A Arte da Inclusão
- 3 de abril de 2024
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- Theillyson Lima
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Compreenda o impacto crucial que os atores com deficiências têm na mudança da narrativa audiovisual, em que ressaltam a importância da representatividade genuína e da inclusão.
Sara Helane
Acredito que você já tenha ouvido a famosa frase do escritor irlandês, Oscar Wilde que diz: “a vida imita a arte”. Antes dela, o filósofo Aristóteles já argumentava que, na verdade, “a arte imita a vida”. Não preciso entrar em detalhes nessa discussão, porque nesse momento quero levar em consideração a frase do filósofo. Partindo dela, faço a indagação: Se a arte imita a vida, em termos literais de atuação profissional, você já se perguntou até onde a realidade de um ator pode ser relacionada diretamente com seu personagem em uma obra de ficção?
A partir dessa pergunta, vamos analisar um dos diversos temas que podem ser associados a ela. Mais de um bilhão de indivíduos em todo o mundo vivem com alguma forma de deficiência, sendo que aproximadamente 200 milhões enfrentam dificuldades funcionais significativas. Partindo dessa realidade e indo para o mundo do entretenimento não é raro encontrar atores que possuem algum tipo de deficiência.
George Robinson, Kiera Allen e Jamie Brewer são apenas alguns exemplos de atores que possuem pelo menos algum tipo de deficiência, seja ela, auditiva, visual, intelectual, psicossocial ou múltipla. Através de seus personagens esses atores trazem suas realidades para as produções audiovisuais.
Trazer esses assuntos para as produções através desses autores é um processo que torna a arte ainda mais relevante e humana. A presença deles não apenas reflete a realidade da sociedade, mas também oferece oportunidades para narrativas autênticas e empoderadoras.
Inclusão de atores com deficiência
Primeiramente, é importante reconhecer que a deficiência faz parte da condição humana e que não deve ser vista como uma limitação para a atuação. Falar sobre essas deficiências contando com a atuação de pessoas que tenham elas na vida real, demonstra uma preocupação ainda maior dos diretores e produtores com a sensibilidade de representação desta condição intrinsecamente humana.
Atores com deficiência trazem uma profundidade única em suas performances, pois conseguem imprimir em suas artes suas próprias experiências pessoais e perspectivas de vida. A jornada pessoal desses autores acrescenta autenticidade, complexidade e às personagens que interpretam.
Quando a arte imita a vida
A inclusão de atores com deficiências não só beneficia a indústria do entretenimento, mas também inspira e empodera indivíduos com essas condições em todo o mundo. Alguns exemplos dessas atuações podem ser encontradas em diversas produções. A atriz mirim Manuela Trigo, que tem paralisia cerebral, desempenha um papel importante na série “Aruanas”, do GloboPlay. Ela interpreta Gabi, neta do personagem de Luiz Carlos Vasconcellos. Na vida real, Manuela nasceu prematura após 30 semanas de gestação devido a um deslocamento de placenta.
A atriz enfrentou 45 dias na UTI para ganhar peso e foi afetada por uma falta de oxigenação no cérebro, resultando em algumas dificuldades motoras e de fala. No entanto, apesar da deficiência, Manuela vive uma vida normal de criança, frequentando uma escola regular e compartilhando sua rotina de estudos e gravações em seu perfil no Instagram.
Além de Manuela, a atriz brasileira Juliana Caldas é um exemplo de artistas que trazem suas condições reais para a ficção. A atriz, que possui nanismo, ficou conhecida nacionalmente por seu papel na novela “O Outro Lado do Paraíso”, em que interpretou a personagem Estela. Sua atuação recebeu elogios por trazer visibilidade e representação para pessoas com nanismo na televisão brasileira.
Assim como Manuela e Juliana, diversos outros atores internacionais com deficiência têm desempenhado papéis em produções, interpretando personagens com as mesmas condições. Entre eles, R. J. Mitte, conhecido por seu papel como Walter Júnior na série “Breaking Bad”, compartilha com seu personagem a condição de paralisia cerebral. Adam Pearson, além de ator, é ativista e apresentador, tendo participado do filme “Sob a Pele” e se destacando por sua luta contra a Neurofibromatose.
Marlee Matlin fez história como a primeira e única atriz surda a ganhar um Oscar por sua atuação brilhante em “Children of a Lesser God”. O ator Peter Dinklage, que possui acondroplasia, deixou sua marca em Game of Thrones e em diversos filmes, destacando-se por sua estatura e talento inegável. Esses são apenas alguns dos artistas que por meio de seus personagens trazem sua realidade para a ficção.
Autenticidade na atuação
Ao escalar atores com deficiências para papéis que representam essas condições, os cineastas e produtores estão contribuindo para a quebra de estereótipos e preconceitos relacionados a essas condições. Infelizmente muitos personagens com deficiências já foram retratados de maneira estereotipada ou simplificada e isso perpetua uma visão limitada e distorcida da capacidade e diversidade humana.
Quando se permite que atores com deficiências, as produções ganham uma autenticidade única e enriquecedora, o que proporciona uma representação mais precisa e inclusiva. Para o público que também possui essas condições a experiência é ainda mais enriquecedora. Ver pessoas como elas mesmas representadas de forma positiva e realista na tela pode ser incrivelmente significativo e capacitador.
Isso envia uma mensagem poderosa de que suas vozes, suas experiências e suas vidas importam e merecem ser celebradas e reconhecidas, inclusive em produções audiovisuais. Para que isso ocorra é necessário que essas representações sejam feitas de forma leve e sensível, não apenas enxergando a deficiência, mas entendendo que os atores que a possuem devem ser tratados com o mesmo profissionalismo e consideração que qualquer outro membro do elenco.
É essencial evitar estereótipos e clichês, assim como não utilizar a deficiência como um mero artifício de enredo. Em vez disso, o enfoque deve ser na complexidade e na humanidade dos personagens, que, apesar de possuírem deficiências, têm suas identidades muito além disso.
Portanto, a inclusão de atores com deficiências na indústria do entretenimento é uma etapa essencial rumo a uma representação mais autêntica, diversa e inclusiva. Esses artistas trazem uma gama rica de experiências e perspectivas que enriquecem as narrativas e desafiam as percepções convencionais já utilizadas.
Ao apoiar e valorizar a presença desses atores estamos no caminho para construir um mundo do entretenimento mais justo, compassivo e verdadeiramente representativo, pois a inclusão positiva de pessoas com deficiências físicas na mídia inspira e impacta positivamente a indústria do entretenimento.