O interesse privado: pandemia em países pobres
- 5 de abril de 2016
- comments
- Thamires Mattos
- Posted in Sessão Cultural
- 0
Victória Coelho
O filme “O Jardineiro Fiel”, foi a primeira produção internacional do brasileiro Fernando Meirelles. Eleito o melhor filme inglês de 2005 pela Associação dos Críticos de Cinema de Londres, conta com maestria um romance dramático, mas que ao mesmo tempo denuncia e emociona. O longa, se baseia no livro de John Le Carré, escritor inglês, com título homônimo.
No enredo não há um final feliz. Há sim, um final real, que pode ser considerado amargo. O cenário é a África Ocidental, mais precisamente a região do Quênia. Os verdadeiros protagonistas a serem considerados na trama são africanos (populações inteiras) que servem de cobaias das indústrias farmacêuticas, para testes baratos com drogas perigosas.
Justin Quayle (Ralph Fienes), é diplomata e tem como hobby jardinagem. Após realizar uma palestra sobre… em um congresso em… é questionado por Tessa (Rachel Weiz), ativista de causas humanitárias. A ativista, na verdade é a única da plateia que tira tempo para enchê-lo de questionamentos. A discussão se transforma em amizade e consequente casamento. Após a união, o casal se muda para África para que Justin exerça a diplomacia. Sua esposa desenvolve ações humanitárias em parceria com o médico Arnold Bluhm (Hubert Koundé).
Durante o trabalho Tessa se intriga com algo suspeito. Milhares de africanos recebiam gratuitamente medicamentos para a tuberculose, desenvolvidos por uma grande indústria farmacêutica e, ao consumir os remédios, morriam misteriosamente, deixando indagações. A ativista suspeita que o povo, sem saber, esteja sendo usado como cobaia para testes de um medicamento.
Tessa e Arnold decidem investigar o caso e terminam com um dossiê que visava denunciar à Organização das Nações Unidas a situação das “cobais” no Quênia. No entanto, por saber mais do que devia a jovem acaba assassinada brutalmente. O mesmo acontece com o médico, Arnold. Ao descobrir a morte de sua esposa, Justin se vê frente a um dilema: as informações oficiais não são convincentes. É então que decide investigar as causas da morte de Tessa.
O Jardineiro Fiel retrata com precisão uma indiscutível realidade: o conflito entre interesses humanitários e comerciais. Fato é que, a maioria da população, alienada principalmente pela mídia, não vê o que está debaixo dos lençóis. Exemplo disso é o contexto atual do Brasil. Esta terra tupiniquin se assemelha à África no que concerne a alienação imposta por meio do casamento entre mídia, indústria farmacêutica e governantes.
Não faltam exemplos, em terras verde-amarelas, de redações repentinamente abarrotadas de “pautas quentes” relacionadas a pandemias. Pautas que são divulgadas em nível hard de exposição com fins de alardear (sabe-se o que) entre a população. Gripe Aviária, Suína, Ebola são pandemias que impactaram o globo. Problemas de saúde pública que tiveram, pela mídia, seus momentos de glória. E que também, pela mídia, confundiram, alienaram, cauterizaram mentes. Atualmente, a bola da vez é o: ZikaVírus.
Quanto ao tema, a OMS (Organização Mundial de Saúde) decreta “emergência sanitária internacional”, e a grande mídia? Acata o papel de acertar as previsões das possíveis vítimas que virão nos próximos anos, ou até uma “doença nova” a chegar. Seja lá qual for o argumento em questão, o poder da mídia é capaz de apavorar milhões de pessoas. Na África, a população, em sua maioria iletrada se valia das informações que recebiam e, sem saber, eram classificados como ” pessoas descartáveis para teste de drogas descartáveis também”. Tessa não podia deixar isso permanecer. A ativista lutou até onde pôde.
Ao descobrir o trabalho que sua amada estava desenvolvendo, Justin prontamente resolve concluir a investigação. Ele consegue finalizar o dossiê e entregar às autoridades por meio de um amigo. Com a sensação de dever cumprido, Justin retorna ao lugar em que Tessa foi assassinada para dar fim a sua vida. No entanto, antes de concluir ele mesmo seu desejo, é assassinado, possivelmente, pelos responsáveis da morte de sua esposa.
O filme é cru, e as cenas não pretendem esconder nada. “Não estamos matando ninguém cuja a vida já não esteja em risco”, acreditam os representantes do governo britânico que apoiaram a indústria farmacêutica durante toda história.
A tática do Agenda Setting é muitíssimo utilizada por setores de armamentos, pelas farmacêuticas e indústrias do tabaco. A “Operação Pandemia” que contempla o país do verde e amarelo atualmente, e tem como protagonista o Zica Vírus, provavelmente nos levará aos mesmos caminhos de sempre. Gerar pânico com um problema, testar fármacos sem a devida criteriosidade com argumentos de pressa, esconder efeitos perversos de medicamentos em construção, compactuar com interesses dos grandes laboratórios e, inadvertidamente, sobrepor aos interesses públicos os desejos privados.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) –, o crescimento anual da indústria farmacêutica tem sido de 10% a 15%. A mídia, indiscutivelmente, tem se mostrado a grande promotora das farmacêuticas.
Em O Jardineiro Fiel, a pauta foi o vírus “micro-terrorista” da tuberculose, personagem perfeito para geração capital. Hoje, o Zika Vírus ocupa posição favorável na geração de benefícios para todos os setores que foram relatados, como também para nossa mídia, que lamentavelmente se torna sensacionalista e egocêntrica.
A moral e a ética se confundem. Os interesses particulares se sobrepõem deixando clara a influência da indústria farmacêutica e do poder, que se estabelecem ironicamente, nos bastidores da mídia.