Brasil, o país do futebol
- 16 de março de 2022
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Depois de anos de história, nosso país ainda mantém a cultura popular.
Paula Orling
“Neymar”, “Anitta” ou “Pelé”; gritos muito comuns direcionados aos brasileiros fora do país. Cantores ambulantes nos metrôs de Londres dirigem covers de “Ai, se eu te pego”, do brasileiro Michel Teló, quando esbarram com um lusófono sul-americano. O carnaval, festividade brasileira desde o século XVI, e o futebol, presente na nação desde o século XIX, são símbolos do povo tupiniquim no exterior até a contemporaneidade.
Os estereótipos intrínsecos no pensamento estrangeiro se refletem nas músicas tupinambás de sucesso internacionais, cinema brasileiro que chega a ocupar certo espaço fora do país ou em personagens brasileiros taxados no exterior. O icônico Zé Carioca foi aclamado pela população por representar o país na Disney; contudo, o carioca da gema foi projetado com objetivos políticos – estreitar as relações comerciais entre Estados Unidos e Brasil, além de “afastar a ameaça de influência alemã nos governos da região”, de acordo com Filipe Monteiro e Mariana Benjamin em um texto publicado na Revista de História.
Se você não está familiarizado com o Zé Carioca, pode migrar para este século e analisar a animação estadunidense “Rio”, produzida pela 20th Century Fox Animations e pela Blue Sky Studios. Com boa parte da trama acontecendo no Brasil, o destaque migra para o tráfico de animais, a pobreza nas comunidades, o abandono infantil, o futebol, o samba e o carnaval desorganizado. Em adição, a ignorância generalizada por parte dos personagens brasileiros, é evidente no filme destinado a crianças.
Desinformação
Deste modo, é possível inferir a perpetuação de um pensamento unilateral de preconceito e desinformação a respeito dos atributos do maior país da América Latina. Continuam sem saber – ou reconhecer – que o brasileiro Santos Dumont criou o avião? Ou que Francisco Navarro deu ao Brasil o patamar de criador do chuveiro elétrico? Ou ainda que a estrela da arquitetura moderna, Oscar Niemeyer, era brasileira?
Apesar de muitos feitos realizados pela massa brasileira, pouco conhecimento se tem sobre o intelecto brasileiro ao redor do mundo. Este cenário é explicitado por um estudo realizado pelo Curado & associados.
De acordo com a pesquisa, 92% das 1.179 matérias que citaram o Brasil no exterior ao longo de 2020 foram negativas, gerando um índice de imagem – iVGR (Valor, Gestão e Relacionamento) de –3,38 (numa escala de +5 a -5), indicativo de crise – patamar mantido nos 12 meses do ano. Os dados da pesquisa refletem a visão negativa a respeito da gestão governamental. Ademais, apontam a liderança do país como irresponsável, incompetente e vulneráel.
Elementos culturais brasileiros
Apesar da futilização da cultura futebolística nacional, o esporte não é apenas o divertimento do domingo pela manhã. Durante a década de 1920, o futebol brasileiro foi utilizado como ferramenta de amenização de tensões sociais, como a inclusão de pessoas pretas e imigrantes. Ademais, perante as tensões sociais decorrentes da Primeira Guerra Mundial, o futebol aplacou crises políticas e econômicas ao redor do mundo. Afinal, no campo, etnias diferentes não tinham a necessidade de se odiar pelas diferenças culturais, mas era possível vibrar juntas por objetivos comuns.
Jornais argentinos se surpreenderam com a derrota histórica no futebol do Brasil contra a Alemanha, na Copa do Mundo de 2014. O periódico “Kicker”, por exemplo, expôs os 200 milhões de brasileiros. Já o “Marco”, jornal espanhol, escreveu “eterna derrota” na manchete do texto sobre o famoso 7×1, e reforça o senso de que o brasileiro precisa ser bom no futebol e que perder um jogo é vergonha nacional.
Já ao analisar os textos do jornal de origem espanhola, é perceptível a confirmação da estereotipação do Brasil, já que mostram muito do futebol e do carnaval brasileiros. Quando a pauta é diferente, geralmente é direcionada à incompetência dos governantes da nação sul-americana.
Apesar do considerado “vexame internacional”, o Brasil ainda é visto como o país do futebol, de acordo com Fabiano Bittencourt, em texto para a Super Interessante. A expressão, mesmo tendo origem em uma determinação britânica, ainda expressa a essência do país. Além disso, a cultura popular brasileira, que inclui o carnaval, o samba, a música popular brasileira, o jeito único de pronunciar o português e recheá-lo de gírias, ainda é observada em outros continentes.
