• Home
  • Sobre o Site
  • Quem Somos
  • Edições Anteriores
Log In

  • Home
  • Sobre o Site
  • Quem Somos
  • Edições Anteriores

HomeDebateMundo espetacular

Mundo espetacular

  • 2 de setembro de 2019
  • comments
  • Thamires Mattos
  • Posted in Debate
  • 0

O sofrimento, a perda e a dor também se tornaram espetáculares, dignos de atenção, olhos atentos e – por que não? – palmas

Rafaela Vitorino

É difícil falar sobre sociedade sem citar uma de suas características principais: a constante busca pelo diferente, chamativo e extraordinário; uma busca pelo espetáculo tão bem definida com a ideia do “pão e circo”. À política desenvolvida no Império Romano era incumbida a tarefa de distrair a plebe para não se importar com os problemas à sua volta, fazendo isso por meio da distribuição do trigo (pão) e espetáculos (circo). Por mais que esse tipo de distribuição não suprisse todas as necessidades, nem mesmo as básicas, era suficiente para tirar a atenção da população de temas relevantes, como a política. O mais interessante nesse modus operandi era, com certeza, o medo que a aristocracia tinha – e, podemos dizer, ainda tem – do povo. Sabe-se que muitas coisas permanecem ruins, e muitos continuam sofrendo porque não sabem que têm poder de mudança. Se a plebe se desse conta dos problemas e da violação de seus direitos, muita coisa seria diferente. As luzes do espetáculo não servem para entreter. Crer nisso é ilusão. Elas servem para cegar e distrair. E não é que nos acostumamos com elas?

Entretanto, existe um paradoxo. O espetáculo é realmente o que a sociedade mais gosta? Ou será que ela gostaria tanto se não tivesse sido ensinada e acostumada a gostar? Afinal, o que é oferecido pela mídia de massa? O tempo passou, mas algumas coisas permanecem iguais, só trocaram de roupa. Os grandiosos espetáculos em arenas lotadas se transformaram na televisão, nos jornais, na internet. Estes continuam a distrair o povo que insiste em se esquecer do que realmente importa. A cultura da imagem, então, castiga, e o homem moderno prefere as aparências à realidade da vida. Os filmes ficcionais parecem realidade e as notícias factuais parecem mentira. Ficção e fato se fundem, e já é difícil separar um do outro.

A incansável busca pelas aparências por si só é absurda. Basear-se e querer a todo custo saber da vida daqueles que nos são inalcançáveis, como atrizes, cantores e políticos, é ridículo. Mas não é só isso. Transformar notícias trágicas em espetáculo é absurdo, sombrio. Não à toa a existência do termo “se espremer sai sangue”. A forma como os fatos são retratados e o enfoque que a mídia traz, chegam a dar calafrios. Não é só o glamour da vida de um “famoso” que interessa. Não só os finais felizes dos filmes clichês. Mas, o sofrimento, perda e dor também se tornaram espetáculo, dignos de atenção, olhos atentos e – por que não? – palmas.

Os jornais baseiam a ordem de aparição das notícias no tamanho da audiência. Aquilo que chama mais atenção, aquilo pelo que as pessoas se interessam mais, vem primeiro. A mesma lógica para as manchetes. É ali que se acumula a maior quantidade de sangue. As notícias felizes ficam quase sempre para o final. Já as ruins, aliás, quanto mais podre, melhor, ganham maior destaque. Por que a cobertura da mídia é feita dessa forma? Talvez porque a ideia do pão e circo não tenha sofrido tantas transformações assim. Uma das principais formas de diversão do Império Romano – o “circo” – eram as lutas de gladiadores nos anfiteatros. Em geral, os lutadores eram pobres, escravos e bandidos. Eles sabiam que corriam risco de perder a própria vida. E, muito provavelmente, esse era o ápice da programação. Posso até imaginar o diálogo de alguém chamando os amigos: “João, José, apressem-se! Tomara que um deles morra hoje! Se dermos sorte, vai ser uma morte bem lenta e violenta. Vamos logo, não quero perder nenhum minuto!”.

Hoje, nos sentamos confortavelmente em frente às nossas telas de televisão, computadores e celulares e esperamos que as cenas mais chocantes cheguem até nós. Casos de assassinos em série, tortura, mortes violentas, crimes sem solução, nos causam fascínio e gana. Saber mais, ver mais – apreciar mais. Não há muita diferença entre a gente e eles (romanos). Já somos nós.

Por mais importante que possam parecer – e o são – as leituras, análises e relativamente constantes reflexões, não é preciso parar e pensar durante tanto tempo para perceber o que vivemos. Um instante de estalo é suficiente para nos fazer acordar e então perceber aquilo que sempre esteve escancarado, mas que, de alguma forma, muitos de nós não nos damos conta. Pense um pouco: ignorância é realmente bênção? Eu prefiro chamar de maldição. Afinal, será que não apreciaríamos muito mais o espetáculo se não nos fosse imposto e pudéssemos escolher outra forma de diversão?

Post Views: 2.425

Related Posts

comments
Debate

Heróis não precisam salvar todo mundo

comments
Debate

Um herói pra chamar de seu

comments
Debate

Existe jornalismo fora da bolha

O assassino sem face

  • 2 de setembro de 2019
  • comments

A arte de contar histórias

  • 3 de setembro de 2019
  • comments

Share this

0
SHARES
ShareTweet

About author

Thamires Mattos

Related Posts

comments
Debate

Heróis não precisam salvar todo mundo

comments
Debate

Um herói pra chamar de seu

comments
Debate

Existe jornalismo fora da bolha

comments
Debate

O novo que resgata o velho

Tags

  • Edição 178
  • ensaio

Comments

Copyright © 2019 Unasp Engenheiro Coelho