A linha tênue entre o jornalismo de qualidade e a sentença do furo jornalístico
- 11 de outubro de 2023
- comments
- Theillyson Lima
- Posted in Análises
- 0
Se tem uma coisa que é fato, é que os jornalistas precisam dar notícias rápidas. Mas será que existem limites em dar notícias em primeira mão quando falamos de morte?
Camylla Silva
Imagine uma sociedade em constante busca por informações instantâneas, uma corrida desenfreada por manchetes sensacionalistas e a busca contínua por algo novo para saciar a insaciável sede de notícias. Bem-vindo ao cenário atual da mídia, no qual o “furo jornalístico”, por exemplo, se tornou uma prática comum. Calma, isso não é sobre a disseminação de qualquer notícia. Mas sim de como a mídia trata o anúncio de mortes como uma competição.
Se sua morte fosse divulgada antes do tempo, qual seria sua reação? Bom, uma das coisas que os jornalistas mais escutam é que eles precisam dar sempre notícias de primeira mão e ser o mais rápido, é aí que entra o famoso furo jornalístico. No entanto, com toda essa “correria” ou “pressa” nem sempre é possível uma boa apuração da notícia e, na maioria das vezes, essa falta de apuração pode trazer sérias consequências. Mas será que existem mesmo limites quando o assunto é dar notícia em primeira mão, ainda mais sobre uma morte?
Quem a internet matou?
No dia 8 de maio deste ano, o nome do apresentador Silvio Santos, foi alvo da mídia ao passar o dia como um dos assuntos mais comentados do Twitter. O motivo, que gerou toda a repercussão, é que seguiu um novo rumor sobre a suposta morte do empresário.
Logo após os boatos, a assessoria de imprensa do SBT negou a morte do apresentador, com o intuito de desmentir as fake news que viralizaram ao longo do dia.
Em fevereiro já tinha acontecido a mesma coisa, a notícia que o apresentador teria morrido nos Estados Unidos se espalhou. A assessora Maisa Alves usou suas redes sociais para acalmar todos os fãs, esclarecendo que Silvio estava passando suas férias em família. Dessa vez, o SBT precisou emitir uma nota oficial desmentindo o suposto ocorrido.
Mas não parou por aí. Só nos últimos 12 meses, a expressão “morre Silvio Santos” teve mais de 14 picos, segundo o Google Trends, sendo os assuntos mais falados e pesquisados, o que indica que muitas pessoas receberam essa informação e foram ao buscador como forma de encontrar confirmação.
O mesmo ocorreu com Roberto Gómez Bolaños, criador e personagem do seriado Chaves que já morreu pelo menos umas cinco vezes. A internet divulgava inúmeras notícias sobre a morte de Bolanõs e cada onda trazia rumores, deixando o público cada vez mais preocupado.
Um desses episódios aconteceu em 2012, quando surgiu um boato de que Bolanõs havia falecido enquanto estava de férias em Cancún. O Facebook e Twitter se movimentaram com mensagens de pesar e manchetes surgiram com a triste notícia. Com a grande repercussão, a Revista Caras e o portal R7 procuraram a assessoria do ator. Antonio Ratone, empresário do comediante, desmentiu sua morte dizendo que Roberto estava passando uma temporada em Cancun e que estava bem.
Desde 2008 o roteirista vinha sendo alvo de ataques e dentre outras causas, morreu de câncer e infarto. A última suposta morte do ator foi em Abril de 2013 e a causa teria sido por complicações na próstata. O boato surgiu no Fórum do UOL Jogos e o texto citava o G1, portal de notícias da Globo, como fonte.
Foram tantos boatos sobre a morte de Roberto Bolaños que em alguns casos chegavam até a enganar portais de notícias. Inclusive, segundo informações de internautas, um portal de notícias da Band publicou em 2014 um texto preliminar sobre a morte do ator, mas pouco a pouco, os posts e matérias que anunciavam a fake news foram apagados, como se nunca tivessem existido.
Abertura fora do timing
Da mesma forma aconteceu com a Rainha Elizabeth em Abril de 2022, quando a Folha de São Paulo publicou o obituário da monarca antecipadamente. A publicação foi apagada quase uma hora depois e o jornal subiu uma nota relatando o ocorrido. A Folha informou que manter obituários preparados para figuras públicas é uma prática comum no jornalismo – o que garante o furo.
A situação gerou grande repercussão, e nas redes sociais, as pessoas discutiram sobre a falha ocorrida, fazendo com que o nome da rainha ficasse entre os tópicos mais comentados do Twitter no dia.
Em 2014 um perfil da rede CNN americana, Day News, cometeu um erro ao anunciar em seu perfil do Twitter a morte do ex-jogador Pelé. Além da informação ser falsa, a idade do rei do futebol estava errada. Momentos depois o post foi apagado e substituído por correção e pedidos de desculpas.
“Representantes do Pelé disseram à CNN que ele está vivo e muito bem”, disse o New Day em sua nova postagem. “Excluímos um tweet incorreto sobre esse assunto. Lamentamos o erro e agradecemos aos nossos seguidores pela ajuda”, escreveu o portal.
A própria CNN usou seus meios para pedir desculpas por ter “matado” Pelé. “Pedimos desculpas a Pelé e seus seguidores”, disse a emissora americana no Twitter.
Falar sobre esse tipo de divulgação de notícias e rumores relacionados a mortes, retrata não somente o desejo da mídia em busca do próximo grande furo, mas também revela um aspecto do jornalismo contemporâneo: as reportagens de gaveta.
Quando a pressa em ser o primeiro a noticiar algo se sobrepõe ao dever jornalístico de verificar a veracidade das informações, o resultado é a propagação de notícias sem fundamento.
E essas reportagens, muitas vezes preparadas com antecedência, perpetuam uma cultura de especulação e desinformação, minando a confiança do público na mídia e transmitindo o rigor ético que, teoricamente, deveria ser o alicerce do jornalismo de qualidade.
Mídia responsável e confiável
Os boatos e rumores, alimentados pela ânsia de cliques e informações que consumimos em diversos meios, podem se transformar rapidamente em manchetes e desinformações em verdade percebida. Quando figuras públicas são constantemente declaradas mortas na internet e quando a “corrida” pelo furo de notícia supera os princípios éticos, é a sociedade como um todo que sofre.
Nesse cenário, a responsabilidade recai não apenas sobre os veículos de comunicação, mas também sobre nós. Cabe às pessoas disseminarem entre a informação verdadeira e a falsa, questionar manchetes rápidas e refletir sobre o impacto das notícias sensacionalistas na sociedade. O jornalismo de qualidade é o que deve guiar a quantidade de informações que lidamos todos os dias, não o furo. Devemos investigá-lo e apoiar veículos comprometidos com a ética e a veracidade.
Além disso, é importante fortalecer os princípios éticos do jornalismo, priorizando a precisão sobre a pressa e o respeito à privacidade sobre a especulação desenfreada. É imprescindível reconhecer que o público merece mais do que manchetes sensacionalistas e informações não verificadas.
Para restaurar a integridade do jornalismo, devemos lembrar que o tempo é um aliado da verdade, e a qualidade da informação deve sempre prevalecer sobre a pressa em ser a primeira a divulgar. É uma luta constante, mas uma luta que vale a pena para manter uma mídia responsável e confiável.