
Remakes: nostalgia para sobreviver
- 23 de abril de 2025
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- Theillyson Lima
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Se for preciso relembrar o passado para alcançar a felicidade, que ele também sirva como impulso para lutar por um futuro.
Victor Bernardo
O século XXI é o século do retorno. Época em que tudo volta à moda, em que músicas antigas são recuperadas ou regravadas, filmes e séries retratam décadas passadas (nem sempre com fidelidade) e remakes fazem mais sucesso do que ideias originais.
Nos games, versões atualizadas de títulos clássicos reacendem memórias afetivas com gráficos e narrativas repaginadas. Na moda, tendências dos anos 90 e 2000 reaparecem. O passado parece ser o presente de novo – e também o futuro. Até na política, tendências conservadoras que pareciam ter ficado no século passado voltam à tona. A história é cíclica.
Parecem existir poucas histórias novas a serem contadas, enquanto o público anseia por algo conhecido e nostálgico. O futuro dá medo, o que gera um apego ao passado. Se essa é a tendência, que venham mais remakes – desde que ajudem a compreender o passado, para que o futuro seja diferente.
Por que é preciso reviver o passado?
O Relógio do Juízo Final é uma metáfora que representa a proximidade da humanidade com a autodestruição. Quanto mais perto da meia-noite estiverem os ponteiros, mais iminente será o colapso global.
Ele foi criado em 1947, depois da Segunda Guerra Mundial, por um grupo de cientistas nucleares da revista Bulletin of the Atomic Scientists. Na época, faltavam sete minutos para a meia-noite. Na última atualização, em janeiro deste ano, ele marcou 89 segundos para o fim do mundo. O mais próximo que já esteve da meia-noite.
A vida como se conhece é diariamente destruída. O lazer e o trabalho se misturaram e, com a internet, surgiu um novo jeito de se comunicar. As fontes tradicionais de conhecimento e autoridade – como a mídia e as universidades – perderam espaço e importância. Até mesmo as relações pessoais mudaram e ficaram mais frágeis, influenciadas pelas regras do sistema neoliberal que não tem outra preocupação a não ser o lucro.
O mundo tem medo do futuro porque talvez ele não exista. Se espera por um apocalipse que parece inevitável. Seja um desastre climático, uma guerra nuclear, a fome ou uma pandemia, a única certeza é que o fim está próximo. O planeta sempre parece por um fio.
Diante disso, as pessoas buscam um lugar confortável, que as lembre de tempos mais simples. Não é raro encontrar relatos de adultos que sentem falta dos tempos de escola, da simplicidade da infância e da falta de preocupações financeiras. O sociólogo Zygmunt Bauman cunhou o termo “retrotopia” para descrever essa fuga: quando o futuro parece hostil, o passado se torna um refúgio.
A indústria cultural, ciente deste comportamento, aposta na segurança do conhecido. Remakes, reboots e spin-offs minimizam riscos financeiros, já que dialogam com públicos formados e afetivamente envolvidos. Trata-se de uma lógica de produção que privilegia a repetição, mesmo que isso comprometa a inovação.
O objetivo, claro, é o lucro. Mas isso não impede que algumas boas lições sejam tiradas desse modelo de negócio.
Que venham mais remakes
Esse apego ao passado pode parecer ruim, uma tentativa de se imunizar aos problemas do mundo real. Talvez realmente seja prejudicial, em algum nível. Apesar disso, é difícil problematizar uma vontade genuína de buscar felicidade e conforto. Em um mundo em que boa parte da população vive para trabalhar e qualquer alegria é luxo, isso deve ser valorizado.
Sendo assim, faz sentido aproveitar esse sentimento para despertar um novo: a vontade de lutar pelo futuro.
Um remake de Vale Tudo pode colocar em pauta a discussão sobre famílias oligárquicas no Brasil, como os Roitman. Live-actions de clássicos da Disney apresentam uma nova geração a histórias sobre aceitação, amizade, cooperação e respeito.
Cada nova versão de Nasce Uma Estrela pode reacender debates sobre os abusos da indústria musical. A adaptação mais recente, de 2018, trata da visibilidade feminina na indústria musical e a pressão da fama em tempos de exposição digital. Segue o clássico, mas adaptado a um problema atual.
Claro, todos esses temas poderiam ser apresentados em novas histórias. Mas, se a população responde melhor a tramas conhecidas, faz sentido unir o útil ao agradável.
O filósofo e poeta George Santayana disse que “aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”. Portanto, que venham mais remakes. Que as pessoas se lembrem de como o mundo pode ser bom, e se engajem em salvá-lo. Que revejam os erros cometidos pela humanidade, para não repeti-los. Faltam 89 segundos para a meia noite.