Zootopia: essa cidade é o bicho
- 25 de novembro de 2019
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- Thamires Mattos
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A fábula moderna desmistifica preconceitos sociais de forma didática
Andressa Viana
Zootopia: essa cidade é o bicho é uma animação da Walt Disney que mistura mistério, aventura e comédia. O filme surpreendeu, “bombando” nas bilheterias do mundo todo. Se passa em um mundo onde todos os personagens são animais que vivem como humanos, não de uma forma clichê, e, sim, bem inventiva. Cada tipo de animal está em um quadrante diferente da sociedade.
A animação conta a história de uma dupla inesperada, formada por uma coelha e uma raposa [macho], que se dedicam à busca de um animal desaparecido. Eles acabam por descobrir uma conspiração que afeta toda a cidade. Além de quebrar o paradigma óbvio de que animais como coelhos e raposas não convivem, a trama aborda também os diferentes contextos que ambos foram criados.
Judy Hopps tem o sonho de se tornar a primeira coelha policial da cidade de Zootopia. Porém, encontra dificuldades para ser aceita, e enfrenta preconceitos de outros animais e até mesmo de sua família. Pelo padrão social, trabalharia vendendo cenouras, como seus pais. Juddy, no entanto, almeja cruzar barreiras. Ela quis fazer diferente. Hopps pretende, mesmo sendo uma coelha – animal menosprezado naquele contexto – afirmar que diferentes animais podem exercer o mesmo cargo. No roteiro do filme, a ideia é firmada ao retratar à diferença entre Judy e um leão, sendo esse apto a exercer um cargo alto por ser o animal mais admirado e respeitado socialmente.
A raposa Nick Wilde, no entanto, teve que cumprir seu papel dentro do contexto que lhe foi designado. Não muito diferente das fábulas e contos antigos, a obra retrata, mais uma vez, o animal como trapaceiro. Neste caso, Wilde vive às margens da sociedade, realizando os mais diversos trabalhos informais. Esta imposição é refletida na personalidade do personagem.
Inicialmente, as histórias de Hopps e Wilde soam bastante familiares e não fogem muito dos dramas convencionais de heróis que “provam seu valor e quebram paradigmas”. No entanto, Zootopia vai além. Depois de mostrar que pode ser uma policial, Judy ainda tem que encarar seu próprio preconceito e tentar combater o medo de toda a sociedade: os predadores. Estes, ao mesmo tempo que parecem maiorais, são também retratados como um mal da sociedade. Mesmo exercendo diferentes cargos – inclusive posições de reconhecimento – esses animais são caracterizados pelo medo que impõem.
Além de explorar as relações entre os animais, o longa-metragem mergulha na arquitetura e mostra como a cidade pode unir ou separar seus habitantes. Com referências à cultura pop, piadas inteligentes e um visual cuidadoso, evita padronizar a natureza, ao explorar todas as oportunidades criadas pela variedade da sua fauna, respeitando a escala e os ambientes de cada animal. No centro, Zootopia é plural: há portas de todos os tamanhos para diferentes espécies, tipos de transportes adequados a cada animal, adaptações nos quiosques para atender a clientes variados. Na periferia, cada bairro é especificamente desenhado como um habitat específico, seja ele em miniatura, uma floresta tropical, ou, até mesmo, congelado. Essa é uma crítica social à falta de mobilidade urbana nas cidades.
A grande sacada do filme não é a lição trazida – que não é nova –, mas sim a forma com que a abordagem é feita. Zootopia mostra que o preconceito está enraizado e se expressa das formas mais sutis – seja via desigualdade de gênero, social, e, até mesmo, racial, representada pela variedade de espécies.
Por mais que seja um filme muito visualmente atrativo, Zootopia não se assemelha com outras animações produzidas para crianças. Com um roteiro didático, crianças e adolescentes podem tirar conclusões e aprendizados com o filme. Entretanto, o longa serve a uma geração que, por ser mais cínica e crítica que seja, precisa fazer parte da história para captar a mensagem, e não aceita uma fábula – aqui, moderna e atual – de distância professoral, pois desmistifica preconceitos que a sociedade tem com uma didática especialmente planejada para adultos.