A beleza é o que importa: entenda a estética asiática
- 20 de setembro de 2023
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- Theillyson Lima
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Entenda mais sobre como ser normal é considerado feio em uma sociedade que demanda a perfeição estética.
Ana Júlia Alem
A cultura asiática está em tudo! Seja em doramas românticos, no k-pop, que é tão popular e presente na indústria musical, e até na indústria cosmética. O continente é mestre em exportar tendências de todas as áreas do cotidiano. As técnicas e produtos de beleza asiáticos conquistaram imensa popularidade na última década, e sua influência pode ser vista na maneira como as pessoas de todo o mundo utilizam de seus métodos.
Neste texto, vamos abordar assuntos relacionados à estética asiática, como as rotinas e cuidados presentes no skincare, técnicas de maquiagem – muitas vezes, radicalizadas e irreais – e cirurgias estéticas.
Técnicas para ter a pele dos sonhos
“J-Beauty”, de Japanese beauty, “K-Beauty”, de Korean beauty e “Glass Skin”. Tenho certeza que você já ouviu falar de algum desses termos ou até mesmo utilizou alguns dos tão conhecidos produtos de beleza asiáticos. Com sua tecnologia e pesquisas avançadas, a Coreia do Sul e o Japão, por exemplo, revolucionaram os cuidados com a pele.
A primeira coisa que você precisa saber sobre as rotinas de skincare asiática, é que elas são levadas muito a sério pelas adeptas e algumas podem variar entre 9 e 15 passos, como o das coreanas. As japonesas, em contrapartida, são mais práticas durante o cuidado com a pele, mas usam extratos que potencializam o skincare.
Essas etapas incluem limpeza, tonificação, máscaras potencializadoras de hidratação e nutrição, aplicação de sérum, hidratantes – que mantém a pele saudável e jovial – e protetor solar. Um ponto importante a destacar, é que as asiáticas optam por utilizar produtos que contêm ingredientes naturais, como chá-verde, arroz e mel, pois, segundo elas, esses e outros elementos clareiam, suavizam e acalmam a pele.
Muitos dermatologistas afirmam que as técnicas melhoram a textura, hidratação e pigmentação da pele. A rotina de skincare também promove momentos de autocuidado e uma experiência relaxante e redutora de estresse. De acordo com o artigo publicado pela Revista Internacional de Farmácias e Ciências Farmacêuticas, os produtos naturais utilizados nos cosméticos asiáticos auxiliam na síntese de colágeno tipo I, que diminui rugas e mantém a firmeza da pele.
Não é segredo para ninguém que o marketing utilizado pelas empresas asiáticas foi primordial para a disseminação de seu mercado ao redor do mundo. Ao abrir seu Tik Tok ou Instagram, é muito provável que apareçam inúmeros vídeos de asiáticas mostrando suas rotinas de skincare. Dessa forma, as influenciadoras ou blogueiras promovem as marcas e os produtos de beleza ao mesmo tempo em que se conectam com os consumidores. Como resultado desse marketing, as marcas ganham inúmeros seguidores leais e se tornaram uma peça importante na indústria global de beleza.
Com a enxurrada de vídeos e publicidades, é comum que muitas pessoas se enganem e apostem em técnicas que não são funcionais. Apesar de limpeza, hidratação e proteção solar serem passos básicos de cuidados com a pele, é necessário realizar um ajuste para produtos que atendam às necessidades específicas de cada um. Muitas vezes, um cosmético utilizado no Japão – por mulheres com pele predominantemente seca – pode não ter o mesmo desempenho em mulheres brasileiras, já que os tipos de pele são diferentes. Além disso, o clima tropical do país também pode influenciar no desempenho do produto.
Mas o que eu quero dizer com isso? Não podemos simplesmente ver uma técnica que está no “hype” dentro das redes sociais e aplicar cegamente, nesse caso, em nossa pele. Em muitos casos, a utilização de produtos inadequados para o tipo de pele pode causar aumento da oleosidade e acne. Às vezes, o barato pode sair caro! Ao invés disso, é ideal procurar um dermatologista e optar por produtos que realmente terão efeitos positivos em cada tipo de pele e em suas necessidades específicas.
Maquiagem x truques estéticos
É compreensível pensar que, se elas prezam tanto por produtos naturais e cuidados com a pele, a maquiagem não seria tão utilizada ou seria mais clean… Claro que existem mulheres que pensam assim, mas nem todas! Se você abrir seu Tik Tok e procurar por maquiagens em mulheres asiáticas, encontrará mini tutoriais de maquiagem que mostram um antes e depois digno de programas de beleza televisivos.
Nesses vídeos, muitas técnicas inusitadas são utilizadas, como lentes de contato exóticas que causam um efeito de olhos maiores e proporcionam um visual mais parecido com personagens de animes ou mangás. Também são utilizados adesivos para as pálpebras, cílios postiços e fitas adesivas nas laterais do rosto para diminuir as bochechas – que são cobertas com muita base.
