Como “Olhos que Condenam” nos leva a reflexões
- 30 de outubro de 2019
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- Thamires Mattos
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Netflix conta a história dos cinco do Central Park, e trabalha problemas enraizados na sociedade
Gabriel Dias
Em 31 de maio de 2019, a Netflix lançou uma minissérie de quatro episódios chamada “When They See Us”. Para o Brasil, o título escolhido foi “Olhos que Condenam”. Apenas três semanas após o lançamento, o drama baseado em uma história real já havia sido assistido por 23 milhões de usuários. Com isso, se tornou a série mais vista de seu gênero nos Estados Unidos. A narrativa explora as vidas de cinco garotos negros que passaram de seis a 13 anos presos por um crime que não cometeram.
Na noite de 19 de abril de 1989, cerca de trinta adolescentes entre 13 e 16 anos do subúrbio de Nova Iorque foram ao Central Park para se divertirem. Eles passaram dos limites ao mexerem com outras pessoas que passeavam no local. A polícia chegou e os levou para a delegacia, até que seus pais os buscassem.
O problema começa quando o departamento de Homicídios da Polícia foi acionado. Uma moça que havia corrido no Central Park durante a mesma noite fora encontrada entre uns arbustos, estuprada, com fratura craniana, hipotermia, sem 75% de sangue no corpo e restos de sêmen.
A polícia escolheu aleatoriamente cinco garotos – Kevin Richardson, Yusef Salaam, Raymond Santana, Antron McCray e Korey Wise – e os coagiu a declararem-se culpados após 30 horas sem comer, beber ou dormir. Assim, a série começa a contar a conhecida história dos “Cinco dos Central Park”.
Atenção: a partir daqui, o texto contém spoilers
É interessante reparar como a diretora Ava DuVernay divide a série muito bem em quatro episódios. Cada um tem cerca de uma hora e 15 minutos. O primeiro conta o início da história de forma muito rápida. Apresenta superficialmente os garotos, e em poucos minutos o problema todo acontece, deixando o espectador confuso (de forma proposital) da razão de tudo aquilo.
No segundo episódio, ela já apresenta características específicas de cada um, e mostra o julgamento, que ocorreu seis meses depois das prisões. Alguns pontos são separados para alfinetar o atual presidente dos EUA, Donald Trump, que, na época, era um grande empresário. Uma das partes mais chocantes da série acontece nesse episódio: a entrada da corredora – Trisha Meilli – no julgamento. Mancando e quase sem a voz, ela afirma que até seu olfato foi afetado depois do estupro.
O penúltimo episódio foca em quatro personagens, suas vidas na prisão e readaptação social. Nesse momento, a série frisa que, “uma vez preso, [alguém] é preso para sempre perante a sociedade”. Para sair da cadeia, todos os quatro tiveram que se declararem culpados para ganhar o direito à liberdade condicional. Após isso, uma porção de leis os prendiam ao passado, como: não poder se aproximar de outro detento e não trabalhar em qualquer lugar que tenha contato com crianças (por conta da acusação de estupro). Além disso, são alvo constante de preconceito.
A maior parte do último episódio evidencia Korey Wise – o único entre eles que já tinha 16 anos ao ser acusado e foi direto para um presídio (os outros foram encaminhados para uma prisão de menores). Ele foi o que mais passou anos preso e o que mais sofreu, de acordo com a série. Não se declarou culpado e viveu anos na solitária a fim de não apanhar. Mudou três vezes para prosões distantes. Vivia fora do mapa.
O que deixa o espectador mais curioso é o desfecho da história. Após a inocência dos garotos ser provada – cerca de 14 anos após o ocorrido –, tudo acontece muito rápido. Em 2014, o estado de Nova York pagou 40 milhões de dólares aos homens injustiçados. Mesmo assim, não há quantia que apague a humilhação e sofrimento que cada um passou.
“When They See Us” é um título que revela exatamente a proposta da série. Ela mostra o lado das pessoas ao redor dos garotos, como se a sociedade definisse quem realmente são. Não dá aos meninos voz ativa. A cinematografia conversa com a proposta. Por exemplo: ao colocarem-nos em uma sala, é utilizado o enquadramento aberto, e os garotos estão espalhados; e, ao avistarmos uma briga no Central Park, a imagem é arredondada e com cantos desfocados – o que lembra o olho de alguém observando de longe.
“Olhos que condenam” é tão bem estruturada que não necessita de imagens pesadas para impactar o espectador. Os cortes fechados são utilizados para transmitir sofrimento. Algo que ajuda bastante a reflexão é ver o desfecho e pensar: “Isso realmente aconteceu”. Afinal, após assistir a uma obra, você sai do “mundo” fictício criado e volta para a sua realidade, coisa que não acontece nesse drama.