A deficiência das telas
- 3 de abril de 2024
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- Theillyson Lima
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Uma análise da controvérsia dos atores não deficientes em papéis de personagens com deficiência.
Julia Viana
Segundo o portal Luz, câmera, ação, o processo de escolha para um ator interpretar um personagem começa com o casting, onde o diretor ou produtor realiza audições para encontrar o ator adequado para o papel. Durante as audições, os candidatos são avaliados com base em sua adequação ao papel em termos de habilidades de atuação, visual, personalidade e adequação ao personagem.
Os selecionados podem então ser convidados a fazer testes de performance, demonstrando sua capacidade de interpretar o personagem em cenas específicas do roteiro. Com base nessas avaliações, o diretor e/ou produtor faz a seleção final do ator. Após essa escolha, negociações contratuais são feitas e, uma vez contratado, o ator se prepara para o papel estudando o roteiro, desenvolvendo o personagem e realizando pesquisa, se necessário, para garantir uma interpretação autêntica e convincente.
Muitas vezes, a escolha de atores não traz o melhor ator para dar vida aquele personagem. Assim, o espectador não tem a melhor experiência. No entanto, o que acontece de forma recorrente é falta de confiança dos diretores em confiar na interpretação dos atores. Por isso, surge a CripFace, a prática de utilizar atores ou atrizes sem deficiência para representar pessoas com deficiência em produções audiovisuais.
Hollywood para poucos
Na indústria cinematográfica e televisiva, a representação de personagens com deficiência é uma questão complexa e muitas vezes controversa. Um dos principais debates que permeia essa temática é o fato de atores sem deficiência frequentemente serem escolhidos para interpretar papéis de personagens com deficiência. Essa prática, embora seja comum, levanta questões éticas e morais sobre autenticidade, inclusão e representatividade na mídia.
A escolha de atores sem deficiência para representar personagens com deficiência tem sido criticada por diversos grupos e organizações que defendem a inclusão e a representatividade autêntica na mídia. Por exemplo, a campanha #OscarSoAbled (uma variação do movimento #OscarSoWhite) surgiu em protesto contra a falta de reconhecimento e oportunidades para atores com deficiência em Hollywood.
Essa prática também recebe críticas de ativistas dos direitos das PcD, que argumentam que a escassez de oportunidades para atores com deficiência na indústria do entretenimento perpetua estereótipos e marginaliza esses indivíduos.
Crítica acobertada
A escolha de atores sem deficiência para retratar personagens com deficiência pode ser vista como uma forma de exclusão e marginalização das pessoas com deficiência na indústria do entretenimento. Ao não oferecer oportunidades de trabalho para atores PcD, a mídia perpetua estereótipos e reforça a ideia de que pessoas com deficiência não são capazes de representar a si mesmas de maneira autêntica e digna.
Esta prática tem sido objeto de críticas por parte de ativistas e organizações que defendem a inclusão e a diversidade na mídia. Por exemplo, a Disability Rights Education & Defense Fund (DREDF) tem pressionado por uma mudança significativa na maneira como Hollywood retrata personagens com deficiência, argumentando que a contratação de atores sem deficiência para esses papéis perpetua o estigma e a discriminação.
Além disso, estudos acadêmicos, como os realizados por Lauren M. Smith e Lisa M. Cuklanz, têm analisado a representação de personagens PcD na mídia e destacado a importância da inclusão de atores PcD para garantir uma representação mais autêntica e respeitosa. A falta de oportunidades para atores com deficiência na indústria do entretenimento não apenas limita suas perspectivas de carreira, mas também contribui para a percepção negativa e estigmatizada da deficiência na sociedade.
Sucesso de audiência
Nos filmes “Como eu era antes de você” (Me Before You – 2016) e “Amigos Para Sempre” (The Upside – 2017), Gilbert Grape: Aprendiz de Sonhador (What’s Eating Gilbert Grape – 1993) a escolha de atores não PcD para interpretar personagens com deficiência gerou controvérsia e críticas significativas.
A principal razão para essa discussão foi a falta de autenticidade na representação das experiências vividas por pessoas com deficiência. Muitos argumentaram que a escolha de atores sem deficiência compromete a credibilidade e a sensibilidade da interpretação, resultando em retratos superficiais e estereotipados dos desafios enfrentados por indivíduos com deficiência.
Além disso, houve críticas à falta de oportunidades para atores PcD na indústria do entretenimento. A escassez de representação autêntica de pessoas com deficiência na tela reflete uma barreira estrutural que impede a inclusão desses talentos e perpetua a marginalização desses grupos na sociedade.
Realidade da deficiência ignorada
É fundamental compreender que a escassez de oportunidades para atores com deficiência vai além da simples representação na tela, ela está profundamente enraizada em barreiras sociais e estruturais que limitam a plena inclusão desses indivíduos na sociedade. Essas barreiras podem incluir discriminação no mercado de trabalho, falta de acessibilidade em espaços públicos e instituições educacionais, e estigma social associado à deficiência.
Pesquisas e estudos têm destacado a interconexão entre a representação na mídia e a percepção pública das PcD. Por exemplo, o estudo “Disability Portrayal Matters” do RespectAbility, uma organização sem fins lucrativos dos EUA, demonstra como a mídia pode influenciar atitudes e comportamentos em relação à deficiência.
Além disso, a mídia desempenha um papel significativo na construção de narrativas culturais e na disseminação de valores. Portanto, ela tem a responsabilidade de representar a diversidade e a pluralidade da experiência humana, incluindo as experiências de PcD. Quando a mídia falha em oferecer oportunidades para atores com deficiência e não reflete adequadamente a diversidade da sociedade, ela contribui para a perpetuação das barreiras sociais e para a marginalização desses grupos.
É importante reconhecer que a falta de oportunidades para atores com deficiência não é apenas uma questão de representação na tela, mas também está intrinsecamente ligada às barreiras sociais e estruturais que impedem a plena inclusão desses indivíduos na sociedade. A mídia desempenha um papel crucial na formação de opinião e na disseminação de valores culturais, e, portanto, tem a responsabilidade de refletir a diversidade e a pluralidade da experiência humana.
Dessa forma, a relevância da representação na mídia não é apenas uma questão de justiça social, mas também uma necessidade para promover uma sociedade mais inclusiva e equitativa para todos os indivíduos, juntamente com a promoção da inclusão de atores PcD na mídia é fundamental para desafiar estereótipos, promover a diversidade e garantir que todas as vozes sejam representadas de forma justa e precisa.