Fronteiras Invisíveis
- 27 de outubro de 2015
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- Thamires Mattos
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O nível de hostilidade xenofóbica sob a superfície da vida cotidiana americana é bem representada em produções cinematográficas. Um caso entre hispanos e americanos que vai além da fronteira territorial com o México
Sudaleif Alves
O cinema, bem como as outras artes, tem a possibilidade de usar seus produtos culturais como instrumento de contribuição social fomentando o debate de assuntos relevantes. Ao longo dos mais de cem anos de sétima arte, um dos temas de cunho antropológico abordado pelo cinema tem sido o racismo, incluindo suas diferentes formas e pressupostos. Entre os temas que tratam a questão do racismo, não faltaram produções cinematográficas dedicadas à xenofobia, antipatia, preconceito ou temor por imigrantes.
Sob a Mesma Lua
Alguns filmes e documentários levaram o tema da xenofobia americana contra os hispanos para as telas. Um exemplo é o filme Sob a mesma Lua de 2007. O longa conta a história de uma mãe mexicana, Rosario, que vive ilegalmente nos Estados Unidos enquanto seu filho Carlitos, de 9 anos, está no México. Mãe e filho se falam pelo telefone público todos os domingos há quatro anos. Tempo em que ela trabalha como faxineira em Los Angeles e o filho mora com a avó.
Um dia, o menino conhece dois transportadores americanos imigrantes e quando a avó morre, ele os procura para fazer a travessia da fronteira. Começa então, a luta do menino para passar pela imigração e achar a mãe. E tamanha façanha precisa acontecer no período de uma semana, antes que a mãe ligue, como de costume no domingo, e note o sumiço do filho.
O filme do gênero drama da diretora Patricia Riggen foi a terceira maior bilheteria do cinema mexicano nos Estados Unidos e a sétima maior na história do cinema no México. O feito é reflexo, além dos atributos técnicos, de uma temática conhecida e de forte identificação com o público. Tanto telespectadores mexicanos que moram nos Estados Unidos quanto dos que estão no México. A temática da xenofobia é relevante para ambas nacionalidades, porque alguns mexicanos também são preconceituosos com os americanos ou outras nações hispanas que adentram seus territórios.
Em algum momento, os mais de 57 milhões de imigrantes hispanos na “terra do Tio Sam” sofreram ou ainda sofrem com a xenofobia no país. Lugar esse que, contraditoriamente, um dia, também já foi subjugado quando era colônia da Inglaterra antes da independência em 1776.
Um Dia sem Mexicanos
Outra produção que trata desse preconceito contra os hispanos é o filme Um Dia sem Mexicanos , lançado em 2005. Ao contrário do drama e romance de Sob a Mesma Lua , em tom satírico o diretor mexicano Sergio Arau mostra como seria a vida na Califórnia se um dia todos os imigrantes hispanos sumissem.
Literalmente, da noite para o dia, os latinos vão subitamente sumindo e o estado passa a ser circundado por uma estranha névoa. Os desaparecidos são latinos, mas, nomeados de mexicanos. O filme critica essa generalização feita pelo estadunidense em achar que todos os latinos são mexicanos- insinuação essa também no próprio título do filme. A ideia concluinte do longa é que apenas na falta dos trabalhadores hispanos, imigrantes dos mais de 40 países vizinhos e que geralmente atuam em tarefas braçais, os americanos conseguiriam ver a importância dos estrangeiros para o bom funcionamento do estado.
E o filme não escolheu a California sem propósito. O tema é pertinente porque um terço da população é hispana e o estado tem a quinta maior economia do mundo. Contudo, a maior contribuição para isso não provém da renda gerada pela indústria do cinema de Hollywood nem das empresas do ramo de alta tecnologia situadas no Vale do Silício, mas da agricultura. E nesse setor, 90% da colheita agrícola éfeita por imigrantes ilegais ou trabalhadores sazonais demonstrando assim, a relevância dos imigrantes para a economia.
E provêm dessa orgulhosa e abundante economia um dos argumentos xenófobos contra os hispanos na California: o gasto da receita federal destinada aos imigrantes. A direita acusa os mexicanos – agrupando todos os latinos na nacionalidade – de usufruírem indevidamente dos serviços sociais do estado, sendo que estes deviam ser destinados apenas à população “nativa”. Entretanto, segundo estudos da Universidade da Califórnia, os latinos consomem 3 bilhões de dólares em conveniências sociais, mas , em contrapartida, contribuem com 100 bilhões para o governo. O valor de 3% chega a ser irrisório.
Mesmo que esses dados não sejam apresentados explicitamente no filme, os americanos e mexicanos – principais telespectadores do longa Um Dia sem Mexicanos – são familiarizados com essa realidade. Após essa contextualização, é compreensível porque o filme satiriza, mesmo que reforçando estereótipos americanos e mexicanos de forma caricata, como seria se 14 milhões de pessoas sumissem.
Go, Sebastian, Go!
Deixando os fictícios de Sob a Mesma Lua e Um Dia sem Mexicanos , o documentário Go, Sebastian, Go , discorre sobre um caso real da xenofobia contra Sebastian de La Cruz, um garoto americano-mexicano. O fato dele, com apenas 11 anos, ter cantado o hino nacional americano na final da NBA em 2013 vestindo o traje típico mexicano, foi o suficiente para uma série de comentários racistas nas redes sociais.
Entre esses, se destacaram: “Essa criança é mexicana, porque ele esta cantando o hino nacional? #vaparacasa. Ponham essa criança fora daqui! Porque eles têm um imigrante ilegal cantando o hino nacional?” Ou ainda mais reacionário: “Então ‘imigrantizinhos’ ilegais podem cantar o hino nacional agora?”
Como relatado no curta, passados os comentários xenófobos de 2013 e, no ano seguinte, o garoto voltou a uma final da NBA para cantar o hino nacional. Em meio à expectativa de como seria a reação do público, no dia do jogo, o presidente Barack Obama em sua conta no Twitter convidou o país a assistir Sebastian. “Não perca a performace de @selcarrodeoro do hino nacional na #finaldaNBA em San Antonio hoje a noite”. O documentário, além de apresentar a sequência desses fatos comentados pelos pais e envolvidos na trama, enfatiza a postura pacificadora de Sebastian diante da revolta.
O caso reascendeu na mídia americana o que o professor de Estudos Afro-americanos da Universidade de Harvard, Kwame Appiah diz: “o racismo é o pecado original” dos EUA. De acordo com ele, o tratamento diferenciado é considerado ilegal, mas há um nível de hostilidade racial sob a superfície da vida cotidiana. Hostilidade essa, contra o imigrante hispano na América do Norte seja ainda na fronteira como em Sob a Mesma Lua ; em território americano como em Um Dia sem Mexicanos ou mesmo quando se é americano com ascendência hispana como relatado em Go, Sebastian, Go . É uma constatação de que a xenofobia contra hispanos não se limita aos mil quilômetros de muro com o México, nem apenas ao mexicanos.