Cidadão Kane: O jornalista hollywoodiano
- 8 de março de 2023
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- Theillyson Lima
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Os estereótipos sobre os jornalistas formados através da arte cinematográfica.
Natália Goes
Impetuoso, implacável, magnata da mídia, portador de grande fortuna, entusiasta da política, perseguidor do amor. Esse é Charles Foster Kane (interpretado por Welles) em Cidadão Kane. O filme é a versão fictícia do magnata da imprensa William Randolph Hearst.
A mídia, por meio de filmes, séries, novelas, documentários, livros, entre outros, é capaz de produzir representações sociais e induzir o público a ideias e pensamentos. Na análise em questão serão abordados os estereótipos do jornalista dentro do filme Cidadão Kane (1941) e como essa figura interfere na sociedade, e de modo mais específico como o jornalismo impacta as eleições.
Sobre Cidadão Kane(1941)
Considerado como o maior filme da década de 40, filmado em preto e branco, com pouca luz e cenário pobres. O filme Cidadão Kane começa contando a história da morte de um grande magnata chamado Charles Foster Kane e mostrando sua última palavra, Rosebud, no leito de morte.
Dentro de uma sala escura e com pouca entrada de luz, um grupo de jornalistas começa uma discussão do que seria Rosebud. Em busca de descobrirem o significado da palavra, eles designam o jornalista Thompson para iniciar uma investigação sobre a vida de Kane e descobrir o significado de suas últimas palavras.
Thompson vai atrás de relatos de pessoas que foram próximas ao magnata e eles começam a expor fragmentos da história, partindo de quando a vida de Charles muda completamente assim que a sua mãe recebe como pagamento de um pensionista uma mina supostamente sem valor. A mina estava cheia de ouro o que rende uma fortuna incalculável para a família.
A mãe de Foster o entrega aos cuidados de um empresário para que ele seja criado em meio aos magnatas e aprenda lições para quando pudesse herdar todo o patrimônio da família. Quando Kane completa 25 anos e toma posse da herança, ele compra um pequeno jornal chamado “Inquerier” e passa a ser um jornalista implacável.
O jornal cresce ao longo do tempo e Kane se torna um grande nome na mídia. Ele compra vários outros jornais, casa-se duas vezes, constrói teatros, e uma gigante mansão chamada Xanadu, em homenagem a uma cidade mítica asiática, conhecida como capital do prazer. Apenas nos últimos segundos do filme é revelado ao espectador o significado da palavra Rosebud, levando-os a reflexão.
Rótulos
Ao longo de toda a narrativa, Kane é visto em diversos pontos de sua vida. Os recortes feitos no longa mostram alguns rótulos que são impostos a jornalistas desde a década de 30, quando o filme foi gravado. Isso passa desde as roupas utilizadas até as atitudes do personagem principal.
Charles é visto como um homem poderoso, influenciador, obstinado, inabalável, minucioso, que vivia para o trabalho e dentro do trabalho. Após comprar o jornal Inquerier, ele leva sua cama para o escritório, sendo que logo em seguida uma cena mostra Foster tomando café da manhã enquanto jornalistas tiram dúvidas com ele sobre o que estaria na primeira página do jornal. É possível ver que não há distinção do que seria uma moradia e seu trabalho.
O preconceito sociocultural criado em que jornalistas trabalham muito e levam trabalho para casa é visto nesta cena em específico, quando é feito o acompanhamento da velocidade produtiva que, por vezes, é exigida de um profissional nesse ramo. Com o decorrer do tempo e a ascensão do seu império, Foster casou- se duas vezes, mas seus relacionamentos não davam certo por conta da exaustiva jornada de trabalho.
Além disso, é mostrado ao espectador um lado de Kane em que ele utiliza o seu próprio jornal para fazer denúncias em relação aos grandes empresários que fazem parte do monopólio dos transportes, que estão tirando proveito dos trabalhadores. Ele também faz ameaças em nome do jornal e sempre está em busca de fofocas.
Nota-se um rótulo, criado pelo próprio personagem principal, quando é veiculada a notícia de que uma mulher está desaparecida. Kane pede para seus jornalistas irem atrás do marido da mulher e pedir para ele falar que ela está bem, ou diria em seu jornal que ela está morta, acabando assim com toda ética jornalística.
