
A desvalorização do cinema nacional
- 5 de março de 2025
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- Theillyson Lima
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O “Auto da Compadecida 2” registrou a maior estreia nacional de 2024.
Késia Grigoletto
Os últimos meses foram repletos de notícias a respeito de Ainda Estou Aqui. O longa dirigido por Walter Salles ganhou uma grande projeção no cenário mundial. Salas de cinemas lotadas mundo afora, com pessoas que tiveram a oportunidade de entender um período marcante, doloroso e importante da história do Brasil. A atuação de Fernanda Torres como Eunice Paiva comoveu o Brasil e o mundo.
Mas, para além de “Ainda Estou Aqui”, o que é o cinema nacional? O cinema brasileiro é desvalorizado e insignificante? Existem filmes que representem a realidade brasileira? Você sabia que pelo menos dez filmes brasileiros já concorreram ao Oscar em alguma categoria?
O que é o cinema nacional?
O cinema nacional iniciou em 1898, com a exibição de oito curtas para a elite carioca. As produções brasileiras são responsáveis por configurar a identidade nacional e traduzir a diversidade cultural, social e geográfica do país.
No auge da ditadura militar, devido aos problemas impostos pela censura, a indústria sobreviveu com filmes de consumo fácil, conteúdos simples e repletos de conteúdo sexual. Esses filmes de conteúdo sexual, ficaram conhecidos como pornochanchadas, com narrativas repletas de críticas sociais. A perspectiva cômica e de ar lascivo, com textos ambíguos e contextos dúbios, tentava driblar a censura de alguma forma.
Mesmo que, 80% das produções nacionais da época fossem representadas por pornochanchadas, alguns diretores resistiram aos problemas do sistema ditatorial e produziram filmes com cunho social, entre eles estavam, Sílvio Back com “Aleluia Gretchen”; Hugo Carvana com “Vai trabalhar vagabundo” e Bruno Barreto com “Dona Flor e seus dois maridos”.
Já na década de 90, a trajetória do cinema no Brasil é repleta de diversidade e variações de temas e enfoques. Ao longo dos anos, o cenário cinematográfico nacional está em constante evolução, buscando diversificar os gêneros e os públicos. Além disso, a existência de um cinema que com as mais variadas obras, expressa a realidade do seringueiro, do retirante ou do dono de terras, e que foi capaz de protagonizar desde Chicó até Eunice Paiva, é símbolo de resistência e talento infinito.
O cinema brasileiro é desvalorizado e insignificante?
A pornochanchada é uma das razões pelas quais, grande parte da população brasileira cresceu ouvindo que o cinema brasileiro se resume em “palavrões e sensualidade”. No entanto, a produção cinematográfica nacional, ultrapassa esses estereótipos enraizados e superficiais. Contudo, a falta de recursos é um dos maiores problemas do setor. Durante o governo Bolsonaro, o país ficou praticamente quatro anos sem produzir. O cinema de um país é reflexo da narração de sua história e características, o que incomoda grande parte dos governantes.
A ausência de investimentos, gera desvalorização e uma inferiorização da cinematografia brasileira. Em 2021, o Datafolha divulgou que 19% da população entrevistada nunca foi ao cinema assistir um filme originalmente brasileiro. Isso significa, que diante de um filme nacional, que valoriza a cultura brasileira e uma produção hollywoodiana, a indústria americana estará em primeiro lugar para pelo menos 19% da população.
Infelizmente, isso se reflete na realidade da educação. Viver de arte em um país como o Brasil é praticamente impossível e ser artista não é profissão. Consequentemente, o pensamento crítico é pouco desenvolvido ou quase inexistente e transforma a arte em artigo elitizado e não acessível às populações de baixa renda, o que gera a desigualdade social ainda maior.
A valorização de “Ainda Estou Aqui” foi muito particular, por se tratar de um período delicado da história do país, por ser baseado em fatos reais. Todavia, a maioria das obras nacionais são desvalorizadas e isso acontece em face da supervalorização da cultura americana, e da famosa síndrome de “vira-lata”. A desvalorização da produção nacional começa pelo governo do país e se estende ao cidadão.
Existem filmes que representem a realidade brasileira ?
Um dos filmes brasileiros mais memoráveis, é o longa “Cidade de Deus”. Baseado em fatos reais, o filme aspira retratar a vida das pessoas que vivem na comunidade Cidade de Deus no Rio de Janeiro, com a história de Buscapé no protagonismo. Assim como “Cidade de Deus” muitos outros filmes retratam as diferentes realidades vividas pelos brasileiros, entre eles estão: Tropa de Elite, Bruna Surfistinha, Carandiru, Zuzu Angel, Olga, Última Parada 174, Central do Brasil.
Você sabia que pelo menos dez produções feitas no Brasil foram indicadas ao Oscar ?
Para os que pensam que o cinema nacional não possui a mínima visibilidade internacional, estão tremendamente equivocados, é verdade que existe um grande preconceito da Academia para com filmes latinos, mas, isso não significa que produções brasileiras não sejam notadas, ou até mesmo reconhecidas em um pequeno grau.
Pelo menos, dez filmes filmados ou produzidos em solo nacional, já foram indicados ao Oscar:
- O Pagador de Promessas (Melhor Filme Internacional – 1963)
- O Quatrilho (Melhor Filme Internacional – 1996)
- O Que é Isso Companheiro ? (Melhor Filme Internacional – 1998)
- Central do Brasil (Melhor Filme/ Melhor Atriz – 1999)
- Uma História de Futebol (Melhor Curta-metragem em Live-action – 2001)
- Cidade de Deus (Melhor Direção/ Melhor Roteiro Adaptado/ Melhor Fotografia/ Melhor Montagem/Edição – 2004)
- Lixo Extraordinário (Melhor Documentário em Longa Metragem – 2015)
- O Menino e o Mundo (Melhor Animação- 2015)
- Democracia em Vertigem (Melhor Documentário em Longa Metragem- 2020)
- Ainda Estou Aqui (Melhor Atriz/ Melhor Filme/ Ganhador de Melhor Filme Internacional – 2025)
O cinema nacional não pode ser resumido em frivolidades, o Brasil é um país que sabe fazer cinema e que precisa ser reconhecido por isso. “Ainda Estou Aqui” é uma oportunidade de sentir que o Brasil é merecedor do reconhecimento internacional e de que sua arte precisa ser valorizada.