Onde vai passar o jogo?
- 24 de abril de 2024
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- Theillyson Lima
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A falsa sensação de democratização do esporte trazida pelo boom dos streamings.
Victor Bernardo
Todo fã de futebol já se deparou com a questão: “onde vai passar o jogo do meu time hoje?” A resposta costumava ser simples. Há poucos anos, a transmissão dos principais campeonatos de futebol do Brasil se restringiam à Globo e suas derivadas (SporTV e Premiere) e ao grupo ESPN/Fox Sports.
Hoje, a situação é mais complexa. Para dar um exemplo, o Palmeiras, atual campeão Brasileiro, disputa cinco competições neste ano: Paulistão, Supercopa do Brasil, Libertadores, Brasileirão e Copa do Brasil. Para assistir a esses jogos, o torcedor palmeirense precisaria assinar seis serviços diferentes – além de se dividir em três canais abertos e pelo menos um canal do YouTube. Um total de dez plataformas nas quais um jogo possivelmente estará sendo transmitido.
Tudo isso é resultado da entrada das plataformas de streaming no mercado das transmissões esportivas, aliada à Lei do Mandante – que permite ao clube mandante negociar seus jogos independentemente da vontade do adversário. Nenhuma dessas plataformas tem o poderio financeiro ou interesse para assumir uma transmissão mais robusta, o que acaba espalhando os campeonatos por diferentes serviços.
Prós e contras da transmissão
Uma vantagem que muitas vezes é levantada é o preço. Supostamente, seria mais barato assinar alguns serviços de streaming do que pagar pelo pay-per-view, que era a única alternativa antes dessa mudança.
No entanto, uma análise mais aprofundada revela que a economia não é tão grande. Voltando ao exemplo do Palmeiras, há alguns anos era possível assistir a todos os jogos do time com uma assinatura de TV à cabo que incluísse os principais canais de esporte, por cerca de R$130,00/mês, e o pay-per-view do Grupo Globo, por cerca de R$100,00, totalizando cerca de R$230,00.
Hoje, o torcedor precisaria assinar seis serviços diferentes:
- Para assistir ao Paulistão, é preciso assinar a MAX, por R$29,90/mês;
- A Libertadores se divide entre o Star+, por R$40,90/mês, e o Paramount+, por R$14,90/mês. Total de R$ 55,80/mês para a competição continental;
- A Copa do Brasil requer a assinatura do Prime Video, por R$19,90;
- Por fim, o Brasileirão é transmitido pelo Grupo Globo, o que requer acesso ao SporTV e ao Premiere, por R$84,90/mês.
Somando todas as assinaturas, o torcedor precisaria desembolsar R$190,50, com uma economia de exatos R$39,50. Claro, não é um valor a se desprezar, mas parece ser muito trabalho por um ganho pequeno.
Ao mesmo tempo, além desses serviços, muitos jogos são transmitidos pela TV aberta (seja a Globo ou outras emissoras) ou pelo YouTube. Ou seja, há pelo menos uma vantagem nessa diversificação, que é o aumento de plataformas gratuitas transmitindo futebol.
Outro ponto negativo é do ponto de vista operacional. Antes, bastava uma antena – que já vinha com a assinatura de TV à cabo – para assistir a toda a programação de forma linear na TV. Hoje, para quem não quiser assistir aos jogos pelo celular, é preciso ter uma Smart TV ou algum dispositivo para transmitir o conteúdo para a televisão.
E o resto do mundo
A tendência vista no Brasil não é a mesma observada no restante do mundo. Na Inglaterra, por exemplo, a Premier League fechou um acordo bilionário para a transmissão doméstica no período de 2025/26 até 2028/29.
As empresas que terão os direitos de transmissão da Premier League serão: Sky Sports, TNT Sports e BBC – dois canais de TV por assinatura e um de TV Aberta. A Amazon, que atualmente tem direitos sobre alguns jogos, sairá de cena.
Na Espanha, os direitos são divididos entre apenas duas empresas: a Telefónica, maior empresa de comunicação do país, que tem canais abertos e fechados, e o serviço de streaming DAZN.
