Democracia em Vertigem: separação entre o coração e o Estado
- 12 de maio de 2021
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“Eu e a democracia brasileira temos quase a mesma idade, e eu achava que nesses 30 e poucos anos, estaríamos pisando em terra firme” – Petra Costa
Adalie Pritchard
Tive a oportunidade de assistir “Democracia em Vertigem” com olhos frescos. O filme foi nomeado ao Oscar em 2020, e é, para muitos, o primeiro contato com a política brasileira. Sendo esse meu caso, senti que estava descobrindo problemas intrafamiliares alheios, assim como quando uma criança revela questões íntimas entre seus pais para estranhos. O filme é bem produzido e contém lindas imagens que seguem uma linha de raciocínio coerente. As informações de apoio estão em inglês, como se fosse feito para quem é de fora, pois como sua nomeação ao Oscar aponta, chamou a atenção do mundo exterior. Porém, quem não cresceu escutando discussões familiares sobre a política brasileira, sentiu falta de algumas peças do quebra-cabeça.
Ao observar os principais personagens do filme e da política brasileira nos últimos anos, podemos achar vários paralelos com o governo dos Estados Unidos, onde acontecem as premiações dos Oscars. A visão de que o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff foi feito para elevar uma contraparte masculina direitista, lembra a rivalidade entre o ex-presidente americano Donald Trump e a candidata Hillary Clinton. Dessa forma, embora a audiência internacional não se encontre afetada pelos acontecimentos relatados no documentário, identificam-se ao se ver em um espelho por meio do produto. Esquerda versus direita, rico vs. pobre, corrupção e impeachment, é uma história repetida.
Petra Costa consegue contar histórias de uma forma poética. Porém, não deveria ser a única fonte de informação que o mundo tem sobre a política brasileira, pois mostra um lado só. Por ter tanto êxito, corre o perigo de ser a única representante dela. Embora seja um documentário sobre a política de um país inteiro, apresenta um caráter muito pessoal, tanto que contém fotografias da diretora, da sua infância. “Eu e a democracia brasileira temos a mesma idade”, Petra narra. É como se ela fosse a mesma voz da democracia. Ao mesmo tempo, as semelhanças entre a mãe da Petra e Dilma Rousseff faz com que ela a admire e a veja como uma figura exemplar. As duas foram presas durante a ditadura na mesma prisão, em diferentes momentos.
Ao ser escrito depois e não durante o desenvolvimento dos acontecimentos, a narrativa é tão intrigante, que parece perigosamente uma obra de ficção. Até me apaixonei pelos personagens principais, antes de me confundir sobre suas ações morais ou não. As melhores imagens são colocadas de Lula e Dilma e as menos favorecidas para Temer e Bolsonaro. Claramente, as intenções são enfatizar o carisma dos protagonistas, e demonizar os outros.
O documentário é uma obra de arte, tanto que foi indicado para o Oscar. Mas infelizmente representa uma nação inteira onde a metade não concorda com as visões políticas retratadas do filme. É importante frisar que é preciso criar suas próprias opiniões, a base de fatos e não das opiniões de outras pessoas.