TikTok na indústria musical: revolução ou o fim?
- 27 de novembro de 2024
- comments
- Theillyson Lima
- Posted in Análises
- 0
Em pouco mais de 5 anos, o TikTok moldou desde consumo de música até o lançamento de projetos musicais.
Davi Sousa
Imagine ligar o rádio nos anos 80 e ouvir Michael Jackson com “Billie Jean” ou Madonna ditando tendências com “Like a Virgin”. Agora avance algumas décadas e pense nos hits mais recentes, como “Espresso” da Sabrina Carpenter ou “APT” de Rosé com Bruno Mars. Qual é a diferença? A profundidade e a forma de consumir música. Hoje, um hit pode ser resumido a 15 segundos e se tornar um fenômeno global antes mesmo de completarmos a audição completa da faixa. Estamos diante de uma revolução criativa ou de uma era de superficialidade?
Sem dúvida, o TikTok abriu portas para artistas independentes. Casos como o de Lil Nas X, com “Old Town Road”, ou Doja Cat, com “Say So”, demonstram como a plataforma pode impulsionar carreiras sem a necessidade de contratos milionários ou anos de esforço. A democratização do sucesso é real. Com apenas um celular e uma boa ideia, é possível transformar uma música em um fenômeno viral. Porém, essa acessibilidade tem um custo significativo que é a profundidade artística. Músicas não são mais criadas para serem ouvidas durante 5 minutos mas para se encaixarem em um vídeo curto, com refrões pegajosos e batidas fáceis de replicar e pronto: o stream está garantido.
Mas aqui está a questão, a que custo?
Não é sobre contar uma história profunda ou criar uma obra-prima artística atemporal. É sobre produzir algo que encaixe perfeitamente num vídeo curto, que tenha um refrão grudento e que as pessoas possam fazer as famosas dancinhas. Adeus solos longos de guitarra, adeus letras que mexem com a alma. Olá, músicas com no máximo 2 minutos e meio, porque, aparentemente, é tudo o que a nossa geração aguenta escutar antes de deslizar o dedo para o próximo vídeo.
No final, é a música como arte que paga o preço. Ela se torna descartável e sem profundidade. E o que isso diz sobre nós, que aceitamos tão facilmente essa transformação? Que tipo de experiência musical estamos construindo e, pior ainda, que legado estamos deixando para as próximas gerações?
O TikTok é a MTV da nova geração?
Millennial ou não, você deve saber que a MTV teve um papel muito importante para o que conhecemos da cultura pop atualmente. Irrelevante, bem humorada e descolada, um berço para o nascimento de novos artistas e diferente de tudo que havíamos conhecido. Alguma coisa te soa familiar?
Há quem diga que o TikTok é a nova MTV da geração Z. Na década de 1980, a MTV era quem ditava as tendências musicais e dava a oportunidade para que artistas emergentes alcançassem o estrelato, muitas vezes com base em videoclipes chamativos. O TikTok, de certa forma, assumiu esse papel. Só que enquanto na MTV tínhamos videoclipes elaborados de 3 a 4 minutos, no TikTok temos vídeos de 15 segundos, muitas vezes feitos sem planejamento ou produção.
Assim como a MTV, o TikTok é responsável por popularizar estilos musicais e lançar modas. O problema é que, ao contrário dos anos dourados da MTV, a nova tendência do TikTok parece reduzir a música a um acessório de fundo para dancinhas e trends rápidas. A música não é mais o produto principal, e sim um complemento para o que viraliza visualmente. As letras profundas e os álbuns conceituais perdem espaço para refrões repetitivos e batidas fáceis de digerir.
Em 2022, a jovem cantora norte-americana Gayle, então com 17 anos, alcançou um marco significativo na indústria musical com sua música abcdefu. A faixa rapidamente se tornou um dos maiores sucessos do ano, conquistando uma indicação ao Grammy na categoria Song of the Year e figurando entre as 10 principais músicas do chart anual da Billboard Hot 100. No entanto, o que inicialmente parecia um exemplo de sucesso orgânico acabou gerando controvérsias.
A polêmica começou quando usuários do TikTok expuseram uma suposta estratégia de marketing orquestrada pela gravadora Atlantic Records, responsável por gerir a carreira de Gayle. Segundo as alegações, a campanha envolveu comentários planejados em postagens da cantora, dando a impressão de que a música surgiu espontaneamente, como uma resposta a pedidos do público. A descoberta levantou questionamentos sobre a autenticidade do processo, expondo um possível uso das mesmas táticas tradicionais das grandes gravadoras em um formato adaptado às dinâmicas do TikTok.
Até que ponto a plataforma, conhecida por sua aura de espontaneidade e democratização, está realmente revolucionando o setor? Ou será que está apenas replicando práticas já conhecidas, mas disfarçadas de autenticidade? A controvérsia em torno de abcdefu exemplifica o delicado equilíbrio entre inovação e manipulação em um mercado cada vez mais moldado pelas redes sociais.
O futuro da música em tempos de TikTok
Hoje, um jovem com um celular pode alcançar milhões, transformando um quarto apertado em um palco global. Mas será que estamos preparados para lidar com os desafios que essa nova era traz?
