Desastre anunciado: a incompetência do governo frente às chuvas no RS
- 5 de junho de 2024
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- Theillyson Lima
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Como a ausência de medidas preventivas e respostas inadequadas agravaram a catástrofe.
Paula Orling
Em meio ao caos de um estado submerso nas águas, uma pergunta surge: de quem é a responsabilidade pelo desastre? Deus? A natureza? Foi um acidente? Os civis não se prepararam adequadamente? A verdade é que a resposta é muito mais fria e direta do que o acaso ou plano divino. O governo do Rio Grande do Sul não se preparou adequadamente para a catástrofe, mas poderia!
Além da falta de preparo para a calamidade, as entidades públicas do Rio Grande do Sul não lidaram bem com a notícia do desastre. Por um período maior do que o aceitável, mascararam os danos das cheias, sem alertar a população sobre a gravidade da situação. O ditado “melhor prevenir do que remediar” nem passou pela mente dos líderes políticos. Quando, porém, viram que era tarde demais, utilizaram os salvamentos e as ajudas humanitárias como promoção das suas próprias imagens.
Orçamento Anual 2024
A Lei Orçamentária Anual (LOA) – que “compreende as receitas e despesas da administração direta e indireta do Estado do Rio Grande do Sul” – é, no mínimo, intrigante. Antes de tudo, é importante destacar que o documento que apresenta as propostas governamentais para a utilização do dinheiro público é extremamente confuso, difícil de se encontrar e inacessível para a parcela menos instruída da população. Apenas o primeiro volume do Orçamento Anual de 2024 tem 917 páginas de letras pequenas, tornando a pesquisa um grande desafio.
Nos valores propostos, R$2,5 milhões se destinam à atuação da defesa civil estadual, que tem como obrigação, entre outros aspectos, oferecer assistência aos cidadãos que sofreram com desastres e acidentes. Apesar do valor parecer alto, O Globo noticiou a previsão de gastos em R$19 bilhões para reestruturar o estado, entre gastos federais e estaduais. O plano foi apresentado pelo governador Eduardo Leite no dia 9 de janeiro. A notícia cita a declaração de Leite: “fazemos essa estimativa porque nada do Rio Grande do Sul pode ser tomado de decisão sem a participação do Rio Grande do Sul.” Esta declaração soa como uma política de boa vizinhança para um governo que definiu – por conta própria e sem a interferência da população – o valor muito abaixo do necessário, mesmo para desastres de impacto inferior.
Para o Sistema Estadual de Gestão Integrada de Riscos e Desastres (SEGIRD), o valor planejado pelo governo para investimento é de R$10 mil e mais R$10 mil para o Centro Estadual de Gestão Integrada de Riscos e Desastres. Estes valores estão longe de serem suficientes.
Leilão da concessão do Cais Mauá
A assessoria é ativa no site do Governo do Estado. Em fevereiro deste ano, os assessores anunciaram o leilão da concessão do Cais Mauá, que poderia autorizar a destruição de parte do Muro da Mauá, a fim de desenvolver a economia com a construção e transformação de armazéns em bares, restaurantes e lojas, favorecendo as pautas políticas da direita negacionista. O muro foi construído com o objetivo de conter cheias do Guaíba, o que, de fato, fez neste ano.
As comportas deste muro, que quase foi destruído, foram a razão pela qual Porto Alegre não sofreu ainda mais com as inundações. Quando decidiu-se fechar as portas do Guaíba, a população ganhou tempo para evacuar a região que seria, inevitavelmente, afetada. Sem esta parte do muro, no entanto, muitas mais vidas seriam perdidas em nome do crescimento econômico do capitalismo descompensado. A grande questão é que o governo ficou sabendo do risco de inundação no dia 29 de abril, com alerta do Climatempo e, mesmo assim, esperou três dias para tomar uma atitude. Em coletiva de imprensa no dia 2 de maio, a prefeitura divulgou a decisão. Mas será que o fechamento é uma decisão altruísta devido à preocupação com as vidas em risco?
