O caos perfeito
- 16 de outubro de 2024
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- Theillyson Lima
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Entre erros e acertos, a imprensa brasileira se sai bem de uma cobertura que tende a ser caótica.
Victor Bernardo
Ninguém pode dizer que trabalhar nas eleições seja uma tarefa fácil. O pleito municipal de 2024 reuniu mais de 150 milhões de eleitores nas 5.569 cidades brasileiras, movimentando forças policiais, tribunais, equipes de limpeza, mesários e, claro, a imprensa.
As repercussões das eleições municipais são imensas, com o envolvimento de grandes nomes da política nacional e muitos resultados para se acompanhar. Existem poucas eleições dessa magnitude no mundo, nenhuma tem resultados conhecidos de maneira tão veloz. Com isso, o papel do jornalismo é fundamental.
Apesar do enorme volume de trabalho, nada fugiu muito do padrão. Ao contrário do pleito de 2022, o dia das eleições deste ano foi o mais tranquilo possível. A imprensa brasileira está acostumada com esse tipo de cobertura, e tudo já segue um roteiro bem esquematizado.
Minuto a minuto
O dia começou com o acompanhamento em tempo real da votação. Todo grande portal de notícias teve páginas dedicadas à cobertura em tempo real dos principais fatos relacionados ao pleito. Notícias, curiosidades, crimes eleitorais e o momento do voto dos principais candidatos foram os fatos noticiados, de forma geral.
A TV seguiu um padrão semelhante. Canais especializados em notícias deram espaço a correspondentes em todo o Brasil ao longo da programação, intercalando essas participações com apresentadores e comentaristas políticos. Já as emissoras abertas, em geral, trouxeram boletins recorrentes atualizando a situação eleitoral.
Com a crescente relevância das redes sociais na política nacional, também foi possível acompanhar o pleito em tempo real por essas plataformas. Diversos perfis, inclusive não especializados em política, fizeram questão de seguir a votação, muitas vezes reproduzindo informações dos veículos tradicionais.
Tudo isso é bem feito do ponto de vista da notícia, e dificilmente algum fato importante passa sem menção, mas alguns problemas puderam ser identificados.
Como é praxe durante toda campanha eleitoral, no dia das eleições a imprensa tradicional também ignorou solenemente as candidaturas de partidos menores. As candidaturas que não tiveram tempo de TV e sequer foram chamadas aos debates foram deixadas de lado nas análises e informações do domingo eleitoral.
Enquanto isso, as redes sociais acabam tendo coberturas enviesadas e, principalmente, abrindo espaço para fake news.
Especulações, projeção e os resultados
Havia um problema recorrente na cobertura de eleições, a chamada pesquisa boca de urna. Institutos de pesquisa costumavam entrevistar eleitores na saída dos locais de votação, projetando os vencedores com base nesses dados, antes da apuração oficial.
Além de ser desnecessária, dada à velocidade com que os resultados oficiais são divulgados, a prática poderia acarretar em problemas como o questionamento dos resultados, caso houvesse alguma divergência entre a pesquisa e o resultado oficial.
Especialmente nas redes sociais, era comum ver esse tipo de conteúdo sendo veiculado. O fim desse costume colabora muito para evitar projeções desnecessárias e às vezes até enganosas.
Ainda assim, é comum ver programas de TV debatendo os prováveis resultados do pleito antes da apuração oficial, com base nas últimas pesquisas de intenção de votos. A GloboNews, por exemplo, passou um bom tempo debatendo o segundo turno da cidade de São Paulo sem a oficialização dos resultados. Especialmente em uma corrida tão acirrada, parece um risco desnecessário prever resultados dessa forma.
Quando, enfim, os resultados oficiais começam a chegar, acontece o grande momento – e também o mais caótico – de qualquer cobertura eleitoral. Além de páginas especiais vinculadas ao TSE para divulgação da apuração, a TV acompanha minuto a minuto a evolução da porcentagem de urnas abertas.
Enquanto isso, jornalistas especializados tecem comentários e análises dos candidatos nas capitais. Nesse momento, cumpre-se bem a função mais básica do jornalismo, informando e contextualizando o público sobre a situação política das grandes cidades do país.
O papel do jornalismo investigativo
Não é segredo pra ninguém que muitos crimes eleitorais são cometidos no dia do pleito. A imprensa costuma denunciar a distribuição dos chamados “santinhos” e outras formas de propaganda irregular, mas muita coisa acaba sendo deixada de lado, especialmente nas cidades menores.
O Ministério da Justiça informou que 22 candidatos foram presos – inclusive em Boa Vista, uma capital estadual – e mais de R$ 50 milhões apreendidos por suspeita de compra de votos.
Para a imprensa, bastou divulgar esses dados, sem buscar detalhes sobre os interesses por trás disso, quem eram esses candidatos ou a origem do dinheiro. A tendência é que os infratores sofram alguma punição, mas em pouco tempo isso seja esquecido, e com certeza volte a acontecer daqui a dois anos.
Além disso, não é difícil imaginar que outras tentativas de cooptação tenham passado despercebidas pela Polícia Federal. O jornalismo pode e deve auxiliar o poder público no sentido de investigar questões como essa, desmascarando os criminosos responsáveis por isso.
O uso da tecnologia
Apesar de alguns problemas na cobertura, o saldo geral é muito positivo. Um dos grandes destaques é o uso da tecnologia, presente na listagem de candidatos, na apuração em tempo real, divulgação de resultados, entre outros momentos.
Antes do pleito, por exemplo, o G1 já havia produzido mais de 5 mil reportagens automáticas com as listas de candidatos a prefeito e vereador de cada uma das cidades brasileiras.
No dia da eleição, diversos portais de notícias como UOL, Folha e CNN produziram as já mencionadas páginas de apuração em tempo real. Vinculadas aos dados do TSE, elas atualizavam automaticamente os resultados em todas as cidades do país. O eleitor podia pesquisar qualquer município brasileiro, analisar um mapa com a apuração e até consultar a votação por zona eleitoral, a depender da região.
Por fim, conforme o Tribunal finalizou a divulgação dos resultados, o G1 escreveu reportagens indicando o vencedor em cada um dos municípios, também contando com a inteligência artificial. Com dados coletados de forma automática, o conteúdo trazia o vencedor, porcentagem dos votos, uma breve biografia, as contas eleitorais, histórico dos mandatários, vereadores eleitos, entre outras informações.
Para cidades pequenas, que dificilmente tem uma cobertura individualizada nestes eventos, esse tipo de conteúdo é importante, embora possam ser levantados alguns dilemas éticos na criação de textos 100% com inteligência artificial.
Entre erros e acertos, a imprensa brasileira se saiu bem de um dia muito exigente. Às vezes, é difícil ter dimensão do tamanho do trabalho que a cobertura de eleições significa, e o jornalismo merece todos os aplausos por isso. No entanto, não se pode perder de vista a necessidade de corrigir alguns problemas.