Genesis 3
- 5 de setembro de 2017
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- Thamires Mattos
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O vale tudo mais antigo e caro da mídia
Ronaldo Pascoal
“No início do mês, denúncias de um possível estupro em uma chácara da zona rural da cidade de Artur Nogueira, na Região Metropolitana de Campinas, levantaram discussões a respeito da segurança pública do município. Moradores do bairro Cidade Universitária em Engenheiro Coelho, próximo a Artur Nogueira, se posicionaram por meio das redes sociais, contra a violência e organizaram uma passeata pacífica em prol da segurança. Os estudantes ainda alegaram que o bairro não possui vigilância e nem iluminação.
As manifestações começaram após uma suspeita de estupro na região. Segundo relatos de alguns estudantes, uma jovem de 17 anos teria sido violentada em uma festa realizada em uma chácara na zona rural da cidade. Em Engenheiro Coelho, uma estudante prestou queixa de agressão e abuso junto à Delegacia Civil, no início do mês. Segundo uma jovem, que preferiu não se identificar, a estudante foi incentivada por uma amiga a ir ao hospital. “Não vi nada, mas ouvi boatos”, relata. Do hospital de Limeira a estudante foi encaminhada para o Instituto Médico Legal para realizar o exame de corpo delito.
Ainda de acordo com alguns moradores do bairro, um veículo Honda, prata,circulava pela região oferecendo caronas para as estudantes. Segundo os relatos, o motorista seria o mesmo indivíduo responsável por invadir uma casa no condomínio residencial Lagoa Bonita há alguns meses atrás. A polícia ainda investiga possíveis ligações entre o assalto no condomínio e a denúncia de estupro.
Na segunda, 8 de junho, uma chácara foi interditada em Artur Nogueira, após uma menina de 17 anos ter prestado queixa por ter sofrido violência sexual em uma festa realizada no local na noite anterior. A vítima foi levada para o Pronto Socorro da cidade, onde foi atendida e fez exames. De acordo com o laudo médico, foi constatada a presença de escoriações na região do dorso, hematomas e ferimentos no antebraço.A polícia ainda aguarda confirmações.
Round One
“Não vi nada, mas ouvi boatos”. Parafraseando a jovem da história acima, “não sei o que aconteceu ao certo, apenas ouvi dizer”. Essa frase poderia soar de maneira cômica, se não representasse de maneira clara, o atual e fragmentado cenário do jornalismo. Em tempos de pós-verdade, boatos são criados, aumentados e divulgados como fatos. No exemplo acima, é evidente a falta de informação sobre o suposto acontecido, porém, histórias como essa são alarmadas em acordes afinados. Curiosidade comum aconteceu recentemente com a notícia de que Andreas von Richthofen, irmão de Suzane von Richthofen, foi encontrado surtando em uma casa em Santo Amaro, São Paulo. Ao ser repercutido, o fato ganhou novos nomes, pronomes, artigos e sentidos e rapidamente a história real foi se perdendo entre as omissões a cada novo compartilhamento. Do factoide acima, apenas dois pontos são reais. A denúncia e a interdição da chácara. Ao que parece, se uma história apresenta começo, meio e fim é digna de credibilidade.
O imediatismo está cada vez mais presente nos ringues das redações. Veículos midiáticos de médio e grande porte são responsáveis por porradas mais violentas, uma vez que a divulgação de suas notícias alcança um público maior de telespectadores. Contudo, apesar de pouco assistido, veículos peso-pena também entram na luta em busca do melhor boato de direita, esquerda ou até mesmo de centro.
O vale tudo midiático é caro, porém, não pesa no bolso dos patronos da comunicação, mas sim no bolso de quem recebe as informações por eles divulgadas. São notícias e histórias que brigam constantemente por um espaço em nossas timelines esperando um compartilhamento e até mesmo um novo desdobramento em sua narrativa. Acomodados em nossos próprios achismos, aceitamos aquilo que nos convém e não desconfiamos das entrelinhas. Alimentamos nosso ego e excluímos a outra face da moeda. Decidimos processos, condenando ou absolvendo quem nos é benquisto. A propagação da pós-verdade se faz em um ciclo sem fim aparentes.
Round two
O dicionário Oxford definiu a palavra “pós-verdade” como a palavra de 2016, após o Brexit, referendo em que o Reino Unido definiu sua saída da União Europeia. Eapós os discursos de Donald Trump,depois de sua eleição para ocupar a cadeira mais alta da Casa Branca, nos Estados Unidos. A pós-verdade, entretanto, antecede e muito as escola da comunicação e até mesmo o dicionário Oxford, isso porque a pós-verdade mais antiga foi divulgada no Éden. Quando a serpente, o mais astuto dos animais criados, em diálogo com Eva, modifica a ordem dada pelo Criador Divino em relação ao fruto do conhecimento do bem e do mal. Mas talvez você sejaevolucionista e assim como Darwin desconsidera esse contexto. Maspor acaso não nos foi ensinado que os portugueses “descobriram” o país que já havia sido descoberto há muito tempo pelos índios? Não foi dito a eles que o escambo era justo e preciso? Não foi imposto a eles uma suposta verdadeira e única religião que até o momento era desconhecida pelos donos da terra?
Logo, as divulgações falsas sempre existiram. Passamos das artes rupestres para o papiro. O papel evoluiu e passamos das cartas para os e-mails. Das notícias impressas migramos para as digitais. O que acontece nessa releitura de mundo é a viralização dessas notícias em tempo ímpar e apreguiça ou ignorância cognitiva fortemente atrelada ao consumo dessas matérias. A indústria da pós-verdade é real, como explica Cláudia Bredarioli, professora de Ética Jornalística da Faculdade Cásper Líbero. “A pós-verdade constitui a construção de opinião pública e afeta principalmente as percepções políticas, pois os assuntos passam a ser discutidos em outros status”, comenta. Ainda de acordo com a doutora em Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo (USP), é importante compreender que alguém escreve as notícias falsas, logo existem beneficiários por trás das fakenews.
Não se pensa mais no que se lê. Não se desconfia mais do que se prega e o que temos ao final da equação é uma sociedade alienada, consumidora de argumentos que apenas corroboram e fortalecem sua própria cosmovisão.
Nocaute
O jornalismo se desviou de suas diretrizes originárias e se afastou de seus princípios canônicos, tornando-se responsável, não pela disseminação de notícias falsas, mas por entregar a luta. Após tantos golpes de direita e esquerda, a voz da sociedade se cala ante uma ruptura ideológica na pós-modernidade. O filósofo polonês Zygmunt Bauman já havia previsto que o homem se tornaria fugaz, sem compromisso com o absoluto e tão certo suas atitudes seguiriam o mesmo caminho.
Eugênio Bucci, professor e jornalista da ECA, defende o pensamento de que apenas o exercício do jornalismo de qualidade, comprometido com a apuração, ética e credibilidade, pode derrubar a indústria da pós-verdade e da mentira. Hoje, a música cantada por um quarteto antigo tende a concordar com a visão da professora Cláudia. “A construção da pós-verdade nos faz repensar a prática do jornalismo e buscar as raízes da profissão”, lembra. Nós precisamos voltar. Os jornalistas precisam voltar aos valores primórdios e fundamentais do jornalismo. Assim e só assim, será possível confiar novamente nas histórias contadas em tantas linhas.