Irã x Israel, um conflito não tão fácil de acompanhar
- 15 de maio de 2024
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- Theillyson Lima
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Análise da cobertura jornalística do conflito que saiu das sombras, mas que parece não ser “visível” para os jornais brasileiros.
Cristina Levano
Não há dúvidas de que o papel da mídia na cobertura de conflitos internacionais é fundamental para a compreensão pública e a formação de opinião. Durante este tipo de eventos, jornais de diferentes partes do mundo se encontram numa corrida incessante pela divulgação e cobertura rápida dos acontecimentos, porém nas áreas do conflito surge um dilema enfrentado pelos jornalistas: manter o equilíbrio entre a necessidade de pesquisar detalhadamente os acontecimentos e a pressão para publicar as informações instantaneamente.
No estopim desse desafio está o papel vital da mídia em fornecer uma cobertura clara e informativa, baseada em fatos sólidos, para ajudar o público a entender os eventos e influenciar suas opiniões. No entanto, essa missão enfrenta dificuldades que vão desde a inevitável dependência dos veículos pertencentes a países que não estão diretamente relacionados com o conflito, e fontes seguras que possam garantir que a informação publicada é a verdadeira, especialmente em eventos tão complexos e carregados de tensão como os conflitos internacionais.
Além disso, tem que lidar com a incalculável quantidade de informações falsas divulgadas na internet sobre o conflito, tendo que trabalhar o dobro, desmentindo as fake news e assegurando-se de que a informação verdadeira chegue primeiro.
Estas dificuldades são identificáveis na cobertura da “entrada” do Irã no conflito entre Israel e Palestina, uma situação emaranhada, cheia de mistérios e informações incompletas que muitas vezes dificulta uma cobertura imparcial e aprofundada.
Contexto: “Irã entra na guerra”
Na madrugada de 13 para 14 de abril de 2024, o mundo inteiro assistiu com preocupação a um ataque aéreo do Irã contra Israel. Foi o primeiro ataque direto de sua história, no qual a República Islâmica do Irã lançou mais de 300 drones e mísseis contra Israel com o apoio de seus representantes na Síria, no Líbano, no Iêmen e no Iraque.
Esse ataque foi em retaliação ao bombardeio israelense de um prédio anexo do consulado iraniano em Damasco, no 1º de abril, no qual as Forças de Defesa de Israel mataram 16 pessoas, incluindo sete membros seniores da Guarda Revolucionária Islâmica, a guarda pretoriana das Forças Armadas iranianas. Embora a vingança iraniana não tenha causado muitos danos, o acontecimento causou comoção internacionalmente por temor a que o ataque marque a entrada oficial do Irã no conflito entre Israel e o Hamas.
Jornais dependentes
Se pararmos para analisar criticamente a cobertura jornalística brasileira da tensão entre esses dois países, desde o 1º de Abril deste ano, é possível perceber que estes veículos lavavam as mãos, adotando o método “Pilatos”. As informações sobre o ataque ainda não estavam completas pois dependiam de uma confirmação pela mídia Síria. Enquanto isso, ao meio-dia, o G1 publicou: “Ataque israelense destrói consulado iraniano na Síria e mata comandante da Guarda Revolucionária, diz Irã”.
No entanto, ele não foi o único: desde jornais como a Folha de São Paulo, Estadão, Uol, até agências como a Agência Brasil deixaram bem claro que o ataque foi isralense segundo os iranianos. Essa versão permaneceu até após o ataque iraniano de 13 de abril.
Pouco a pouco, os jornais confirmaram que o ataque ao Consulado Iraniano foi realmente enviado por Israel, sem nenhum esclarecimento específico, só citando o responsável da morte de 16 iranianos de maneira mais direta, pelo nome, deixando de ser uma acusação do Irã. Agora, o mandante do bombardeio passa a ser o estado de Israel.
Já no 14 de abril, aparentemente a maior parte dos veículos jornalísticos do Brasil conseguiram falar sobre o pronunciamento (para não falar ameaça) de Biden depois do ataque Iraniano, mas não conseguiram fazer a cobertura sobre o ataque israelense que deixou ao menos 20 mortos e 155 feridos no mesmo dia, sendo a CNN Brasil, o jornal estadunidense, um dos primeiros no Brasil em escrever sobre.
Estrangeiro tem quem fala
Enquanto os principais veículos originalmente brasileiros mal conseguiram fazer uma cobertura completa sobre “a vingança do Irã”, pronunciamento de líderes e seus possíveis impactos no atual conflito no oriente médio, foram jornais estrangeiros como a CNN e a BBC, entre outros, que “carregaram nas costas” o conteúdo.
Por exemplo: a CNN acompanhou os movimentos destes dois países durante o restante de abril, proporcionando uma visão mais completa do assunto.
Da mesma forma, a BBC apresentou mais do que o ponto de vista geral, mostrando a outra cara da moeda, não condenando a um país mais do que outro na situação, mas mantendo a objetividade, além de ter feito uma série de vídeos explicativos sobre o contexto histórico e o como os ataques entre Irã e Israel podem afetar o futuro da guerra no Oriente Médio.
Desinformação que atrapalha
Para os jornalistas, a disseminação de falsa informação e desinformação torna-se um desafio significativo ao ter que realizar uma cobertura confiável e precisa. Ainda mais com o fenômeno das “bolhas de filtro”, que intensifica a disseminação de desinformação, pois os indivíduos tendem a encontrar apenas informações que confirmam suas opiniões preexistentes, ignorando ou desacreditando informações contrárias. As pessoas são menos propensas a questionar ou verificar a veracidade das informações que se alinham com suas crenças, o que resulta em um ambiente propício para a disseminação de informações enganosas.
Por exemplo, horas antes do ataque iraniano, já tinham circulado algumas imagens e vídeos nas redes sociais acusando o Irã de ter atacado Tel Aviv, mas essa era uma fake news. Na realidade, os vídeos eram registros de um ataque ucraniano. Querendo ou não, as informações falsas atrapalham o processo da cobertura jornalística.
Para combater essa desinformação em tempos de conflito, é vital uma colaboração estreita entre a sociedade e os jornalistas. Os cidadãos devem ser incentivados a consumir notícias de fontes confiáveis e a questionar ativamente informações duvidosas que encontram em suas redes sociais. Da mesma forma, os jornalistas têm a responsabilidade de conduzir uma cobertura objetiva, precisa, completa, verificando cuidadosamente os fatos antes de relatar eventos em áreas de conflito, por mais difícil que às vezes isso seja.