Charles, cria e reforça um estereótipo imposto pela sociedade de que o jornalista é um manipulador de notícias. Apesar disso, Kane elenca todos os princípios do jornal na primeira página, mostrando sua linha editorial, dizendo que lutaria pelos direitos das pessoas como cidadãos e seres humanos.
Em meio a tantos rótulos e preconceitos formados com a profissão do jornalista, iremos abordar apenas um em específico. O filme mostra que Kane quase ganhou as eleições para governador, pois teria uma excelente equipe jornalística. Mas até que ponto o jornalismo influencia no resultado das eleições?
Estereótipo do jornalista durante as eleições
Os jornalistas são profissionais que assumem o papel de agentes de mudanças sociais. São pessoas de quem se espera um critério bem desenvolvido, discernimento e desenvoltura para pesquisar, localizar e utilizar a informação para a vida. São responsáveis por formar opinião e construir pensamentos na sociedade.
Normalmente as pessoas os associam a uma vida de aventuras, dilemas éticos, riscos e até mesmo como figuras com acesso aos famosos. Fica evidente em Cidadão Kane(1941) que Charles utiliza da sua influência para quase ganhar as eleições e assumir o governo.
A visibilidade que o seu jornal de sucesso dava e a boa equipe de Kane o colocou como um candidato muito favorito a vencer as eleições. Ele lutou por um ideal e sendo o herói que o povo precisava para o momento, enquanto pintava o seu adversário como vilão, sem princípios e ética.
O jornalismo atinge muitas pessoas, seja no formato impresso, online, e dentro de outros canais de transmissão, como rádio, televisão, jornal. Transmitir e organizar a informação pode ajudar a guiar propostas de políticas para fortalecer o sistema democrático. Dessa forma, as mídias podem afetar as escolhas dos eleitores de modo a somente informá-los ou a influenciá-los
Assim como Charles tinha um grande senso de dever, responsabilidade social e o senso de aproveitar as oportunidades, essa função também por vezes é do jornalista. Por isso, muitas vezes ele é apresentado como alguém ambíguo, um alvo de fascínio e desprezo.
Um estudo feito nas eleições presidenciais de 1996 e de 2000 diz que o jornalismo impacta nas eleições. Ele concluiu que a Fox News Channel influenciou positivamente os votos para o Partido Republicano nas cidades que tiveram a cobertura do canal, em comparação com as que não receberam a cobertura. Isso influenciou também a quantidade de eleitores republicanos que participaram votando na corrida para o senado.
Dentro das eleições estadunidenses os jornais são um ponto importante para alavancar ou derrubar um candidato. Os jornais estadunidenses se posicionam de modo mais claro a favor de um partido ou outro. Em decorrência disso, muitas pessoas são levadas a votar no candidato A ou B.
Outro ponto de influência é a cobertura das mídias locais, pois análises feitas apontam que o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode ter sido favorecido ao longo da campanha pela grande visibilidade que obteve, mesmo que parte da cobertura sobre ele tenha sido negativa.
Através dessas pesquisas, conclui-se que o apoio dos jornais influencia o suporte a determinados candidatos à presidência dos Estados Unidos. No entanto, o grau dessa influência depende da credibilidade do jornal e também se os eleitores estão expostos a mídia.
Herói ou vilão?
A proximidade do jornalista com cinema sempre existiu. Vemos em muitos filmes e há tanto tempo a figura do jornalista retratada de diferentes formas e com vários estereótipos criados e formados através dessa grande mídia. O jornalista persiste em ser um alvo de interesse e curiosidade.
No filme Cidadão Kane é possível notar esses rótulos. Logo, uma das formas de analisar esse profissional e distingui-lo é por meio da sua ética profissional, pois o mesmo possui uma grande capacidade de impactar a sociedade, seja positiva ou negativamente, usando suas ideologias, valores, costumes, condutas e sua cultura nas tomadas de decisão.
Existe uma linha tênue entre informar e persuadir e essa é uma discussão que paira sobre os veículos da comunicação, que têm como papel informar e não direcionar ou manipular eleitores. Muitos jornalistas são descredibilizados por candidatos e políticos por prestarem um serviço de excelência à sociedade, mostrando de fato a verdade, enquanto outros utilizam-se de sua profissão de forma sorrateira para a promoção de amigos candidatos e políticos em troca de favores.
Portanto, é inegável a necessidade emergente de debates sobre os limites entre informar e persuadir, principalmente em um país como o Brasil, onde o governo muitas vezes financia campanhas eleitorais.