A maior parte dos jogos do campeonato alemão também está nas mãos da filial da Sky Sports no país, enquanto a emissora aberta ProSiebenSat tem algumas partidas.
A Champions League, principal competição continental do futebol Europeu, é transmitida pela TNT Sports para a Inglaterra, pela Telefónica para a Espanha e pela DAZN para a Alemanha.
Analisando a situação nesses locais, é possível perceber algumas diferenças cruciais. Embora o streaming esteja presente, é em bem menor escala, e nenhum país tem os jogos espalhados por tantos serviços como o Brasil.
A TV aberta sempre está presente, e os grandes grupos de TV por assinatura são os detentores da maior parte dos jogos, tanto a nível nacional, quanto a nível continental.
Parece tão simples
Voltando àquela pergunta inicial, uma pesquisa no Google deve sanar esse questionamento. “Onde vai passar o jogo do Flamengo hoje?”, “o Palmeiras vai passar na Globo hoje?”, “quem transmite a Libertadores?” São perguntas simples, que resolvem o problema. Uma vez que se sabe onde uma partida vai passar, basta acessar o app e assistir. Mas será realmente tão fácil?
Um levantamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) constatou que apenas 24,4% dos adultos brasileiros têm habilidades digitais básicas. Tendo isso em mente, quão difícil o processo descrito acima deve ser para a ampla maioria da população?
Os passos “tão simples” incluem, primeiramente, já ter uma conta e uma assinatura dos principais serviços, o que é invariavelmente feito pela internet. Depois, é preciso ter familiaridade com o Google, para pesquisar e entender as respostas. Por fim, é preciso fazer login na TV, o que nem sempre é uma tarefa fácil, ou transmitir a tela do smartphone.
Está longe de ser simples, principalmente para idosos ou para a parcela mais pobre da população, que usualmente não tem afinidade com tecnologia. No fim das contas, apesar da pequena economia, será que o jogo está mais acessível, ou ainda mais restrito?
Qualidade da transmissão
Além de preço e facilidade de acesso, um fator a ser considerado é a qualidade da transmissão.
Do ponto de vista técnico, a geração de imagens usualmente é responsabilidade da organizadora do campeonato, então a empresa responsável pela transmissão seria indiferente nesse caso. O que se pode avaliar, é a narração, comentários, cobertura, etc.
Uma das consequências dessa diversificação dos canais que transmitem futebol é a presença de veículos que não são especializados no assunto, ou não tem tradição em eventos esportivos. Com isso, por óbvio, a equipe é menor, o que gera um certo desgaste. São menos narradores e comentaristas, o que gera menos rotatividade, e por vezes profissionais menos qualificados.
A qualidade da reportagem também cai, por vezes com apenas um repórter de campo para cobrir os dois times, por exemplo.
Gostar ou não de uma transmissão é uma questão muito particular. Cada torcedor tem um estilo preferido de narração e comentários, mas é fato que essas transmissões tem, ao menos, fugido do padrão.
O que esperar do futuro
Os cartolas do futebol brasileiro parecem ter dificuldade em entender que apresentar seu produto à maior quantidade de pessoas – o que invariavelmente acontece na TV linear – pode ser mais vantajoso à longo prazo do que simplesmente procurar o melhor acordo financeiro.
Para o torcedor, também é muito mais complexo que os campeonatos estejam espalhados, obrigando a assinatura de diversos serviços.
A mudança no perfil de investimento da Rede Globo indica que o futebol Brasileiro nunca vai voltar ao que era, mas algo precisa ser feito. O esporte mais popular do país não pode se restringir a serviços que juntos representam só 20% do share de audiência.
É difícil prever o que o futuro reserva. O próprio modelo de negócio dos serviços de streaming é questionável, e o esporte é apenas mais um produto sujeito às tendências do mercado. Pena. A demanda existe, e é enorme. Basta saber explorá-la, preferencialmente, de uma forma que também seja vantajosa para o público consumidor.