“AmarElo”: um grito de reconhecimento
- 14 de setembro de 2022
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Emicida revela ao mundo como enxerga a periferia sem o olhar unilateral da elite
Paula Orling
Samba, com “S” de símbolo brasileiro; Rap, com “R” de riqueza periférica; Funk com “F” de favela. Permeando a história do Brasil, temos muita dificuldade para separar o que é elitizado e o que é periférico, afinal, nossa cultura miscigenada está tão integrada que identificar as origens é quase impossível. Desde que não existe dinheiro para todos, ou melhor, que o dinheiro não é dividido entre todos, a desigualdade social leva à formação de uma nação paralela, das comunidades periféricas. Nestas, as tendências populacionais não seguem o restante do país, mas funcionam como um setor social “autoirrigável”, produzindo e vivendo de seus produtos originais. Contudo, as comunidades difundem sua realidade com todo o Brasil interessado.
Das comunidades vêm as raízes da tradição brasileira e a música, como uma grande representação cultural, reflete as condições sociais mais sinceras. Expressando o que viu e viveu, o rapper, cantor e compositor Emicida lançou o álbum “AmarElo”, em 2019. Ao longo das 11 faixas, o artista busca reunir elementos como superação de conflitos na comunidade, herança africana, paralelos entre elementos naturais e as condições sociais nas periferias; todas as temáticas buscam integrar as condições das “favelas” no vocabulário geral brasileiro.
“A música é só uma semente”
A música afeta diretamente o cotidiano de uma população. Um estudo realizado pelo Centro Universitário de Maringá (Weigsding & Barbosa, 2014) revelou que “a música tem uma representação neuropsicológica, afeta a afetividade, controle de impulsos e a motivação”. É difícil dizer se o Emicida analisou pesquisas científicas para guiar suas composições, mas o importante é saber que suas músicas alcançaram o que as pesquisas confirmam: mobilizaram a sociedade. E não apenas as sociedades das favelas são diretamente afetadas, mas o restante do Brasil, que se vale da cultura periférica e passa a lutar suas batalhas.
Assim, a semente plantada pelo rap germina em que passa a conhecer as condições das comunidades por meio das músicas, assim como o autor defende na faixa “Principia”. Mas o objetivo não é dramatizar ou alertar o Brasil para algum tipo de caos periférico. Pelo contrário, as faixas buscam a valorização de diferentes aspectos que formam as comunidades periféricas.
Um exemplo da valorização das favelas é a faixa 11 do álbum, chamada “Libre”, que aponta a liberdade das periferias como a defesa de um direito humano. Entre as outras faixas, se encontram temas como as diferentes facetas do amor nas comunidades, a paz e a rotina nesses ambientes.
Religiosidade na periferia
Permeando os álbuns, uma temática se sobressai: a religiosidade. Se engana quem pensa que a aparição deste tema é mera coincidência ou favoritismo religioso. Pelo contrário, é apenas um reflexo sociocultural. O cantor sugere, em seus raps, que a religiosidade é fonte de consolo em meio às dificuldades das comunidades.
Na busca de exaltar a diversidade das comunidades, Emicida não comenta sobre apenas uma religião, mas diferentes manifestações religiosas, como católica, evangélica, budista, de origens africanas e até faz referências sobre a religião da Grécia Antiga. Um exemplo dessa valorização religiosa diversificada é a primeira música do álbum AmarElo, “Principia”, com a participação de Fabiana Costa, das Pastoras do Rosário e do Pastor Henrique Vieira. No rap aparecem referências ao inferno, Buda, personagens bíblicos, tambores africanos e anjos, todos estes conceitos associados à tentativa de superação dos problemas presentes no meio em que o cantor vive.
É tudo sobre amor
A visão do Emicida de amarelo como um elo reforça a ideia de que toda a obra é sobre o amor. Ao objetivar a expressão de diversidade e amabilidade das periferias, o autor ressalta os pontos positivos destes cenários tão mal interpretados pelo restante da população não somente brasileira, mas também internacional.
A partir da popularização do álbum AmarElo, do Grammy que o Emicida ganhou com esta obra, e a participação de nomes diversos, como Fernanda Montenegro e Pabllo Vittar, diversas esferas populacionais foram alcançadas. Assim, pessoas de diversos contextos sociais tiveram, e ainda têm, a chance de enxergar as favelas de uma nova forma, sem o olhar unilateral da elite, mas vivenciar, por meio da “semente da música” o que a própria comunidade tem a dizer sobre si mesma.