Faça-me rir se for capaz
- 10 de novembro de 2021
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Mais uma vez, se nega a competência feminina. Desta vez, para fazer humor.
Ana Clara Silveira
As risadas repercutem no salão como uma grande sinfonia. Parece que todos estão recebendo cócegas na barriga em um efeito coletivo instantâneo desde que o stand-up começou. Não é preciso muito. Essas apresentações são feitas apenas por uma pessoa, um palco, luz e microfone. Suficiente. “Você é demais!”, gritam de longe apontando para quem está causando aquele alvoroço. Aos poucos o riso diminui até que uma nova piada surge. Nunca fui fã desse humor, confesso. Mas se interessa a tantos, por que não investigar?
Procurei por “humorista” no google e isso sim me pareceu uma piada. Ri de nervoso, como dizem. Tentei novamente com o termo “comediante”, mas o resultado se repetiu: supremacia masculina. Entendo que os homens representam a maioria no ramo, afinal, mesmo quando nós, mulheres, caminhamos uma milha a mais, ainda estamos distantes do ponto de partida para ter o espaço que merecemos no humor e em outras áreas. Por isso mesmo, incomoda a repetição na história do apagamento de toda conquista ou negação da competência feminina para fazer algo, nesse caso o humor.
Feia, boba e macaca?
Foram com esses termos que Pierre-Joseph Proudhon descreveu a mulher que exerce sua inteligência. Sua expressão dita no século XVII soa absurda se não fossem os comentários séculos depois que fortalecem a mesma ideia. “Mulher não é engraçada”, “Melhor tentar outra área que não humor” são alguns argumentos sem fundamento que deveriam causar, no mínimo, indignação em quem os escuta. Essas frases carregam um sexismo que parece obsoleto, mas é persistente. Ao que tudo indica, o humor une as pessoas, mas não quando feito por mulheres.
Muitos querem colocar o humor feminino como uma subcategoria, invalidando a capacidade da mulher de se posicionar de maneira engraçada, contar piadas ou fazer um grupo rir. Fato é que essa inibição dessas ações pela figura feminina foi recorrente por tantos anos que minou o desejo que muitas tinham de se colocarem em tal função. Por medo, diversas mulheres esconderam ou evitaram qualquer demonstração pública de humor que as fizesse perder a imagem que se tinha de feminilidade.
A mulher engraçada não é vista como “moça de família”, “menina educada”, ou o famoso “bela, recatada e do lar”. A sátira, zombaria ou qualquer outra característica que se associe ao humor não parecem combinar com essas descrições ditas femininas. Por consequência desse preconceito, as pesquisas apontam comportamentos sociais questionáveis: mulheres se sentem bem mais confortáveis para contar piadas sem a presença masculina, mulheres bonitas e engraçadas são consideradas menos atraentes do que só bonitas, homens se sentem menos atraídos por mulheres que são mais inteligentes que eles próprios, e por aí vai.
Representatividade sim
Ao ler esses resultados, se sabe que os passos são curtos, ainda assim são indispensáveis para alcançar o espaço que é da mulher por mérito. Mesmo que pareça imperceptível, já tem acontecido essa mudança. O humor nada mais é do que o equilíbrio entre a vida e os fatos observados com ironia, percepção diferenciada e outros atributos. Quando negam a possibilidade de a mulher fazer humor, duvidam da sua capacidade de raciocínio. Isso não existe!
Já são muitas mulheres liderando esse movimento. Te convido a assistir a essas mulheres. Desde as mais conhecidas como Tatá Werneck e Bruna Louise como àquelas que estão dando os primeiros passos. Apontem para elas e digam: “Vocês são demais!”. Quando as luzes se apagarem do palco, você verá a revolução começar.