A faca de dois gumes do jornalismo no TikTok
- 27 de novembro de 2024
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- Theillyson Lima
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Entre o imediatismo e a credibilidade, o jornalismo respira por aparelhos.
Victor Bernardo
O aumento do acesso à internet reconfigurou a forma como se desenha o jornalismo no Brasil. A presença constante das redes sociais na vida dos brasileiros tem aumentado nos últimos anos, fazendo com que diversas atividades do cotidiano sejam redesenhadas, inclusive o consumo de notícias. Uma pesquisa publicada pela Veja em 2022 revelou que 96% dos usuários de smartphone no Brasil consomem conteúdos jornalísticos em seus dispositivos.
Os chamados “nativos digitais”, aqueles que já nasceram em meio à realidade da internet, processam informações de maneira completamente diferente das gerações anteriores, conforme explica o pesquisador Marc Prensky. Hoje, como jovens adultos, é essa a geração que dita as novas tendências no consumo e produção de conteúdo. Claro, isso também impacta a produção de notícias.
Todo ano, o Reuters Institute e a Universidade de Oxford divulgam um levantamento sobre a indústria de notícias no meio digital. A edição do ano passado mostrou que as gerações mais novas “costumam dar mais atenção a influenciadores ou celebridades do que a jornalistas, mesmo quando se trata de notícias”.
Ainda segundo o levantamento, o TikTok atinge cerca de metade do público entre 18 e 24 anos em relação ao consumo de notícias.
Informação em plataformas digitais já é uma realidade. Agora, cabe ao jornalismo entender o que precisa ser feito para se adaptar a esse já não tão novo meio, pois parece cada vez mais claro que existe um público que não será alcançado de outra forma.
O que já tem sido feito
Grandes veículos de comunicação, como CNN Brasil, G1, Estadão e Folha de S. Paulo, já estão presentes no TikTok, tentando adaptar seus formatos tradicionais para atender a esse público mais jovem.
A presença desses veículos na plataforma demonstra que o jornalismo já percebeu a necessidade de se adaptar às novas formas de consumo de informação. A linguagem visual, rápida e dinâmica da plataforma exige dos jornalistas a criação de vídeos concisos, com edição ágil e uso de efeitos visuais que capturem a atenção do público. Essa nova abordagem, no entanto, nem sempre é bem-sucedida.
O perfil da CNN Brasil no TikTok, por exemplo, destaca-se pela produção de vídeos curtos e informativos, com linguagem clara e objetiva. Já o G1 aposta em uma abordagem mais leve e descontraída, utilizando humor e memes para abordar temas do dia a dia. O Estadão e a Folha, por outro lado, têm conteúdos relativamente lentos, que quase parecem uma tentativa de fazer telejornalismo em uma tela menor. Não chamam a atenção e não se aproveitam das características da plataforma.
Um ponto positivo aproveitado por alguns veículos é a possibilidade de interação com o público. Desde respostas a comentários, passando por enquetes e questionários até conteúdos ao vivo, é possível perceber uma tentativa de incluir o usuário no conteúdo.
O que todos têm em comum é o imediatismo. Assim como outras plataformas digitais, o TikTok não permite que um assunto espere. Se não se acertar o timing da publicação, aquela temática pode não estar mais em alta, e o algoritmo será impiedoso.
Credibilidade na internet
Não é novidade para ninguém que o meio digital gera desconfiança. A disseminação de notícias falsas pode influenciar decisões políticas, econômicas e sociais, polarizar a sociedade e minar a confiança nas instituições. Além disso, pode ter um impacto negativo na saúde pública, como no caso da pandemia de Covid-19.
No caso do jornalismo, que deveria se diferenciar disso, a busca por audiência e engajamento pode levar os veículos de comunicação a priorizarem a rapidez e o apelo emocional em detrimento da profundidade e da precisão das informações. Essa dinâmica, por sua vez, alimenta a desconfiança do público, que cada vez mais tem dificuldade em distinguir o que é verdade do que é mentira.
Paralelamente a esse fator, o já mencionado estudo do Reuters Institute mostrou na última edição uma redução de dois pontos percentuais da confiança no jornalismo em relação ao ano anterior. Ou seja, cada vez menos se confia em jornalistas, de maneira geral.
Se a internet por si só gera desconfiança e o jornalismo tem perdido credibilidade, parece um tiro no pé adotar formatos que colocam ainda mais em xeque a qualidade da informação.
Por outro lado, a própria ausência do jornalismo profissional nesse meio (os movimentos de adaptação às redes sociais são recentes) pode ter contribuído para a propagação da desinformação. Se o conteúdo jornalístico não está lá ou não é interessante, o público procura outra fonte. No fim, essas lacunas são preenchidas por influencers e perfis de “notícias” sem credibilidade alguma.
Parece um beco sem saída, e realmente não existe resposta simples. Cabe ao jornalismo profissional encontrar o equilíbrio entre os formatos e linguagens inovadoras, a rapidez e manutenção dos princípios éticos e profissionais da atividade jornalística.
E se não encontrar esse equilíbrio? Das duas, uma: ou se perde a qualidade em nome do engajamento e a falta de credibilidade do jornalismo se alastra, podendo até colocar em xeque confiança no jornalismo “tradicional”, ou ninguém consome esse conteúdo, e toda uma geração vai seguir se informando por meio de influencers.
Por fim, é preciso que o esforço seja conjunto entre jornalistas, plataformas digitais e sociedade civil. É fundamental investir em educação midiática, para que as pessoas sejam capazes de identificar e avaliar criticamente as informações que consomem. Também é essencial que as plataformas digitais criem ferramentas e mecanismos para combater a desinformação e proteger seus usuários.
Ainda dá tempo, mas, se nada for feito, o futuro tende a ser sombrio.