A cultura e o jornalismo especializado – até demais
- 10 de maio de 2023
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- Theillyson Lima
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Com foco em entretenimento, a cultura sai de quadro.
Helena Cardoso
Qual a primeira coisa que vem na sua cabeça ao pensar em cultura? Um filme? Uma música? Um artista? Talvez até um livro? E se eu te pedir para pensar em cultura dentro de um viés jornalístico? Aposto que agora seus pensamentos muito provavelmente se restringiram a grandes estreias de cinema e eventos culturais grandiosos. Mas a cultura, enquanto editoria, tem de tudo um pouco, abrangendo cada aspecto desse universo gigante.
Se mesmo assim você está cético quanto aos assuntos abordados e ainda acredita que portais de notícias dão mais foco a certas facetas dessa editoria, pode ficar tranquilo: isso pode ser realmente verdade. Cada jornal dá um peso diferente para cada subeditoria, além de criar abordagens diferentes entre si. Por isso, neste texto, vamos analisar seis portais de jornalismo factual e como a cultura está inserida em cada um. Agora se essa separação sobre o que mais deve ser falado é certa ou errada, fica a cargo da sua reflexão.
Cultura apagada
Os primeiros jornais que procurei para iniciar a análise foram, como o esperado, G1, Estadão e Folha de São Paulo. Entretanto, nessa de querer dar uma variada, fui atrás do Correio Braziliense, CNN e BBC Brasil. Mas acontece que os portais mais conhecidos do Brasil são os mais conhecidos por um motivo muito simples: sua organização. Acabei desistindo de analisar profundamente os últimos três pela dificuldade em localizar as subeditorias – embora isso não signifique que não vá haver uma leve contextualização acerca deles.
O maior problema desses portais, quando falamos sobre cultura, é a não separação em subeditorias. Colocar todas as informações em apenas um lugar, sem nenhuma distinção, acaba apagando os tópicos menos falados e considerados menos importantes, o que dá a entender que essa editoria é só sobre cinema e celebridades.
Para começar, o pior lugar para se encontrar essa editoria é na BBC Brasil. Diferente de outros jornais, que possuem hiperlinks para as abas de cada tema no topo da página ou na lateral, este portal dá foco apenas para editorias que normalmente são consideradas “mais relevantes”. Para saber sobre cultura, você precisa descer quase até o fim da página inicial. Ajudando a provar a falta de importância dada ao assunto, as matérias são publicadas com intervalos de tempo que, normalmente, ultrapassam três dias.
Já na CNN, “cultura” faz uma visita no cartório e muda seu nome para “Pop“. Sim, isso mesmo, bem simples e bem minimalista. Esse nome acaba não abrangendo a cultura como um todo, e não sei vocês, mas eu pelo menos leio isso e já penso que o site fala só sobre cantores e estrelas de TV. Mas – ainda bem – isso é só uma impressão causada pela rápida associação, já que os temas são bem variados. Além disso, um ponto que merece destaque é a “aba” Trends no meio da página da editoria, o que como o próprio nome já diz, traz notícias baseadas em coisas populares na internet.
No Correio Braziliense, o nome muda novamente e vai para “Diversão e Arte“. Pelo título, pensamos que será pelo menos um pouco mais abrangente do que a CNN, mas os conteúdos são bem mais limitados. 10 matérias foram postadas no dia 6 de maio, e todas (isso mesmo, todas) trataram sobre celebridades e subcelebridades. Nada sobre arte, nada sobre eventos culturais. Olhando por esse lado, o nome poderia ser apenas “Diversão e”.
G1
Outro portal de notícias que segue a linha da mudança de nome é o G1. Pop & Arte é bem dividida, e tem como subeditorias cinema, CCXP, diversidade, games, música, TV e séries, Lollapalooza, Oscar e Rock in Rio. Para facilitar a análise, vou excluir CCXP, Lollapalooza, Oscar e Rock in Rio, já que são eventos excepcionais e com datas distantes. Diversidade já é outra subeditoria que, se for avaliar pela frequência de postagem, também já pode ser considerada “excepcional”, afinal desde o começo do ano, saíram apenas oito matérias.
Indo por ordem de quantidade, “Games” e “TV e Séries” são os próximos da fila, já que suas publicações entram na média de uma por semana (às vezes menos, às vezes mais). Entretanto, o ponto alto da segunda editoria citada neste tópico são os vídeos. Provavelmente por se tratar de TV, ao abrir a subeditoria você já dá de cara com vídeos que muito provavelmente são atualizados com mais frequência do que as reportagens. Depois disso vem “cinema”, com notícias do mundo hollywoodiano (e de diretores, produtores e atores mais próximos da nossa realidade brasileira). Em seguida, “música” surge como o tema mais falado, abrangendo desde o dia a dia de cantores até calendários de shows e novos hits.