Se você, homem tupiniquim, caminhar pelas cidades do norte da África, facilmente será chamado de Neymar, Ronaldinho Gaúcho, ou será questionado se torce para o Galo, em referência ao Atlético Mineiro, com tradição de jogos na região norte-africana. Se você, brasileira, caminhar pelas ruelas pitorescas europeias, corre grande risco de ser elogiada com o apelido de “Anitta”, “Gisele Bündchen”, “Bruna Marquezine” ou ser indagada se tem um “crush” nos principais jogadores da seleção brasileira de futebol. É bem verdade, também, que comentários desconfortáveis sobre sua participação nos desfiles de carnaval são frequentes, mesmo que muitos brasileiros se sintam ofendidos ou desconfortáveis com os comentários vindos de fora do país.
Todavia, estudo realizado pelo Ipsos e divulgada pelo ESPN, aponta que 40% dos brasileiros têm interesse em futebol e 25% frequentam estádios. Quando o assunto é carnaval, 41,2% dos cidadãos do país gostam e acompanham a festividade, de acordo com uma pesquisa feita pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) e pelo Instituto Sensus.
Investimentos
Em uma publicação oficial de 2020, o Portal do Governo e o Ministério da Cultura dão apoio à celebração, afirmando que o crescente desejo pela participação corrobora com o paulatino crescimento da festa. “A cada ano que passa temos mais pessoas aproveitando essa festa tão popular e democrática e que está completamente ligada ao Turismo. São brasileiros de Norte ao Sul do País que se divertem e movimentam o nosso setor, criando emprego e renda para milhares de pessoas”, destacou o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, no texto oficial. O governo ainda se posiciona a favor da comemoração, já que movimenta o turismo em diferentes regiões do país.
Durante o período pandêmico, em que o carnaval foi limitado pelas exigências de segurança, os brasileiros encontraram meios alternativos para continuar comemorando. Uma reportagem publicada pelo NY Times mostrou o amor que a massa tupiniquim tem pelas comemorações carnavalescas, contando a experiência da banda “Repressed Demand” juntou instrumentos e fez o carnaval continuar. “O carnaval é uma manifestação cultural, não um evento; carnaval não é algo que você possa proibir”, explicou Rafael Comote, trompetista.
Pão e Circo
Diante deste cenário, a obra “Pão e circo: sociologia histórica de um pluralismo político”, do arqueólogo e historiador francês Paul Veyne, corrobora para a compreensão do controle de massas em uma sociedade democrática, como o Brasil. Ao relacionar a medida romana antiga de Panem et Circences, Veyne descreve o mínimo para a subsistência nas atuais nações como o “pão” e define o divertimento como o “circo”. Assim se estabelece a sociedade brasileira; mediante a necessidade de subsistir, pequenos divertimentos como o futebol e o carnaval enaltecem o senso feliz do brasileiro.
Em um Estado que não apresenta tradição de financiamento à cultura, 11% da mão de obra voltada deste setor diminuiu entre 2019 e 2020 pela queda nos investimentos governamentais, de acordo com o IBGE. Os investimentos federais sofreram uma queda de 30%, enquanto os estados diminuíram seus investimentos em 15% nos últimos anos, de acordo com estudo do Rotas da Cultura, realizado pela consultoria JLeiva Cultura e Esporte.
Em contrapartida, os investimentos privados, principalmente de grandes empresas, nos setores futebolísticos são fortes incentivo para o desenvolvimento do esporte no Brasil.
Já a respeito do Carnaval, os gastos são públicos e privados. Em 2017, o então ministro da Cultura, Sérgio Leitão, explicou que os gastos públicos giravam em torno de R$ 26 milhões, enquanto R$ 124 milhões são as receitas Carnaval (venda de ingressos, de camarotes, dos patrocínios, direitos de transmissão de televisão, etc.). “Com isso a gente gera R$ 2,2 bilhões para a economia da cidade. E não é só o hotel e restaurante. É o camelô que está vendendo uma cervejinha, as costureiras (de fantasias) … É um mundo que vive em torno disso”, comentou Leitão em entrevista à BandNews FM.
Em uma nação voltada a estes elementos culturais, pouco incentivada a perceber outros aspectos da cultura, a massa populacional se volta para o “circo” oferecido, para as comemorações periódicas em torno das paixões nacionais. Os brasileiros, desde sempre, aprenderam a se contentar com as pequenas alegrias de usar uma fantasia, de torcer pelo time do peito, e assim se acomodam na repetição de hábitos que transformam a rotina de trabalhadores em espectadores e participantes de algo maior: os espetáculos.