Há alguns anos, um vídeo viralizou na internet após mostrar transformações significativas de jovens orientais maquiadas. Uma das jovens utilizava uma massa acima do nariz para moldá-lo e um tecido dentro dele. Pasmem, esse tecido dentro do nariz tem o objetivo de impedir a respiração. Assim, a massinha não descola do nariz e as mulheres respiram com a boca entreaberta – algo considerado sexy.
Todos esses e outros “truques” utilizados, além de reforçar padrões de beleza impostos pela sociedade, são contraditórios. Ao meu ver, quanto mais cuidado com a pele eu tiver, menos vou precisar camuflá-la. Fica ainda mais contraditório quando a utilização de tantas maquiagens – com alto nível químico – são aplicadas após um skincare repleto de produtos naturais.
Não me entenda mal, todos são livres para se maquiar da forma que desejarem. Mas será que essas mulheres realmente querem fazer esse tipo de maquiagem ou só fazem pela pressão imposta pela sociedade de aparência perfeita? É nesse questionamento que mora o problema. Ser adepto à uma técnica porque faz você se sentir bem consigo mesma, é saudável, ao contrário de fazer por “obrigação”.
Outro ponto a ser destacado é a quantidade de adeptos às maquiagens produzidas no continente asiático que foram conquistados através das mídias sociais. Os vídeos que viralizaram por venderem um padrão irreal, fazem com que mais pessoas se sintam pressionadas pela imposição social. Com isso, as empresas que fabricam esses produtos faturam cada vez mais e, com certeza, ficam menos interessadas em fazer com que as mulheres se sintam bonitas naturalmente.
Se esse rosto fosse meu
Você já ouviu falar de um filósofo Chinês nascido 552 a.C e 489 a.C, chamado Confúcio? Os valores propostos por ele exerceram grande influência em diversas sociedades asiáticas, sobretudo a sul-coreana, onde ele pregou que a modéstia e apresentação de si mesmo é uma forma de demonstração de respeito pelos outros e pela sociedade. A cultura confucionista fez – e pode se dizer que continua fazendo – com que a beleza física seja vista como um fator de virtude e superioridade.
Avançando um pouco na história, chegamos ao século VII (601 d.C – 700d.C), no qual a prática coreana do gwansang sustentava que as características do rosto de uma pessoa compunham um “mapa” que revelava sua personalidade, passado, presente e futuro. Entretanto, durante a ocupação da Coreia, os japoneses deturparam a prática e a basearam em etnia. A partir daquele momento, pessoas especializadas “liam” os rostos coreanos para determinar se eram inteligentes ou nobres para ocupar espaços e cargos.
Com isso, foi se formando um ambiente socialmente mais receptivo aos procedimentos estéticos. Mais recentemente, a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) divulgou em seu levantamento anual – e global – de procedimentos estéticos e cosméticos que, em 2021, houve um aumento de 19,3% na busca por procedimentos estéticos.
Embora os Estados Unidos sejam um dos líderes em intervenções estéticas, com 30,4% em procedimentos não cirúrgicos e 15,5% em cirúrgicos, eles não chegam ao patamar da Coreia do Sul. Além disso, um relatório divulgado pelo Ministério da Saúde e Bem-Estar da Coreia mostrou que 397 mil turistas, dos quais 48 mil eram de países ocidentais, pousaram em Seul para realizar seus sonhos – ou pressões – estéticos. A pesquisa mostrou que o país faturou cerca de US$200 milhões, um gasto quatro vezes maior em relação à 2012.
O problema se agrava ainda mais quando uma pesquisa publicada por uma das maiores empresas de emprego da Coreia, a Saramin, revela que 84,2% dos diretores de recursos humanos entrevistados alegam que suas decisões de contratação são influenciadas pela aparência de um candidato. Esse cenário faz com que ainda mais pessoas se submetam a cirurgias a fim de aumentar suas chances de contratação.
Todas essas pesquisas mostram o seguinte problema: a sociedade – nesse caso, a coreana – sucumbiu à plasticidade da aparência de uma forma complicada de se voltar atrás. Hoje em dia, aprisionar-se atrás das cirurgias plásticas se tornou a única forma de se sentirem incluídos na comunidade em que vivem. Seja se vendo nos rostos “perfeitos” da indústria do entretenimento ou consumindo propagandas que apresentam uma aparência dos sonhos a qualquer custo. Em uma terra que se equilibra na corda bamba entre ser e parecer, a decisão de realizar simples mudanças estéticas ou deitar em uma mesa de cirurgia acaba sendo fácil – e atrativa – demais.
Alerta!
Se engana quem pensa que esses mesmos padrões estéticos estão presentes apenas nos países orientais. Na verdade, eles se encontram em todo o mundo. O levantamento realizado pela marca brasileira de produtos de higiene, Dove, mostra que, no Brasil, 71% das mulheres se sentem pressionadas para serem perfeitas e boas em tudo o que fazem.
Esses dados são um sinal de alerta para a dimensão da importância que a aparência estética tem culturalmente. Refletir sobre o impacto da pressão estética é o primeiro passo para desconstruir padrões alimentados – em todo o mundo – há anos pela mídia e pela indústria da moda.