Divulgação dos riscos pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul
Neste mesmo dia, o G1 divulgou uma notícia que determina que a declaração do governo sobre a necessidade do fechamento das comportas do Guaíba está atrelada ao decreto de situação de emergência de nível 2. Este decreto, divulgado pela Defesa Civil e a Procuradoria-Geral do Município (PGM), permite “que o Executivo solicite e receba recursos, de forma facilitada, das esferas estadual e federal”, gerando mais recursos para a cidade. Esta liberação de recursos é extremamente necessária quando o planejamento para o orçamento anual 2024 foi tão débil.
O marco interessante do dia 2 de maio é que, enquanto os veículos de comunicação nacionais se mobilizaram para alertar o país sobre o perigo em que Porto Alegre estava, o portal de notícias governamental do RS se concentrava em comunicar a população de todas as boas ações do estado a favor dos desabrigados. Das 26 notícias publicadas neste dia, apenas três não fazem promoção do governo, sendo atualizações da Defesa Civil sobre o nível do Guaíba.
Alertas da Defesa Civil
Os alertas da Defesa Civil nos dias em que as chuvas fortes começaram não foram efetivos. No dia 29 de abril, por exemplo, um alerta de “áreas com risco hidrológico” foi emitido. Temos como “risco meteorológico”, “chuvas intensas” e “vento pontualmente forte” foram alguns dos termos utilizados nos alertas. A falta de alarmismo não contribuiu para que a população entendesse a gravidade da situação. É possível que a parcela menos instruída da população nem tenha entendido o significado de algumas das palavras usadas nos alertas, fato que revela a ineficiência da comunicação governamental no RS.
Apesar de centenas de alertas serem emitidos, poucos cumprem seu papel de informar os civis do risco que correm. Foi apenas no dia 11 de maio, quando o estado já sofria com as inundações e milhares de pessoas já estavam desalojadas, que a Defesa Civil mudou a abordagem de seus alertas. A partir de então, os alertas emergenciais passaram a ter títulos em letras maiúsculas e se reportar a um grupo específico da população. O primeiro deste novo grupo de alertas foi “ATENÇÃO MORADORES DA REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE“. Com a foto tendo o mesmo alerta escrito, a Defesa Civil anunciou a elevação de rios nesta região.
A partir do dia 11 de maio, a Defesa Civil passou a fazer o que deveria ter feito desde o primeiro dia em que soube que o nível pluvial estava alterado. É verdade que os alertas salvaram centenas, talvez milhares de vidas, mas quantas mais seriam salvas se o governo não subestimasse a catástrofe?
Divulgação da catástrofe pelo Governo do Rio Grande do Sul
Quando ficou impossível negar os danos das chuvas no RS, um heroi surge: o governador, que veio para salvar o estado! Esta afirmação é tão irônica quanto a postura de Eduardo Leite frente à catástrofe. No início da crise, no dia 29 de abril, Leite começou a fazer o que não era seu papel: divulgar informações meteorológicas. Pior do que atuar na posição em que não estudou para atuar, foi a postura similar a da Defesa Civil que o governador assumiu nas suas redes sociais, de minimizar os riscos e não alertar o povo sobre os reais riscos.
A postura de Leite, no entanto, mudou drasticamente, começando pela sua foto de perfil do Instagram, com um colete de resgate que substitui o tradicional terno. No dia 30 de abril, o governador passou a vestir um colete que parece estar acoplado ao seu corpo desde então. De thumbs sensacionalistas à emoção apelativa, o político parece querer ser valorizado por sua assistência social, mostrando um lado humano e sentimental, revelando o seu envolvimento nos resgates.
Mesmo com toda a atividade social, seja por fachada ou intenções reais, nenhum esforço governamental será capaz de desfazer o mal causado pela negligência no tempo que alertas reais eram necessários. A comunicação falha do estado do Rio Grande do Sul sentenciou centenas ao sofrimento do desabrigo. A partir de todo o desastre causado, ou ignorado, é papel do governo estabelecer a transparência das suas redes de comunicação e permitir que a população tenha consciência de sua situação.