Enquanto celebra-se a democratização do sucesso, há um custo que muitos ignoram: a pressão implacável sobre os criadores. Um hit viral é tanto uma bênção quanto uma maldição, pois a mesma plataforma que eleva também derruba. É como uma corrida em que o artista precisa manter o ritmo ou será deixado para trás. Isso afeta não apenas os músicos, mas a música em si. O que estamos perdendo nesse ritmo frenético?
Artistas consagrados da música já admitiram que suas gravadoras os pressionam a criar músicas nos moldes do TikTok, buscando um retorno rápido em visualizações e visibilidade. Um exemplo emblemático é o da cantora britânica Adele, conhecida por sua voz poderosa e letras emocionantes. Durante o lançamento de seu álbum 30, em 2021, Adele revelou em entrevista à Apple Music que o TikTok foi pauta de discussões no estúdio.
“Se todo mundo está fazendo música para o TikTok, quem está fazendo música para a minha geração?” perguntou a cantora. E completou: “Quem está fazendo música para meus colegas? Farei esse trabalho, com prazer.”
A declaração de Adele levanta uma questão importante que se até artistas do porte dela enfrentam pressões para se adequar às tendências da plataforma, como essa realidade impacta músicos em início de carreira, que dependem ainda mais da aprovação das gravadoras e do público para se estabelecerem na indústria?
O preço da relevância instantânea
No universo do TikTok, o sucesso é instável. Um artista pode explodir com um refrão chiclete, mas o que acontece depois? A pressão para repetir a fórmula é tão esmagadora que muitos acabam sucumbindo ao desgaste criativo. Não é raro vermos nomes que dominaram as paradas desaparecem tão rápido quanto surgiram, os famosos one hit wonder.
A ansiedade que isso gera nos artistas é real. Como inovar quando tudo o que importa é se encaixar na próxima trend? A música deixa de ser uma forma de expressão para se tornar um produto formatado, projetado para capturar curtidas e reproduções. Essa lógica molda até mesmo como ouvimos música: queremos tudo rápido, fácil e descartável. Será que ainda conseguimos nos conectar com canções que exigem tempo para serem apreciadas?
Mas o impacto do TikTok na indústria vai além das tendências passageiras. Um estudo conduzido pelo portal Vox e pelo The Pudding mostrou que o fenômeno viral da plataforma pode, de fato, mudar o panorama da carreira de artistas independentes. A pesquisa analisou dados de 125 músicos que viralizaram no TikTok em 2020 e revelou que quase todos eles tiveram um aumento significativo nos ouvintes mensais no Spotify logo após a viralização. Um exemplo marcante foi o de um artista que passou de 0 ouvintes mensais em agosto de 2021 para 3,4 milhões em outubro do mesmo ano.
Além disso, o estudo apontou que 46% desses artistas assinaram contratos com grandes gravadoras após suas músicas se tornarem populares no TikTok. Isso destaca o chamado “Pipeline do TikTok para o Spotify”, em que a viralização na plataforma chinesa não apenas eleva o número de reproduções, mas também impacta diretamente o mercado musical, incluindo negociações de royalties e contratos.
Por outro lado, será que ainda conseguimos nos conectar com canções que exigem tempo para serem apreciadas? Ou a busca por relevância instantânea está nos roubando a essência da música?
O mais preocupante é como isso afeta a qualidade do que consumimos. Quando a arte é feita para atender um algoritmo, a profundidade e a originalidade correm o risco de serem sacrificadas. Estamos transformando a música em um produto de prateleira, pronto para consumo, mas vazio de significado.
Nós fazemos parte do problema?
É fácil apontar o dedo para o TikTok ou para os artistas, mas e nós, consumidores? O algoritmo da plataforma não surge de maneira espontânea; ele reflete as nossas escolhas, as músicas que priorizamos, aquelas fáceis de assimilar, rápidas de consumir e que não exigem esforço emocional. Se continuarmos nesse ciclo, estamos condenando a música a um futuro no qual a superficialidade será a norma, em que o que importa é apenas o “agora” e não a profundidade.
Por outro lado, o TikTok também tem o potencial de ser uma ferramenta de descoberta genuína. Ele oferece uma plataforma na qual artistas independentes podem surgir e alcançar vozes que jamais teriam sido ouvidas. Estamos dispostos a procurar por qualidade, a dar espaço para a inovação e para aqueles que buscam mais do que a fama instantânea, ou vamos nos contentar com o que é entregue a nós de forma superficial?
Estamos em uma encruzilhada. O TikTok não precisa ser o vilão dessa história. Ele pode coexistir com a arte, com a profundidade musical, mas isso requer um esforço coletivo. Não apenas das gravadoras, dos artistas, mas de nós, os ouvintes. Precisamos reavaliar o que procuramos na música e o que estamos dispostos a apoiar.
A música sempre foi uma das expressões mais poderosas da humanidade. Ela conecta, transforma, ressoa com a nossa dor e celebra nossas vitórias. Muitas vezes, ela dá sentido ao caos que enfrentamos. O grande desafio agora é garantir que a música continue a cumprir esse papel em um mundo que constantemente prioriza o rápido e o descartável. A pergunta que fica é se ainda sabemos ouvir, ou estamos apenas passando por mais uma trend?