Fonte: Choquei?
- 1 de novembro de 2023
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- Theillyson Lima
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Em meio a tantas notícias, será que o perfil deveria ter responsabilidade de não mentir como os portais de notícias?
Camylla Silva
Deixar de lado só as fofocas sobre celebridades e focar em cobrir assuntos como política pode não ser uma abordagem comum para a maioria dos portais de conteúdos. No entanto, o Choquei optou por seguir esse caminho e tornou isso uma realidade. Desde o que está acontecendo na vida dos famosos à notícias de cunho jornalístico, quase nada passa batido pelos feeds dos perfis.
Criado em 2014, pelo o Fotógrafo Raphael Sousa, o perfil que antes compartilhava apenas polêmicas de artistas, evoluiu e se tornou uma das principais fontes de informações variadas nas redes sociais. O sucesso é tão notável que, só no Instagram o perfil conta com mais de 21 milhões de seguidores e no Twitter ultrapassa os 6 milhões.
Chegada ao radar da audiência
A febre teve início em fevereiro de 2022, quando o Choquei redirecionou seu foco da cobertura do reality show “Big Brother Brasil” para dar lugar às notícias em tempo real sobre a Guerra na Ucrânia a 1,4 milhão de seguidores. Tweets e publicações no Instagram sobre os bombardeios no país europeu passaram a dominar a internet. O perfil que antes todo mundo seguia apenas por curiosidade, por três semanas consecutivas passou a ser o segundo perfil mais engajado do mundo falando sobre a guerra.
Durante as eleições, o Choquei também realizou uma cobertura exclusiva feita pelas redes sociais. No dia, o perfil chegou a ter um repórter presente no TSE para apurar os votos e dar a notícia de primeira mão.
Já no segundo turno, o perfil se tornou um dos assuntos mais comentados no Twitter, ultrapassando políticos e veículos da imprensa tradicional. As postagens ocorreram antes do plantão da Globo, que sempre foi reconhecido nacionalmente como a principal fonte de notícias de grande porte.
O perfil chegou a publicar mais de dez conteúdos por hora relacionados à política, incluindo informações sobre apuração de votos e ações da Polícia Rodoviária Federal. Todas as publicações alcançaram números elevados. O post que anunciou a vitória de Lula gerou 79 mil comentários e 1,3 milhão de curtidas. No Twitter, esse mesmo conteúdo registrou 268 mil curtidas, estabelecendo um registro de engajamento.
Ainda no dia do segundo turno, o perfil conquistou 160 mil novos seguidores no Twitter e mais 60 mil no Instagram. Entre as postagens de maior impacto estão as selfies de Lula com a socióloga Rosângela Silva, conhecida como Janja, tiradas dentro de um carro após o anúncio da vitória.
Após os eventos, a fama do perfil viralizou nas redes sociais e gerou diversos memes pela internet. Tanto famosos quanto anônimos compartilharam comentários com muito humor sobre o sucesso do Choquei. Já outras pessoas fizeram associações à cantora Gretchen e à página. A artista, que já acumula reproduções “memeficadas” e fora de contexto, ganhou mais uma delas: “Correspondente da choquei direto dos estúdios globo.”
Linguagem e distribuição de conteúdo
Deixando os números de lado, o “jornalismo” do portal é preocupante. O Choquei opera exclusivamente no Instagram e Twitter, onde as notícias são divulgadas em chamadas curtas, frequentemente com o uso de termos como “AGORA” e “URGENTE“, criando senso de urgência, o que muitas das vezes carece de contexto. Isso sem contar a falta de atribuição de créditos pelos conteúdos.
A agilidade é o foco principal do perfil, com pouca ou nenhuma checagem de fatos antes da publicação. Sem contar as retratações públicas que são raras quando ocorrem erros, o que põe em risco a precisão das informações veiculadas, reputação e credibilidade do perfil.
O “estilo Choquei” é feito de uma distribuição rápida de informações que seguem um modelo “ctrl+c e ctrl+v”. Grande parte do conteúdo publicado não é resultado de apuração jornalística original, mas sim reutilização de informações de outros veículos de comunicação. Além disso, o perfil compartilha tweets virais e vídeos enviados por seguidores.
A frequência com que o portal Choquei atualiza suas postagens é notável, com quase 10 notícias a cada 1 hora no Twitter e 5 no Instagram. Essa constante atualização mantém os seguidores e o perfil engajados, mas também pode levar a uma disseminação acelerada de informações potencialmente imprecisas, destacando a importância de uma abordagem mais cautelosa e ética na divulgação de notícias.
Um dos fatores que contribui para a captação de internautas no Choquei é a simplicidade de sua linguagem em comparação com portais de notícias tradicionais. O perfil utiliza frases curtas, simples e diretas, sem a necessidade de abrir links, ler longos artigos ou legendas.
