
Que comecem os jogos políticos
- 5 de março de 2025
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- Theillyson Lima
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Compromisso social ou jogada política para manter o Oscar vivo?
Vefiola Shaka
Em meio ao espetáculo do Oscar 2025, o evento se tornou um verdadeiro campo de batalha ideológico, no qual cada prêmio traz consigo, além do mérito técnico, uma narrativa de comprometimento político e social. A mídia cheia de manchetes e simplificações, reproduziu sem crítica os discursos apaixonados dos vencedores e transformou o tapete vermelho em um palco para que arte e política se encontrassem.
O documentário palestino israelense No Other Land, foi uma das premiações que com certeza o Oscar acertou. O projeto nasceu como um manifesto contra injustiças históricas e seu diretor aproveitou a visibilidade das premiações para reforçar a urgência de mudanças profundas na sociedade. O fato das premiações terem acontecido nos Estados Unidos ampliou o seu impacto e voz. Mas a mídia, ao exaltar momentos como esse, muitas vezes os reduz a símbolos fugazes, sem aprofundar as questões que os tornaram necessários.
“O AGORA” desta premiação não pode se perder no ciclo de notícias nem na onda do Oscar, mas tem que ser um impulso contínuo para mudanças reais.
Um filme que também chamou atenção de muitos pela sua história, The Brutalist, conta a história de um arquiteto húngaro judeu, um imigrante que se estabeleceu nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, transformando sua jornada pessoal em uma metáfora para os desafios enfrentados pelos imigrantes ao redor do mundo.
Do outro lado, Anora, que dominou a noite das premiações, trouxe uma abordagem igualmente pungente à experiência dos imigrantes e trabalhadores do sexo.
Os vencedores aproveitaram a visibilidade da premiação para dar voz aos trabalhadores do sexo, destacando a luta e a resistência desses indivíduos, muitas vezes marginalizados pela sociedade. Sem esquecer de mencionar que este filme vem em meio a conflitos da Rússia com a Ucrânia e discussões dos Estados Unidos para liberar visto para estrangeiros em torno de muito dinheiro.
No cenário internacional, Ainda Estou Aqui, que reacendeu debates sobre memória histórica e autoritarismo, ressalta o comprometimento do cinema em abordar o passado e o impacto de regimes opressivos. Embora o filme tenha sido um poderoso provocador investigativo, sua narrativa acaba sendo ofuscada pela vitória de Anora, cuja abordagem da experiência dos imigrantes conquistou o pódio e demonstrou a preferência do Oscar por temas que dialogam diretamente com questões contemporâneas.
Em contraste com essas histórias de migração e resiliência, o filme de animação letão, Flow, abriu espaço para uma discussão sobre inclusão geográfica e social. O sucesso da animação mostrou o reconhecimento do potencial de pequenos países e demonstra que talento e inovação não se limitam às grandes potências culturais. Essa conquista, que escapa à instrumentalização ideológica, mostra a importância de dar visibilidade a narrativas diversas e muitas vezes esquecidas.
No entanto, a estreia fez história com Wicked, no qual o figurinista Paul Tazewell se tornou a primeira pessoa negra a vencer na categoria Melhor Figurino. Este marco amplamente celebrado destaca um cenário no Oscar que busca quebrar barreiras e expandir a representação de vozes historicamente marginalizadas.
Enquanto a mídia se deleita com os discursos e posicionamentos, a verdadeira questão é: até que ponto essa instrumentalização do discurso social representa um progresso real ou é apenas uma estratégia para manter o evento relevante e polarizado?
A transformação do Oscar
O Oscar, ao se transformar em um evento de reconhecimento de filmes que discutem questões sociais como guerra, ditadura, imigração e a luta dos negros e asiáticos, tem se distanciado de seu foco inicial na arte pura. Agora, a celebração vai além do talento cinematográfico e se posiciona como uma plataforma política. Filmes que abordam as dificuldades de minorias, os horrores da guerra ou os desafios de regimes autoritários, como Ainda Estou Aqui e The Brutalist, têm ganhado mais destaque, transformando o Oscar em um evento que não apenas premia a arte, mas também a conscientização.
A vitória de Flow, uma animação letã, é uma clara demonstração do reconhecimento das produções de países menores, que tradicionalmente não têm voz no palco global. Esse destaque não apenas rompe com a hegemonia de Hollywood, mas também sublinha a importância de dar visibilidade a questões geográficas, muitas vezes negligenciadas, e a importância de refletir a diversidade de perspectivas de diferentes partes do mundo no cinema global.
Enquanto o Oscar continua a dar espaço para discussões políticas e sociais, surge a pergunta: será que essa crescente ênfase nas questões de imigração, guerra, ditadura e inclusão racial realmente está trazendo mudanças significativas para a indústria cinematográfica? Ou estamos apenas presenciando uma adaptação estratégica para agradar ao público e refletir uma “moda” política, sem realmente tratar das mudanças estruturais necessárias dentro da indústria cinematográfica?
Aparentemente os jogos políticos estão a todo vapor. Cabe à crítica e ao público discernir se essa convergência entre arte e política é uma resposta óbvia a demandas sociais ou se estamos apenas testemunhando a transformação de uma celebração cinematográfica em um palco de disputa ideológica, em que cada discurso é ao mesmo tempo uma performance e uma estratégia para atrair atenção.