Pânico satânico
- 14 de abril de 2020
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- Thamires Mattos
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Memórias suspeitas e alegações sem base histórica estão por trás de um dos maiores medos da década de 1980: as seitas satânicas
Adalie Pritchard
A década de 1980 parecia um livro de Stephen King. Nesta época, surgiu uma grande quantidade de alegações de crimes horrorosos – supostas obras de seitas satânicas. Os tais adoradores de Satã conspiravam para molestar e torturar crianças, além de assassiná-las e praticar canibalismo em seus rituais. Essa onda de pânico afetou vários países, particularmente os Estados Unidos.
Um dos despertares do “pânico satânico” foram as alegações de Michelle Smith. Ela, que fora tratada pelo psiquiatra Lawrence Pazder (com quem, mais tarde, se casou) alegou ter sofrido abusos nas mãos da sua mãe e de outros membros de um culto satânico em meados da década de 1950. Pazder escreveu um livro com as memórias obtidas por meio da hipnose de regressão (técnica psicoterapêutica cuja validade tem sido amplamente questionada): Michelle Remembers.
Após a publicação e êxito desse livro, muitas pessoas apareceram com histórias similares dizendo que também sofreram abuso de seitas satânicas durante suas infâncias, criando um pânico moral. O público em geral foi convencido com sucesso através da cobertura sensacionalista de notícias desse tipo.
É importante destacar que seitas satânicas, como imaginamos na cultura popular, não existem. Nunca existiram evidências que provam a existência de pessoas que adoram explicitamente à essa figura na antiguidade. Claro, existiram pessoas que fizeram horrores professando o nome de Satã, mas, lastimosamente, também no nome de Deus.
Não obstante, o “pânico satânico” apresentou vantagens sociais: pais e mães começaram a cuidar mais dos/as seus/suas filhos/as, e foram criadas mais leis de proteção para crianças. A mídia começou a noticiar mais crimes sobre abuso infantil, já que havia necessidade de cobertura. Muitos programas e veículos deixaram de lado o medo de publicar notícias fortes e incômodas, mas, necessárias.
O satanismo é uma religião moderna, amplamente não-teísta, baseada em interpretações literárias, artísticas e filosóficas da figura central do mal. Não foi até a década de 1960 que uma igreja satânica oficial foi formada por Anton LaVey. Portanto, o satanismo é mais um tipo de filosofia. Satã não é adorado, mas sim, um símbolo de rebelião admirável para a religião.
A cultura pop colaborou muito para o “esquema” de pânico moral. Bandas de Rock como Led Zeppelin e Metallica, entre outros, eram acusados de satanismo. Muitos deles ainda mantêm essa fama. Lembro que alguém me contou que Led Zeppelin pediu ajuda ao “senhor da escuridão” para escrever a música Stairway to Heaven. Dizia que o escritor recebeu essa ajuda observando as notas necessárias para compor a melodia entre chamas de fogo. Este é dos melhores elogios que um artista pode receber: sua obra é tão sublime que a única explicação da sua criação é que foi inspirado por um poder além do nosso mundo.
A oposição é necessária. Nenhuma história boa carece de algum tipo de figura vilanesca. O “pânico satânico” mexeu com alguns dos medos mais profundos da humanidade. Nossa imaginação têm o poder de personalizar nossos piores pesadelos e nos controlar. Contudo, Franklin Roosevelt uma vez disse que “nós não temos nada a temer, senão o próprio medo”.