cobertura intensa e real sobre os terríveis desdobramentos da doença. Desde o início da pandemia, o telejornal mostra com maestria dos o que acontece. Até agora, conseguiu contornar as adversidades da pandemia, e saiu do tradicional eixo Rio-São Paulo. É um dos únicos telejornais do Brasil que mantém a coragem de mostrar que a situação vai piorar ainda mais no mês de maio. Continua cobrando posicionamentos mais fortes e duros do ministro Nelson Teich.
O Jornal Nacional mantém sua referência em jornalismo apesar dos ataques de militantes e da presidência da República. O “sensacionalismo” que muitos apontam estar no jornal fica, na verdade, em redes sociais, infladas com um discurso negacionista. Na última semana de abril, o Brasil passou a China em mortes, e, logo depois, em número de casos. Foram mais de 5 mil mortes em um único mês. Infelizmente, isso não parece assustar ou deixar parte da população em alerta. Influenciados por discursos de certas autoridades, alguns começam a voltar às ruas, ansiando por uma “normalidade” que não existe mais.