Polêmicas e fake news
O Choquei frequentemente entra em novas polêmicas. No ápice da guerra entre Rússia e Ucrânia, o perfil afirmou em publicações que “havia milhares de corpos nas ruas de Kiev, capital ucraniana”. Algumas das postagens tinham imagens falsas. Logo depois, a informação foi verificada e classificada como fake news.
Em junho de 2022, a página gerou um amplo debate nas redes sociais ao falar sobre a lenda da cidade de Ratanabá, uma suposta civilização secreta que teria existido na Amazônia. O post anunciava: “URGENTE: uma cidade maior do que a Grande São Paulo está soterrada na Amazônia!”.
Sem embasamento científico e sendo considerada “um desserviço à arqueologia” por especialistas, a lenda gerou um aumento nas pesquisas no Google naquela época e provocou debates. Após o episódio, a página excluiu as postagens e emitiu um pedido de desculpas, afirmando que continuaria a “combater as notícias falsas e informar os internautas”.
Não para por aí. Em novembro de 2022, o perfil replicou uma notícia divulgada pela Folha de São Paulo na qual o apresentador Ratinho teria criticado, em um vídeo, os protestos antidemocráticos que ocorreram. No entanto, o vídeo era de 2018, e atualizações foram feitas ao artigo do jornal alguns dias depois. O vídeo compartilhado nos perfis do Choquei foi excluído sem explicações, mesmo após ter sido compartilhado por milhares de usuários.
Já em dezembro do mesmo ano, o perfil postou que a prefeitura de Florianópolis, em Santa Catarina, havia declarado estado de emergência devido às intensas chuvas que causaram inundações na cidade, levando à suspensão das aulas. No entanto, em resposta à mesma postagem, o prefeito de Florianópolis esclareceu que as imagens mostradas não eram na cidade.
O perfil foi acusado de xenofobia e racismo, em janeiro deste ano, após publicar uma pesquisa sobre um suposto estudo que dizia que pessoas nascidas no Sul são mais bonitas. Logo, o assunto repercutiu e virou discussão no Twitter. No entanto, não houve pronunciamento do Choquei.
Choquei: captou, repassou!
Como é perceptível, um dos problemas do Choquei é o sensacionalismo em grande parte de seu conteúdo. Manchetes exageradas, imagens provocativas e insinuações sem evidências sólidas são usadas para atrair a atenção dos seguidores. Embora o sensacionalismo seja uma tática comum quando falamos da indústria do entretenimento, isso pode deturpar a realidade e contribuir para a disseminação de informações prejudiciais.
O perfil se autodenomina um veículo de notícias de entretenimento e geral, mas é importante questionar se ele se enquadra verdadeiramente nessa categoria. Enquanto o jornalismo busca relatar eventos e fatos relevantes de maneira imparcial e objetiva, o Choquei frequentemente se assemelha mais a tudo que está na trend.
Relação entre jornalismo e fofoca
O perfil Choquei levanta questões críticas entre jornalismo e fofoca, bem como a ética e as consequências de suas práticas. Enquanto o perfil não depende do clique do público para se manter relevante, sua arquitetura de como entregar suas notícias é projetada para fornecer informações suficientes para que os leitores acreditem que estão bem informados, permitindo que eles compartilhem as notícias com outras pessoas.
No entanto, essa abordagem suscita problemas éticos. Ser um veículo de formação de opinião em uma escala tão massiva, sem realizar apuração primária, compromete a qualidade das informações veiculadas. A falta de verificação e atribuição de fontes pode levar à disseminação de notícias falsas e vazias, impactando negativamente a vida das pessoas. A ética jornalística exige a busca pelo que é verdadeiro e responsabilidade que o Choquei muitas vezes negligencia.
A questão fundamental é que, ao criar um jornalismo que se baseia em princípios éticos, existe o risco de cometer erros, e esses erros podem ter sérias consequências para a vida das pessoas mencionadas nas notícias.
Mas a culpa não recai exclusivamente sobre o perfil. Ele apenas encontrou uma maneira de se adaptar perfeitamente à forma como as plataformas de redes sociais estão estruturadas para o consumo de conteúdo. Os veículos de notícias tradicionais como a Folha, Estadão e G1 muitas vezes são limitados pelas premissas éticas que se comprometem a seguir. No fim das contas, isso “impede” que eles adotem algumas práticas que os algoritmos favorecem para aumentar o alcance e sucesso.
O foco é que o jornalismo se compromete a informar de maneira precisa e imparcial, diferente do Choquei que em algumas ocasiões parece se concentrar em entregar o que gera prazer instantâneo no público. O equilíbrio entre essa satisfação do público e a integridade da informação é um desafio que a sociedade e a mídia enfrentam em uma era de rápido consumo de conteúdo nas redes sociais. Isso tende a perdurar por muito tempo.