Estadão
Agora com o nome tradicional, “cultura” no Estadão tem bem mais subeditorias. Elas são divididas em Últimas, Aliás, Artes, Cinema, Estado da arte, Literatura, Moda, Música, Quadrinhos, Séries, Teatro e dança, Televisão, Blogs e Colunas. Como eu sei que ninguém aguenta a mesma análise duas vezes, vou mudar um pouquinho o foco dessa. Agora, ao invés de falar sobre as frequências, vou falar sobre editorias “diferentonas” e interessantes.
Pensei em começar por “Aliás”, mas vou pular essa simplesmente porque após muita reflexão, ainda não consegui chegar a uma definição conclusiva sobre o que ela falaria. História? Aleatoriedades? Sociedade? Bom, fica a seu critério (já que pelo visto o portal não tem um). Por isso, vamos começar por Estado da Arte, a subeditoria que mais me chamou a atenção. Como você deve imaginar, ela fala sobre a arte tendo como base o Estadão. Até o design dessa aba é diferente, com um título no topo e “subsubeditorias” logo abaixo. Essa parte, em geral, é como vários artigos de opinião, história e reflexões.
Um outro ponto que também me chamou a atenção é que o Estadão foi o primeiro – e único – jornal onde vi a “moda” realmente representada, sem estar em outra editoria que a tira de foco. É quase do mesmo jeito com “teatro e dança”, embora essa seja uma subeditoria mais fácil de encontrar (como na Folha de São Paulo (calma, sem pressa, já vamos chegar lá).
Folha de São Paulo
Decidi adiantar o processo para não te deixar esperando. As subeditorias da Folha de São Paulo também são bem variadas, passando por Ilustrada, Guia Folha, Ilustríssima, Artes plásticas, Filmes, Livros, Música, Teatro e Televisão. Eu sei que disse que não ia analisar a mesma coisa duas vezes, mas cá estamos nós: prepare-se para ouvir uma lista das minhas opiniões, assim como foi com o Estadão.
A primeira subeditoria que quero mencionar aqui é a Guia Folha. Com publicações frequentes, ela mostra listas de lugares para conhecer e dicas de passeios. Literalmente um “guia Folha”. Dentro dela, ainda existem – novamente – as “subsubeditorias”, que vão desde shows até streamings. O melhor para mim, entretanto, não são nem as subeditorias diferentes, mas o fato de esse parecer ser o único jornal que dá realmente foco na arte dentro de “cultura”, a começar pela separação entre “artes plásticas” e “teatro” (artes cênicas).
Formatos culturais
O assunto sobre a Folha de São Paulo ainda não acabou, pois quero utilizá-la de exemplo para adentrar em outro tópico. Normalmente quem busca cultura, também está atrás de entretenimento. E dificilmente quem quer entretenimento acha que pode encontrá-lo em um texto factual. Por isso, o jornalismo especializado, ao se tratar de cultura, espalha-se para outros canais.
A subeditoria Ilustríssima da Folha traz nos textos temas que já foram debate e assunto no podcast Ilustríssima Conversa, disponível no Spotify. Além desse, o jornal possui o podcast Expresso Ilustrada, que traz as principais histórias e notícias do mundo das artes. A redação do G1 também é dona de um podcast cultural: o Semana Pop, com notícias sobre séries, cinema, música e celebridades.
Saindo da sessão podcasts, para quem quer manter os acessos no site existe a opção “webstories”. Tanto a CNN quanto o G1 são usuários dessa ferramenta que traz atualizações de forma simples e rápida, como o que vai chegar nos streamings durante o mês e novas músicas lançadas.
Autolimitação
Embora ampla e presente em diversos formatos, a editoria “cultura” é extremamente limitada. Em todos os portais analisados entre os dias 1 e 7 de maio, a maior parte das matérias teve relação com filmes, séries, música ou celebridades, dando para contar nos dedos as vezes que se falou de exposições culturais, teatro, esculturas ou artesanato, por exemplo. Esses temas são, muitas vezes, tirados de seu foco cultural e colocados em outras editorias, como em “economia” quando falado sobre o aumento nas vendas de arte, por exemplo.
“Cultura”, em geral, é uma editoria ampla, com vários temas, tópicos, “destrinchamentos” – enfim, como você quiser chamar – que podem ser abordados. Entretanto, com a sede de agradar seu maior público, os portais acabam deixando de fora informações relevantes que não estão inseridas no “mundo pop”. Sendo assim, a “cultura”, enquanto editoria, é completa em definições e formatos, mas quando se trata da importância dada a cada assunto, acaba limitando a si mesma.