Sem rosto, sem voz e sem perspectiva de melhora
- 15 de setembro de 2021
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As mulheres que sofreram com o Talibã em 1996 são obrigadas a relembrar como é perder até os seus direitos básicos.
Mariana Santos
20 anos atrás, mesmo com a falta de tecnologia, o mundo suspeitava do sofrimento que as mulheres afegãs precisavam suportar. A questão: “e se o Brasil fosse conquistado por fundamentalistas islâmicos?” foi o título de uma das matérias produzidas pela Super Interessante no ano de 2001, representando a preocupação internacional com o risco de atentados terroristas. No texto o autor comenta que o Cristo Redentor poderia ser explodido assim como as estátuas de Buda do Afeganistão, mas o maior perigo seria para as mulheres.
Falar sobre o Talibã de 20 anos atrás é um desafio maior do que aparenta. O primeiro motivo é óbvio, a internet como conhecemos hoje estava dando seus primeiros passos, logo, as informações eram escassas. Para piorar a situação, em 1996, o Movimento Islâmico Talibã proibiu o acesso a internet nas regiões sob seu domínio, ou seja, era muito difícil tornar algo público internacionalmente. Assim sendo, as informações de conhecimento popular chegaram até outros países com muito esforço e sacrifício.
O movimento religioso fundamentalista tinha a intenção de estabelecer a sharia, lei islâmica, como regimento obrigatório no país, desconsiderando o direito à liberdade religiosa e à liberdade de expressão. A origem do nome do grupo se deve ao fato de que a maior parte dos militantes eram estudantes de escolas islâmicas do interior (Tálib, significa aluno em persa e talibã é o plural), porém, a ironia é que o acesso aos estudos, principalmente para as mulheres, não tem parte nenhuma nos ideais da organização.
Nada novo
Dos anos 1996 à 2001, o Talibã proibiu as meninas de frequentar a escola; proibiu mulheres adultas empregadas de exercer a sua profissão; proibiu que mulheres andassem pelas ruas sem cobrir todo o corpo e também que andassem sem a companhia de um homem. As proibições pareciam intermináveis e as punições incluíam até a morte por apedrejamento em caso de adultério.
Em 2021, o Talibã voltou a ocupar a capital do país, Cabul e a sensação de caos invadiu os noticiários com atualizações diárias da evacuação do exército dos Estados Unidos. Em meio a morte, tortura, invasão domiciliar e todo tipo de atrocidade, mais uma vez o sofrimento chegou até as mulheres.
Humira Saqib, ativista dos direitos das mulheres, diz que se lembra claramente da última vez que o Talibã assumiu o poder. Ela, em entrevista para o jornal El País, alega estar escondida assim como outras mulheres por causa do risco à vida delas. Mensagens de aviso chegaram via internet falando sobre o perigo em que estavam só por querer viver em paz.
Além de Humira Saqib, outras mulheres que decidiram se posicionar contra o governo do Talibã sofreram com a violência. No dia 4 de setembro, um pequeno e corajoso grupo de mulheres decidiu protestar, contudo, a manifestação acabou em sangue e gás lacrimogêneo. Um dos líderes do grupo fundamentalista utilizou seu perfil no Twitter para argumentar que “a maioria das mulheres está feliz” e que o protesto queria causar tumulto.
Fato é que, nesse caso, o tumulto já foi causado muito antes e as únicas que não possuem culpa nisso são as mulheres. Independente do discurso do Talibã ou da abordagem nas redes sociais, mulheres estão sendo agredidas, impedidas de estudar e privadas de seus direitos básicos, tal qual 20 anos atrás. A diferença é que dessa vez a internet escancara a realidade na frente de qualquer interessado em compreender a realidade, resta saber se o posicionamento político internacional vai fazer alguma diferença ou permanecer inerte diante do sofrimento alheio.