Caçada jornalistas
- 15 de setembro de 2021
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O medo e a desconfiança do Talibã em relação aos jornalistas afegãos têm raízes profundas. O Afeganistão é um dos países mais perigosos do mundo para jornalistas.
Thaina Reis
Os jornalistas são alvo de regimes repressivos em todo o mundo, especialmente em tempos de turbulência. Seja por prisões, comprometimento físico, agressões ou mortes, a profissão exige muito dos profissionais que estão na linha de frente da informação.
Ao longo de 2020, 50 jornalistas foram mortos no mundo em função do trabalho que desenvolviam. Desses, 34 não estavam em zona de guerra ou conflito armado, segundo relatório da organização Repórteres sem Fronteiras. Hoje, o Brasil é um dos países mais violentos no que diz respeito ao ambiente de atuação dos comunicadores – nos posicionamos em sexto lugar no ranking de nações mais perigosas para jornalistas, segundo a UNESCO.
Mas a questão é mais delicada no Afeganistão, onde a imprensa “livre”, a liberdade de expressão e os direitos das mulheres são vistos como conquistas difíceis após duas décadas de guerra. Mas o que esperar de um país que executa mulheres no dia do Direitos Humanos?
A jornalista Malala Maiwand e seu motorista foram mortos a tiros enquanto ela se dirigia ao trabalho. “Atiradores não identificados mataram a jornalista e ativista Malala e seu motorista”, explicou um porta-voz na província de Nangarhar, em Jalalabad. O caso de 2020 é apenas o mais recente de uma série de assassinatos que têm ocorrido no país asiático.
Os atentados se fortaleceram este ano após o Talibã retormar o poder no Afeganistão, os alvos não são apenas jornalistas, mas também ativistas e figuras de atuação política. No dia 15 de agosto, o grupo Talibã cercou Cabul, capital do Afeganistão, no Oriente Médio, e assumiu o controle do palácio presidencial, retomando o poder após 20 anos. No mesmo dia, o então presidente, Ashraf Ghani, saiu do país, consolidando a transferência de poder. E foi aí, que a caçada intensificou.
Sem “precisão” mas direto ao alvo
A emissora BBC News fez uma cobertura assídua sobre os desdobramentos em Cabul, especialmente as mudanças na imprensa. As matérias foram minuciosas e analisaram imagens e vídeos dos piores episódios. O “antes” e “depois” de uma jornalista apresentando uma reportagem em Cabul viralizou nas redes sociais. No print abaixo é possível perceber a mudança: em um dia, rosto e cabelos descobertos e apenas um lenço no pescoço; no dia seguinte, véu cobrindo inteiramente os cabelos e uma abaya.
Logo após a repercussão, a própria jornalista Clarissa Ward declarou em suas redes sociais que a imagem é imprecisa. “A foto de cima está dentro de um complexo privado. A parte inferior está nas ruas do Talibã, realizada em Cabul. Eu sempre usei um lenço na cabeça nas ruas de Cabul anteriormente, embora não com o cabelo totalmente coberto e abaya. Portanto, há uma diferença, mas não tanto assim”, explicou.
Segundo o BBC Monitoring, um departamento da BBC que monitora a imprensa no mundo todo, não há mais tantas apresentadoras mulheres na TV. Durante dois dias, elas estiveram ausentes das bancadas dos jornais. Até que, no dia 17 de agosto, Clarissa Ward entrevistou um representante do Talibã. Ela informou que o representante deixou claro, quando ela perguntou, que o rosto de uma mulher e suas mãos deveriam ser cobertos. Ela também relata que em certo momento, enquanto trabalhava na rua, pediram para ela ficar em um canto porque era uma mulher.
No mesmo dia da entrevista, um porta-voz do Talibã, declarou à imprensa que o Grupo irá “permitir que as mulheres trabalhem e estudem dentro de nossas regras”, mas sem especificar que regras são essas. À medida que a ofensiva do Talibã avançava, dezenas de emissoras de televisão e rádio pararam de transmitir ou foram controladas pelos insurgentes.
Uma morte lenta e dolorosa
O medo e a desconfiança do Talibã em relação aos jornalistas afegãos têm raízes profundas. O Afeganistão é um dos países mais perigosos do mundo para jornalistas. Pelo menos 53 pessoas foram mortas desde 2001, segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas.
Massud Hossaini, um renomado fotógrafo afegão vencedor do Prêmio Pulitzer em 2012, explicou em entrevista à AFP que os novos líderes do Afeganistão estão bloqueando a imprensa, especialmente os jornalistas. Ele fugiu do país em agosto após ameaças do Talibã e afirma que os representantes do grupo enganam o Ocidente quando prometem deixar os jornalistas trabalharem livremente.
“Isso vai ser muito, muito ruim. (Os talibãs) estão tentando matar a mídia, mas estão fazendo isso lentamente”, disse o fotógrafo de 39 anos em uma ligação desesperada da Holanda após fugir do Afeganistão no último voo comercial que partiu de Cabul.
Shabnam Dawran, uma apresentadora da rede pública de televisão RTA, disse que não tinha permissão para trabalhar porque, disseram a ela que, “o sistema mudou”.
Bilal Sarwary, um veterano do jornalismo e ex-correspondente da BBC, deixou o país, considerando que a situação era incontrolável. “Um dia trágico em minha vida”, escreveu ele no Twitter, “eles acabaram com meus sonhos e aspirações”, acrescentou.
Os jornais The Wall Street, Washington Post, New York Times e a rede de notícias Fox News conseguiram retirar os associados, colegas de trabalho e correspondentes que ajudaram na cobertura de guerra dos canais na região.
Semanas depois de sua última declaração, Clarissa Ward, a principal correspondente internacional da CNN, também deixou Cabul. “Certamente foi um dos eventos mais intensos que já cobri”, disse Ward ao programa de Stelter durante uma entrevista feita de sua casa, na França.