“Armados” ou não?
- 18 de abril de 2019
- comments
- Thamires Mattos
- Posted in Sessão Cultural
- 0
Entre argumentos e contrapontos, existe fim para a discussão?
Rafaela Vitorino
As discussões sobre o estatuto do desarmamento não datam de agora. Mas, assim que Bolsonaro surgiu como figura messiânica candidata à presidência, elas ficaram ainda mais fortes. Afinal, a figura do ex-deputado federal é messiânica para aqueles contra o estatuto; nem tanto assim para a parcela adepta. Seja como for, é inegável o agitamento causado por sua candidatura. Agora, na presidência, a agitação demonstra-se ainda maior, por ter a flexibilização da posse e do porte de armas como uma de suas principais promessas.
Desde o ano passado, discussões mais e mais acaloradas podem ser vistas em rodas de famílias, amigos, e nas tão acessadas redes sociais – dos favoráveis aos desfavoráveis. Os olhos, atenção e tempo de muitos têm sido dedicados a discutir o tema por meio de textos, músicas e produções audiovisuais. O documentário Armados é exemplo disso. Embora tenha sido lançado em 2012, não poderia trazer discussões mais atuais. Dirigido por Rodrigo Mac Niven, conhecido por abordar em seus filmes assuntos como drogas, violência policial e corrupção, o longa se foca exclusivamente no Brasil, e procura mostrar a realidade velada e a escancarada sobre o uso das armas de fogo.
Armados aborda o tema sob a perspectiva de um país sem envolvimento em guerras e em conflitos internos, mas que, mesmo assim, mata e morre pelas armas de fogo. Dentro do Rio de Janeiro, pessoas envolvidas com o assunto são encontradas: especialistas, profissionais, vítimas e civis. Todos apresentam uma opinião – parece não haver ausência delas quando se trata de armas. O documentário se baseia, substancialmente, nas entrevistas. Para tanto, divide as cenas em capítulos denominados “dialética”. A dialética é um método de diálogo que ela se concentra na contraposição de ideias objetivando a construção de outras. Daí, temos distintas entrevistas, e, claro, opiniões.
Todavia, o documentário não se baseia apenas em opiniões, embora destaque a importância delas por partirem de pessoas com autoridade sobre o tema. Dados também são apresentados, além dos fatos narrados pelas fontes. O início segue uma linha essencialmente factual, com profissionais que lidam constantemente com armas e especialistas, como professores e sociólogos. Mas, do meio para o final, o cenário muda. O foco passa a se concentrar nas experiências de pessoas que tiveram suas vidas transformadas radicalmente pelo contato com armas. O break da linha factual acontece com o relato de pais de vítimas do Massacre em Realengo. Em 2011, um homem armado entrou na Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro Realengo do Rio de Janeiro. Ele disparou mais de cem tiros e matou doze crianças. Pais, familiares e amigos das vítimas fundaram a Associação Anjos de Realengo, uma homenagem aos mortos e uma forma de resistência à indústria de armas e tudo aquilo que ela envolve e representa.
A partir disso, continua a alternação de opiniões e entrevistas: dos que acreditam em armas como defesa do “cidadão de bem” aos que consideram a ideia utopia frente a um assalto; dos que as defendem como “instrumentos dos mocinhos” aos que as entendem como instrumentos de ataque. Seja como for, de algumas coisas é impossível fugir. Se existe uma expressão indissociável da discussão acerca do armamento civil é, esta é “cidadão de bem”. Ainda assim, Armados deixa dúvidas na cabeça do espectador. Objeto de morte ou defesa pessoal? A discussão está bem longe de seu fim.
Todos os anos, o dicionário Oxford escolhe a palavra do ano. Em seu site, a instituição explica como chega a escolha da “palavra Oxford”: “escolhemos um vencedor que é julgado como um reflexo do ethos, do humor ou das preocupações daquele ano em particular e de ter potencial duradouro como uma palavra de significado cultural”. Será que, se escolhêssemos a “palavra Oxford” de 2019 em terras tupiniquins, esta seria “desarmamento”?