I am Sam: a importância dos detalhes
- 3 de abril de 2024
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- Theillyson Lima
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Uma análise da representatividade da deficiência mental em filmes
Natália Goes
O filme “I am Sam” conta a história de Sam, interpretado pelo ator Sean Penn, um homem de aproximadamente 40 anos que possui deficiência mental. Após passar uma única noite com uma mulher que o seduziu como forma de encontrar um lugar para morar, Sam é abandonado com a criança logo após o nascimento e torna-se pai solteiro da garotinha Lucy, interpretada por Dakota Fanning.
A trama se desenrola e há poucas informações sobre qual seria de fato a condição de Sam, mas podemos notar que sua deficiência está associada à limitação da inteligência. Sam possui a capacidade intelectual de uma criança de sete anos, conforme é mencionado no filme.
O drama se inicia quando uma assistente social julga que Sam é incapaz de criar Lucy, que já tem sete anos. A partir desse ponto, o filme mostra a dificuldade de um deficiente mental em lutar pela guarda de sua filha.
Sam busca ajuda de uma advogada que decide ajudá-lo. Rita tenta convencer o juiz de que ele é capaz de criar Lucy. Nesse enredo, as vidas de Rita e Sam se transformam, e a advogada aprende com seu cliente sobre a importância dos pais no desenvolvimento dos filhos.
Hollywood x Vida Real
Uma das funções do cinema é retratar a realidade do cotidiano das pessoas e o que acontece no mundo. A inclusão de pessoas com deficiência mental na sociedade é prevista na nossa Constituição. Porém, em alguns filmes, observamos atos e erros que reforçam práticas discriminatórias e excludentes.
A falta de interesse da indústria do entretenimento em democratizar o espaço reforça atitudes discriminatórias, fazendo com que as deficiências pareçam ser menos comuns do que são de fato.
Um estudo realizado por Stacy Smith em 2015 indicou que apenas 2,4% das pessoas representadas nos 100 filmes mais vistos de 2015 eram deficientes. Concomitantemente, o censo de 2016 mostrou que 18,7% da população americana tem deficiências. No Brasil, os números sobem para 23,9%, segundo o censo de 2010.
Apesar de ser um número considerável de pessoas com deficiências na sociedade, os papéis destinados a atores com deficiências são limitados. Isso acontece porque a pessoa passa a ser definida pelas habilidades que não possui, e a deficiência torna-se o foco central. A pessoa poderia ser definida por diversos outros elementos que possui, mas isso não é o que ocorre.
Representatividade da deficiência mental no filme
No filme “I am Sam”, traduzido para o Brasil como “Uma lição de Amor”, a narrativa se desenvolve com a premissa de que uma pessoa com deficiência mental enfrenta dificuldades ao criar uma criança.
Existem diversas razões complexas para escalar um ator que não possui deficiência mental para representar um personagem que possui essa condição. É importante ressaltar que, mesmo que o ator se dedique a estudar muito sobre a doença, ele não a compreende totalmente, podendo não representá-la de forma fiel.
No entanto, a aposta no potencial dramático de Sean Penn é acertada. O talento do ator e sua dedicação em estudar para compor o personagem com seus maneirismos causam um efeito assustadoramente convincente.
A atuação impecável de Penn fez com que os produtores não hesitassem em escalar dois deficientes mentais para os papéis de amigos de seu personagem neste filme.
Apesar de o ator agir de forma autêntica, o mesmo não pode ser dito sobre as interpretações dos outros dois.
Os atores Doug Hutchison e Stanley DeSantis, ao aparecerem ao lado de seus companheiros, não convencem o público. Outro aspecto que não convence o público são os cortes realizados. Enquanto o personagem principal ainda está falando, é feito o corte para outra pessoa ou cena, diluindo a importância do que está sendo dito.
Os cortes podem ter sido feitos de forma estratégica para mostrar como a população inviabiliza a fala das pessoas com deficiência mental, ou simplesmente reforçaram algo que está implicitamente e arraigado em nossa sociedade.
Tentativa de inclusão
Apesar de ser um filme com uma história bonita, existe uma questão problemática. O filme aparenta desejar exaltar as qualidades das pessoas com deficiência, porém quando as limitações são impostas, esses momentos acabam tornando-se humorísticos.
Dessa forma, um momento que era para ser inclusivo e reflexivo, como quando Sam e seus amigos decidem comprar um sapato para Lucy e saem da loja de sapatos caminhando pela rua com balões laranjas, perde sua essência na busca por risos.
O filme falha em tentar mostrar a importância de se observar as pessoas com deficiência mental de forma completa e sem preconceitos. Mas podemos refletir sobre as seguintes questões: por que não colocar uma pessoa com deficiência mental para atuar no papel principal? Por que não colocar as pessoas com deficiência mental nos papéis que irão retratá-las? Por que não abrir oportunidades de atuação para pessoas com deficiência mental? São perguntas que Hollywood precisa responder.