O que há por trás de toda selva amazônica?
- 30 de setembro de 2019
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- Thamires Mattos
- Posted in Sessão Cultural
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De um lado, líderes de ONGs de proteção ao meio ambiente e preservação da floresta. Do outro, mineradores e trabalhadores ilegais que buscam sobreviver e sustentar suas famílias através da destruição da selva. Ambos são vítimas de um sistema milionário que os explora e mata por ganância
Gabriel Buss
Guerra de interesses. Drogas. Exploração. Mineração. Desmatamento. Tudo isso acontece em meio a uma selva rica, com muitos recursos naturais. A Amazônia hoje é palco de tudo isso, e pouco se fala sobre o assunto. Muitos pensam que tudo se resume a queimadas e desmatamento, mas isso é só a ponta do iceberg.
A série documental “Amazônia Clandestina” traça os principais problemas que acontecem dentro da selva, onde há inclusive dificuldade de acesso. Com seis episódios, está disponível na plataforma de streaming Netflix e mostra, a cada capítulo, um país da América do Sul que possui o território amazônico. Muitos não têm conhecimento, mas, hoje, 20% de toda cocaína mundial é fabricada no Peru, e a produção de coca, elemento base da droga, é realizada dentro da floresta.
O interessante é que um cliente fiel desses produtos é a Europa. E, enquanto os que plantam a coca e produzem a pasta base da droga recebem salários baixos demais, sem qualquer benefício, a droga na Europa vale o dobro do preço do ouro. O Narcotráfico comanda todo esse sistema, e os trabalhadores que produzem as drogas alegam que o fazem para manter suas famílias, porque não há oportunidade dada pelo Estado e nem outras opções em suas regiões. A situação é complicada de entender, porque, apesar das alegações dos trabalhadores, o governo possui apenas um objetivo: erradicar todas as plantações e lugares onde a pasta base da droga é feita. Não há um um plano para reestruturar as famílias que sobrevivem disso e são exploradas pelo Narcotráfico, que as paga “migalhas” comparado ao lucro final que obtém.
Há diversas realidades escondidas atrás do enfoque da mídia em queimadas e desmatamento. Segundo dados coletados pelos jornalistas da série, 90% do destino final da cocaína é o Brasil, que hoje é o maior mercado da droga no mundo. A Amazônia é explorada com a plantação da coca, mas, também, com a criação de milhares de laboratórios de cocaína que existem dentro da selva, principalmente na Bolívia. O sistema que coordena tudo isso é tão rico e próspero que, para uma delegada de Manaus que trabalha com tais casos de drogas e produções, é triste observar que a própria polícia está envolvida neste esquema.
Um outro cenário assustador de se observar é de fato o desmatamento ilegal. A cada minuto se perde o equivalente a cinco campos de futebol na área da mata em toda a América do Sul. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), em 2014, 17% de toda a área florestal da Amazônia já havia sido destruída. Hoje, o Brasil é responsável por metade dos assassinatos contra ambientalistas do mundo. A série aborda essa temática, reforçando o discurso de que quem defende a floresta pode morrer a qualquer momento, e que casos de defensores que morrem nunca são julgados. Não há soluções para crimes de quem defende um patrimônio nacional tão importante para o futuro mundial. Isso é trágico.
Mas ainda há outro “mundo” dentro da Amazônia: a mineração ilegal. E ela consome rapidamente o bioma em questão. Estima-se que, em 2014, 500 quilômetros quadrados da floresta pertenciam à micro mineração. 24 horas seguidas explorando a terra em busca de ouro servem apenas para receber menos que 100 dólares de retorno, que deve ser dividido entre várias pessoas. Alberto, um minerador ilegal, declara em entrevista que se submete ao trabalho porque não há outro meio de ganho, e o Estado não lhes dá outra escolha. Em contrapartida, diz saber o mal que está causando: “Eu peço perdão ao futuro”.
Essa realidade de mineração também é forte na Venezuela, país que vive uma crise. Existem jovens que fazem a segurança dos mineradores ilegais e dominam comunidades. São capazes de tudo para deixar a polícia e o exército longe, inclusive matar pessoas que traiam ou denunciem esse tipo de trabalho. A população venezuelana gira em torno de 30 milhões de pessoas, e o número de armas é a metade disso, 15 milhões. Os dados sugerem um país à beira do colapso.
Por fim, uma conhecida de muitos tem suas bases e estruturas construídas em solo amazônico na Colômbia: as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A guerra entre governo e guerrilheiros já matou cerca de 200 mil pessoas e deixou sete milhões de vítimas. Antigamente, os conflitos eram nas grandes cidades, mas o exército colombiano foi erradicando esses grupos de guerrilha para o interior do país, e, hoje, todos se concentram nos solos da Amazônia. Atualmente, soldados do exército e guerrilheiros morrem todos os dias em meio à selva, e, muitas vezes, os corpos demoram ou acabam nem sendo achados devido à falta de acesso. É uma guerra dura e cruel que parece estar longe do fim.
Amazônia Clandestina serve não apenas para entender o que acontece por trás das densas selvas, mas para observar o quanto no final todos acabam sendo reféns de um sistema muito rico que sequer é atingido pela exploração ilegal. A série entrevista e conversa com todos os públicos vítimas desse contexto. Assim, abre caminho para refletirmos sobre como devem agir governos e combatentes. Afinal, o que acontece hoje é uma perseguição aos que trabalham nessas minerações, nesses lugares de desmatamento, em quem cultiva a coca, e não aos chefes desses grandes esquemas.
É necessário sabermos desse cenário obscuro que existe por trás de quilômetros e quilômetros de floresta para que possamos construir, no futuro, uma maneira efetiva de preservar a Amazônia, mas também dar vida digna a milhões de famílias que, hoje, sobrevivem sendo usadas por um sistema de narcotráfico e empresas de diversos segmentos. É preciso conhecer a realidade para mudá-la.