A polarização de mãos dadas com a violência política
- 4 de setembro de 2024
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- Theillyson Lima
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Atentado contra Donald Trump, ex-presidente e atual candidato à presidência, escancarou a polarização política dos EUA.
Natália Goes
Tiros, gritos, correria e uma foto icônica. Dia 13 de julho de 2024 será uma data inesquecível na história dos Estados Unidos: o dia em que a polarização política culminou em um atentado contra a vida do ex-presidente e atual candidato à presidência Donald Trump. Um atentado em que duas pessoas morreram, sendo uma delas o autor dos disparos, além de três pessoas feridas, incluindo Trump.
O tumulto e a correria tomou conta de todos, mas uma imagem icônica foi capturada. A foto, eternizada por Evan Gucci, fotógrafo da agência Associated Press, tornou-se histórica. Ela mostra o momento em que o magnata se levanta com a orelha ensanguentada, rodeado de agentes do Serviço Secreto, com uma bandeira estadunidense atrás dele e erguendo o punho cerrado, reagindo ao momento em que foi alvejado. A imagem foi repetida inúmeras vezes pela GloboNews, CNN Brasil, Jovem Pan News, Record News, Band News e outros portais de notícia.
Vítima
Apesar de Donald Trump ter chegado a Pensilvânia como um herói conquistador no dia do atentado, ele não saiu de lá com a mesma postura diante da cobertura jornalística do evento. O G1 o colocou em posição de vítima ao noticiar o seu atentado.
Enquanto isso, outros portais de notícias não retrataram o atentado logo no início. Na manchete da CNN, o título da matéria foi “Trump é retirado do comício após tiros”, já o portal R7 traz que o “ex-presidente fica com a orelha sangrando após supostos disparos durante comícios nos EUA”.
A dualidade nos discursos nos portais nos faz questionar a cobertura do comício e os motivos da demora em repercutir a notícia do atentado contra o ex-presidente, bem como o comprometimento com a veracidade das informações desses portais.
Falha do Serviço Secreto
Além disso, uma pergunta paira no ar e ressoa no silêncio do absurdo: como é possível que, em 2024, com todos os recursos disponíveis, um atirador consiga se posicionar para atirar em um ex-presidente durante um ato público?
A falha do Serviço Secreto não apenas levanta questões sobre como devemos proteger os líderes políticos, mas também revela o clima político atual, não apenas nos Estados Unidos, mas em muitos países ao redor do mundo. A polarização tem criado solos férteis para o crescimento da violência em diversos países.
O jornal Washington Post criticou o Serviço Secreto, afirmando que proteger o telhado ao redor de um ex-presidente é “uma preparação básica para eventos de discursos públicos”. Já o New York Times, em sua reportagem, argumentou que “o Serviço Secreto deveria ter garantido que o prédio estivesse seguro antes do comício acontecer”.
Discurso religioso
Nas primeiras aparições após o atentado, é notável uma mudança no discurso de Donald Trump. Em entrevista ao New York Post, ele muda o tom de sua comunicação, declarando que Deus o livrou da morte.
A CNN fez uma cobertura completa sobre a narrativa do Trump como um guerreiro sobrevivente. Enquanto isso, em outros portais, a nova narrativa dele é apresentada de forma superficial, parecendo uma cópia rasa de outras fontes.
A mudança no discurso, para mudar a direção dos votos, foi um combustível poderoso para Trump. Com a ameaça à democracia em destaque, as notícias passaram a se concentrar nas discussões sobre quem pode liderar o país da melhor forma, e não sobre as propostas dos candidatos.
Repercussão nas redes sociais
O atentado repercutiu nas redes sociais, e políticos se manifestaram em solidariedade ao ex-presidente. O primeiro-ministro de Israel postou em sua rede social X, antigo Twitter, que ele e a mulher ficaram chocados, e afirmou que o atentado não foi apenas um ataque ao candidato, mas um ataque à América e a todas as democracias.
Além disso, Biden, presidente dos Estados Unidos, disse na rede social X que estava orando por Trump, sua família e todas as pessoas que estavam no comício. Ele também agradeceu ao Serviço Secreto por retirar o candidato em segurança.
No Brasil, o ex- presidente Jair Bolsonaro também se manifestou em seu Instagram,expressando solidariedade a Trump e dizendo que aguardava sua recuperação.
Já o atual presidente Lula, em sua conta no X, afirmou que o atentado deve ser repudiado veementemente por todos defensores da democracia e que o acontecido era inaceitável.
Popularidade revertida em dólares
Com a repercussão nas redes sociais e em vários jornais ao redor do mundo, o magnata não poderia perder a oportunidade de lucrar em cima do atentado que sofreu. Um mês após o ocorrido, Trump lançou um livro cuja capa é a foto tirada logo depois dos tiros em seu comício. A edição autografada da publicação chegou a custar US$ 499 (R$ 2,7 mil), enquanto o livro comum é vendido a US$ 99 (R$ 544).
Com a ajuda dos portais de notícias dos Estados Unidos e do Brasil, como CNN, R7 e outros, o ex-presidente ganha ainda mais visibilidade para suas vendas, bem como para arrecadar fundos para sua campanha.
Infelizmente, o atentado contra o ex-presidente Donald Trump não resultou tanto em questionamentos sobre o tom da cobertura midiática ou sobre a necessidade de um trabalho mais cuidadoso da mídia para não incentivar a violência política.
A polarização política e a tentativa de assassinar presidentes, seja nos Estados Unidos, no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, representam a estupidez humana, em que os indivíduos enxergam seus políticos como se fossem parte da família, enquanto o candidato da oposição é visto como inimigo. A violência política não é problema exclusivo de um país, mas um desafio global a ser enfrentado de forma harmoniosa. Caso contrário, a mídia continuará sendo considerada assassina de políticos.