E o Oscar vai para: a falta de representatividade
- 3 de abril de 2024
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- Theillyson Lima
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O que CODA tem a dizer sobre a indústria cinematográfica e a deficiência
Victor Bernardo
Lançado em 2021 pela Apple TV, o filme CODA foi aclamado por críticos, sites especializados e pela mídia em geral. Ainda ganhou o Oscar de melhor filme e melhor roteiro adaptado, diversos prêmios de sindicatos e rendeu o prêmio de melhor ator coadjuvante para Troy Kotsur.
A produção foi muito elogiada pela forma como retrata a deficiência auditiva e a relação – principalmente familiar – entre pessoas que ouvem e pessoas que não ouvem. Isso acaba dizendo mais sobre o parâmetro que há na indústria cinematográfica em termos de representatividade do que sobre o filme em si – que não é nenhuma obra prima.
De maneira resumida, a história gira em torno de Ruby, uma garota de 17 anos que é a única que ouve em uma família de surdos. Ela descobre sua paixão pela música e tem o objetivo de estudar isso na faculdade, mas se divide entre suas ambições para o futuro e a necessidade de ajudar a família.
O roteiro
O roteiro segue um padrão bastante repetido: o drama adolescente de não saber seu lugar no mundo e ter que lidar com problemas familiares enquanto sofre a pressão social que o Ensino Médio carrega e pensa no futuro.
Além disso, tudo é bastante previsível. Ruby tem um interesse romântico com o qual passa por altos e baixos. Tem o dilema entre seus estudos e sua família, que se resolve da melhor maneira imaginável. E, claro, no final a protagonista supera todos esses desafios e atinge seu grande objetivo.
Há um “fato novo”, que é a família com deficiência auditiva, mas ainda parece estranho que a história seja tão aclamada a ponto de vencer prêmios na categoria de roteiro, por exemplo.
Apesar de tudo isso, CODA não deixa de ser um filme emocionante, de certa forma. É um bom entretenimento e leva a algumas reflexões, mas nada que seja tecnicamente genial.
O estereótipo
O fato que levou o longa a ser tão aclamado foi a forma como a deficiência foi representada. Não dá pra negar que é uma representação mais positiva do que se vê usualmente na indústria cinematográfica. Mas, ao mesmo tempo, parece absolutamente o mínimo, e não deixa de ter problemas.
Boa parte da trama traz uma representação cômica da surdez, além de reforçar alguns estereótipos. O filme apresenta, por exemplo, surdos como sendo incapazes de realizar algumas tarefas básicas, dependentes de indivíduos que ouvem, muitas vezes promíscuos, entre outros clichês.
Como quase todo filme que retrata deficiência, CODA também se perde ao simplificar situações complexas, como a falta de disposição da sociedade para incluir pessoas surdas. Ainda assim, é preciso destacar muitos pontos positivos.
O lado bom de CODA
A diretora Sian Heder escalou atores surdos para todos os papéis que representam a deficiência – uma exigência de Marlee Matlin, que interpreta a mãe de Ruby e é a única pessoa surda a ganhar o Oscar de melhor atriz (por Filhos do Silêncio em 1986).
Outro elemento que se torna importante na construção do enredo e traz uma boa representatividade é o trabalho de som. Em dois momentos específicos de CODA, vemos a tentativa de inserir o espectador no universo de pessoas surdas, silenciando uma cena, por exemplo.
Tudo isso é válido, e merece destaque considerando as representações terríveis de deficiências que já foram feitas em Hollywood. Mas parece muito pouco.
A premiação
Depois de todos esses detalhes, fica mais claro o que levou o filme a ser tão aclamado. Não foi o roteiro (mediano e previsível), nem as atuações (boas, mas nada fora da curva). O longa foi premiado por ser um dos primeiros na história de Hollywood a trazer uma representação majoritariamente positiva de uma comunidade até então marginalizada.
Isso pode levar a duas conclusões. Em primeiro lugar, reflete uma mudança extremamente positiva no que é levado em consideração para que um filme seja premiado no Oscar. Além de aumentar significativamente o número de membros votantes e priorizar a diversidade, a Academia instituiu novas regras exigindo a presença de grupos marginalizados, tanto nas telas como atrás das câmeras.
O reflexo dessas mudanças já pode ser percebido. Nos últimos anos, premiações a filmes como Moonlight, Nomadland, Parasita, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo e o próprio CODA quebraram barreiras de nacionalidade, raça, gênero e orientação sexual, por exemplo. É pouco, mas mostra um novo direcionamento.
A segunda conclusão é que claramente faltam filmes com essa representatividade. O número de produções com foco no movimento feminista ou racial, por exemplo, é crescente. Enquanto isso, boas representações de pessoas com deficiência ainda são difíceis de encontrar.
CODA não é uma obra de arte, e é difícil encontrar algo que justifique suas premiações, exceto pelo fato de que faltam filmes na indústria que tratem de surdez. A produção se torna inovadora e emocionante graças à falha histórica de Hollywood em abordar esse tema. É o mínimo, mas antes, nem isso era feito. Portanto, é digno de todos os louros.