Acontece nos EUA, acontece no Brasil?
- 4 de setembro de 2024
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- Theillyson Lima
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Os erros e acertos da cobertura brasileira das eleições dos EUA.
Victor Bernardo
É difícil contestar a afirmação de que os Estados Unidos da América sejam a maior potência do mundo. O país tem a maior economia do planeta, com um PIB de mais de US$ 28 trilhões – mais de US$ 10 trilhões de vantagem pro segundo colocado.
Também tem influência diplomática – para o bem ou para o mal – em quase todos os países do mundo. Já foi comprovadamente responsável por golpes e quedas de diversos governos ao redor do globo, além de ser o líder da maior aliança militar do planeta.
Esse é o país que vai às urnas no dia 5 de novembro, para eleger seu líder para os próximos quatro anos. Não é surpresa, em um mundo muito globalizado, que veículos de imprensa de diversos países, inclusive do Brasil, estejam repercutindo a corrida eleitoral da potência norte-americana.
A cobertura brasileira
Em agosto do ano passado, quando ainda faltava mais de um ano para o pleito, é possível encontrar notícias a respeito das eleições estadunidenses na mídia brasileira. À época, o ex-presidente Donald Trump enfrentava julgamento na Geórgia por tentar subverter sua derrota no estado em 2020.
Desde então, o ex-presidente passou por outras acusações judiciais e se beneficiou de uma decisão da Suprema Corte para poder concorrer. Enquanto isso, o presidente Joe Biden – que teve até as faculdades mentais questionadas – viu sua candidatura ruir e se retirou do pleito, sendo substituído por sua vice, Kamala Harris.
O Brasil pôde acompanhar tudo isso nos mínimos detalhes. Com dezenas de notícias, reportagens e artigos de opinião, além de coberturas em telejornais e atualizações quase diárias, a chamada imprensa tradicional tem tratado essas eleições quase como se fosse um pleito brasileiro. E se forem seguir o padrão de 2020, é de se esperar uma enorme mobilização pelas apurações também.
A já mencionada relevância do país no âmbito global com certeza é uma justificativa para o tamanho da cobertura, embora não se veja tamanha preocupação em relação a outras grandes potências – as eleições no Partido Comunista Chinês em 2023, por exemplo, foram quase totalmente ignoradas pela mídia. Justo ou não, é fato que as eleições americanas são muito acompanhadas, o que não impede alguns erros na cobertura brasileira.
Muito detalhe, pouca explicação
Com uma análise tão ampla, muitos aspectos do pleito vêm sendo acompanhados. Todos os grandes eventos, comícios e convenções são noticiados, frequentemente se analisam as novas pesquisas, a situação nos chamados estados-chave, etc.
Na semana em que esse texto é escrito, acontece a convenção do partido Democrata, que referendou a candidatura de Kamala Harris. No Brasil, g1, UOL, CNN Brasil e todos os grandes meios de comunicação têm acompanhado de perto o evento, analisando cada discurso.
Em contrapartida, a última vez que algum desses veículos explicou como funciona o confuso pleito norte-americano – com voto indireto e um sistema de delegados – foi em março, há mais de cinco meses.
Um pouco melhor, mas ainda insuficiente é a explicação de como efetivamente a decisão dos estadunidenses em novembro deve impactar o Brasil. Meio-ambiente, avanço do conservadorismo, impostos, política externa, reação aos conflitos no mundo… tudo isso e outras coisas passam pela relação diplomática entre Brasil e Estados Unidos, o que tem sido pouco abordado na imprensa.
Pode parecer óbvio pela relevância do país no jogo de xadrez global, mas o jornalismo muitas vezes precisa explicar o “óbvio”.
A imprensa se posiciona?
O padrão do jornalismo é transparecer uma isonomia, especialmente quando se trata de política. Apesar disso, é comum ver posicionamentos velados nos principais veículos de imprensa, pelo menos nas eleições brasileiras, afinal o jornalismo 100% isento não existe.
Desde a escolha de pautas, de quais informações priorizar, a forma como se constroem as frases, tudo revela certos posicionamentos, muitas vezes editoriais.
Na cobertura das eleições americanas, não é muito diferente, pois o impacto que essa decisão tem no Brasil não é pequeno. Embora a opinião pública no Brasil não tenha absolutamente nenhuma interferência no resultado, não são raros os exemplos em que as eleições brasileiras refletem cenários parecidos com o norte-americano.
A eleição de Donald Trump em 2016, por exemplo, foi seguida pela eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, assim como a saída do norte-americano do poder, questionando o processo eleitoral, foi repetida pelo brasileiro.
Nesse sentido, a impressão é que a imprensa do Brasil “torce” pela eleição de Kamala Harris (e faz questão de que os brasileiros estejam felizes com isso), para que o resultado em 2026 siga a mesma linha por aqui – um presidente de direita, mas longe do extremismo. A candidata democrata recebe uma cobertura brasileira muito mais ampla, e uma agenda bem positiva, enquanto se destacam as condenações de Donald Trump, por exemplo.
Diante da função do jornalismo de preservar a democracia, é difícil achar válida a decisão de priorizar um candidato em detrimento a outro. No entanto, o extremismo pode ser uma ameaça ainda maior à democracia, justificando quaisquer ferramentas para lutar contra ele. No fim das contas, é uma área cinza do ponto de vista moral, que não tem uma resposta simples.