Cidade de “Deus”?
- 14 de setembro de 2022
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Entre o crime e a esperança, Cidade de Deus é um paralelo com a vida real.
Camilly Inacio
Em uma periferia do Rio de Janeiro, a história de Buscapé ficou marcada. Ele queria ser fotógrafo, mas ao seu redor só havia mau exemplo. Na “Cidade de Deus” – onde Deus parecia não habitar – o crime era rotina. Mas o coração do menino cheio de esperança mudou o aparente rumo de sua vida.
“Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Frase que seria cômica se não fosse trágica por ser dita pelo protagonista do filme Cidade de Deus em uma cena em que corria para pegar uma galinha e de repente se vê entre as armas dos policiais e as de uma gangue.
Todavia, essa frase também representa a situação de quem mora na favela e se vê entre um ciclo de violência e crime, e a esperança de uma vida melhor, longe das armas e das drogas, em uma grande luta pela sobrevivência.
O filme, que leva o nome do próprio bairro, traz a história de um menino do morro que vivia uma realidade em que parecia ser difícil não se tornar bandido ou ser morto, seja pelos traficantes ou pelos policiais. Ele queria ser fotógrafo, mas poucas eram as chances desse sonho se tornar realidade. Desde a falta de dinheiro para comprar uma câmera, à dificuldade de conseguir um emprego por ser da favela.
Os problemas sociais na Cidade de Deus
A história é baseada em fatos reais e mostra como funciona um ciclo de morte e violência do qual é quase impossível sair. Pessoas que vivem entre o medo de policiais e bandidos, lutando para sobreviver a esse meio. Uma comunidade dominada por um grande traficante, e quem obedecia era protegido, mas quem discordava era morto.
O lamentável é que milhões de brasileiros vivem essa situação na vida real. Segundo levantamento feito em 2022 pelo Data Favela, são 17,1 milhões de pessoas vivendo em 13.151 favelas brasileiras. Já o relatório de 2020 da Polícia Civil, mostra que o Rio de Janeiro tem 1,4 mil favelas dominadas por criminosos e o tráfico domina 81% do território. Demonstrando essa relação entre o filme e a realidade.
Ao mostrar os criminosos no filme, os diretores fizeram questão de mostrar também o passado daquelas pessoas e as suas motivações. Trazendo também uma reflexão sobre diversos problemas sociais preocupantes como a pobreza, a falta de opções e oportunidades, entre outros. Na maioria dos casos, os bandidos começam como crianças que muitas vezes não frequentam a escola nem têm famílias presentes. Convivendo com a violência diariamente, acabam normalizando-a.
O elenco – paralelo entre o filme e a vida real
Para o filme, foram contratadas diversas pessoas que nunca haviam atuado antes. Muitos deles vieram da própria periferia e ganharam pouco para atuar. Ninguém tinha noção do sucesso que o filme teria no Brasil e no exterior, chegando até a ganhar um Oscar. Esses atores não se beneficiaram com o sucesso financeiro do filme, e em termos de carreira, poucos deles conseguiram seguir com sucesso como atores.
Dez anos depois do lançamento do filme, alguns deles foram entrevistados em um documentário. Alguns se queixaram de não conseguir trabalhos depois, por ficarem conhecidos como “atores”, outros entraram para vida do crime, na qual a realidade se mistura com o drama cinematográfico.
O Jornalismo na Cidade de Deus
No final do filme, o protagonista conseguiu começar a trabalhar para um jornal. No início era entregador, mas lá ele conseguiu ter contato com pessoas mais importantes, até que uma das fotos que tirou do traficante Zé Pequeno posando sem medo com sua gangue foi parar no jornal sem sua autorização.
Ele pensou que bandido iria ficar furioso com a situação, mas a reação foi oposta. A partir disso, o menino conseguiu uma câmera para fotografar com mais qualidade o que acontecia dentro da comunidade, pois tinha acesso a lugares e pessoas que nenhum dos jornais tinha acesso.
No dia da morte de Zé Pequeno, Buscapé conseguiu tirar uma foto do bandido morto e a vendeu para o jornal, e esse foi o marco para conquistar uma carreira na fotografia.
Assim como no filme, as favelas são retratadas nos jornais, normalmente, na página policial, por conta de crimes ou tráfico de drogas. São mostradas apenas como ambientes carentes, violentos e rodeados de tragédias. Por isso, apesar do tom cinematográfico, o filme é um rascunho da realidade do jornalismo quanto às periferias.