“Eu, prisioneira das FARC”
- 1 de dezembro de 2016
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- Thamires Mattos
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Não quero seguir carregando esse peso e essa dor, menos ainda a desejo como herança a Emmanuel e às futuras gerações que ele representa
Andréia Moura
Há 3 anos ganhei de presente um interessante livro. “Cautiva” é um relato sobre a vida de Clara Rojas enquanto esteve sequestrada pelas FARC. O livro em questão recebeu tradução para português e novo título: “Eu, prisioneira das FARC”. O contato com a obra me trouxe novas perspectivas sobre a situação da guerrilha na Colômbia. Embora bastante extremista, jamais considerei o grupo o maior vilão da história. Com seu relato Clara Rojas acrescenta à minhas reflexões uma nota de humanidade, um sentimento de compaixão e certa impotência em relação aos conflitos protagonizados pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Em setembro de 2002, em uma viagem eleitoresca, Clara e a então candidata à presidência da Colômbia, Ingrid Betancourt, foram sequestradas pelas Farc. Clara era assessora responsável pela campanha de Ingrid. Ambas já haviam sido avisadas de que a região por onde queriam transitar era perigosa e estava ocupada pelas Farc. Ingrid, ainda assim, insistiu na viagem contra a vontade de Clara. No fim das contas, foram sequestradas, passaram 6 anos em cativeiro, em condições miseráveis dentro da selva colombiana, sujeitas a todo tipo de humilhações. O resultado disto: uma tentativa de fuga, um filho e o fim da amizade entre as mulheres.
A abordagem de Clara é tocante. Conta como foi obrigada a viver em acampamentos improvisados com espaço exíguo, dentro de selva fechada. Ver o sol (em alguns dos dias) era impossível. Ela e Ingrid estavam acompanhadas de outros 38 reféns. Ambas tentaram fugir duas vezes, mas recapturas foram alocadas separadamente para que novos planos de escape não fossem desenvolvidos. A separação também culminou com o rompimento da amizade entre as duas. Quando Ingrid (há algum tempo separada de Clara) soube de sua gravidez jamais lhe dedicou nada além de indiferença. Inclusive, o relato sobre o cativeiro feito posteriormente por ambas é muito diferente. A visão sobre o assunto também.
Na selva, Clara experimentou o isolamento, a absoluta solidão. Ademais, uma mudança radical de vida, uma vez que antes pertencia a um grupo social privilegiado. Pediu uma bíblia e outras leituras. Tudo que solicitou, neste sentido, foi atendido pelos guerrilheiros. E, segundo ela, apenas isto (o material de leitura) evitou que recorresse ao suicídio. É neste ponto de sua narrativa que Clara começa a introduzir no pensamento de seu leitor um novo aspecto a ser observado, analisado sobre as FARC e os homens que a compõe. Eram homens, como quaisquer outros, movidos por uma ideia que julgavam (julgam) verdadeira e válida de luta. Que objetivava mudar as condições de um extrato social.
Em momento algum ela menospreza o poder de fogo e violência perpetrados pelo grupo. Mas nos faz ver que ambos os lados do conflito têm suas verdades e utiliza estratégias (nem sempre éticas) na busca pela supremacia ideológica e bélica. Na época, por exemplo, (e isto é apontado no livro) o próprio presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, não tinha qualquer intenção de dialogar a paz. Uma vez que seus interesses em combater a guerrilha eram muito particulares: seu pai e irmão haviam sido assassinados pelo grupo.
Clara também conta o polêmico caso de sua gravidez. Com muita reserva, mas com sensibilidade. Sem se delongar no tema apenas dá a entender que seu filho, Emmanuel, nascido em cativeiro, é de um guerrilheiro. Um homem de quem fala pouco, mas que, segundo ela, compreendeu o sofrimento que lhe era imposto e a ajudou. A gravidez de risco não teve qualquer assistência e o parto foi difícil, sem recursos. Depois de um tempo, por causa dos constantes deslocamentos pela selva e também pelo fato de um garoto ter contraído leishmaniose, a guerrilha entregou a criança a uma ONG dedicada a menores carentes.
O livro de Clara é um livro sobre pessoas. Sobre a crueza da humanidade, sobre nossa necessidade de nos apegar a ideias e a defendê-las com unhas e dentes a despeito do que deixemos pelo caminho. É também sobre nossa capacidade de adaptarmo-nos e de conseguir perdoar. O que é ser humano?? Quem conhece nossas verdadeiras virtudes, interesses? Quem é capaz de nos adivinhar as intenções e reações? Clara mostra que bondade e maldade, certo e errado, infelizmente, dependem do local de onde fazemos nossas observações. A humanidade é feita de relatividades.
A autora termina o livro com a tônica que (talvez) os colombianos devessem cultivar. É preciso perdoar! Perdoar não significa esquecer o mal que foi perpetrado. Não significa buscar meios de minimizar os danos e sem atribuir responsabilidades. Significa sim, romper com uma cadeia de rancores, de bate e rebate, que acaba (indesculpavelmente) sendo legada a uma geração que nada mais tem a ver com aquela primeira que iniciou o conflito. “Não quero seguir carregando esse peso e essa dor, menos ainda a desejo como herança a Emmanuel e às futuras gerações que ele representa”.